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Longe de ser competitivo

Os motoristas que trocaram o álcool pela gasolina na hora de abastecer o veículo em Belo Horizonte podem ter de conviver com essa situação por mais tempo. Pressionadas pela corrida dos custos dos insumos e das máquinas agrícolas desde a crise financeira mundial de 2008, as usinas de açúcar e álcool retomaram os investimentos na renovação dos canaviais, mas a defasagem dos programas de reforma das áreas alcança níveis críticos, o que pode comprometer a oferta do produto num futuro próximo.

Nas regiões produtoras de Minas Gerais, os novos plantios só vão cobrir 100 mil hectares, metade da extensão das lavouras que deveriam ser renovadas e que representaria a fração ideal d e 20% ao ano de renovação da área plantada, que soma 890 mil hectares no estado. Embora os técnicos das empresas tenham retornado ao campo, a expectativa do setor de que a produção da cana-de-açúcar cresça não mais de 5% nesta safra. Combinada aos últimos três anos de renovação em níveis muito baixos, essa expansão pequena deverá rebater, de novo, num desequilíbrio entre a oferta da matéria-prima e o consumo do álcool combustível. Uma crise já anunciada e que deve levar à elevação dos preços para o consumidor.

A estimativa dos programas de reforma dos canaviais foi feita pela Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), considerando aporte de R$ 450 milhões e um percentual pouco superior a 10% da área total plantada. Depois da alta dos preços nos postos de gasolina em 2011 e do desabastecimento de cana, o governo federal anunciou uma linha especial de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no entanto, o dinheiro não encorajou as empresas do setor. Segundo o presidente do Siamig, Luiz Custódio Cotta Martins, o nível alto de exigência de cumprimento das normas sobre os parceiros das destilarias afastou os interessados.

“Desde 2008 não há recursos para o setor renovar os canaviais, o que levou à baixa expressiva da produtividade. O resultado disso é a falta do produto”, afirma. Os reflexos chegam em cadeia nas bombas dos postos de combustíveis: sem a reforma no ritmo necessário e diante do clima seco que sacrifica os canaviais, a produtividade das plantações caiu de 84 toneladas para 68 toneladas por hectare nos últimos três anos, ou seja, uma redução de 19%.

Para reforçar a gravidade desses dois ingredientes, Custódio Cotta Martins lembra que na safra passada (2011/2012) o Brasil deixou de moer 150 milhões de hectares de cana em função da queda de eficiência das lavouras. A perda equivale a três safras da cana-de-açúcar mineira. Segundo maior produtor do país, Minas ofertou 5 3 milhões de toneladas.

A população sentiu no bolso o aumento dos preços de 19% no ano passado e de mais de 30% desde a safra 2007/2008. O preço médio do litro do álcool hidratado no estado, adicionado diretamente no tanque dos carros flex, saiu de R$ 1,65, em média, para R$ 2,19 no período analisado. Em idêntica base de comparação, os preços de venda do produtor às distribuidoras foi reajustado em 76,4% entre 2007/2008 e 2011/2012. Ainda assim, as usinas reclamam da falta de competitividade do combustível frente à gasolina.

Custos Conforme dados levantados pelo Siamig, os custos de produção chegaram a dobrar nos últimos cinco anos. Na unidade de Campo Florido da Usina Coruripe, no Triângulo mineiro, o gerente-geral Rui Gomes Nogueira Ramos estima a renovação de 7 mil hectares de cana até o fim do mês, cerca de 4 mil hectares abaixo do que seria ideal. “Os custos estão pela hora da morte. Não é por outro motivo que as usinas estão moendo abaixo da sua capacidade” afirma.

A usina WD Agroindustrial, de João Pinheiro, no Noroeste de Minas, pagou 40% mais em insumos e equipamentos nos últimos dois anos, de acordo com o gerente agrícola Gilson Gonçalves Xavier. A empresa está preparando projeto para recorrer aos recursos do BNDES na expectativa de ampliar a renovação de 2,5 mil hectares, que hoje representa 12% da área total. “Quem produziu só álcool este ano ficou em situação muito difícil. O açúcar é que salvou”, afirma.

Desvantajoso e esquecido na bomba

Desde o pico da crise do etanol que teve início em setembro de 2010 para o consumidor brasileiro, o país reduziu drasticamente o consumo do combustível da cana-de-açúcar. Sem opção, nas bombas o motorista opta pela gasolina como o combustível que abastece a frota de veículos flex. Na última safra (2011/2012) o consumo de etanol no Brasil foi de 10 bilhões de litros, queda de 33% em relação ao período anterior. Desde setembro de 2010 não vale a pena abastecer com álco ol. O país, que pretendia exportar o combustível renovável, se tornou importador do etanol de milho, fabricado nos Estados Unidos.

Levantamento da Agência Nacional do Petróleo (ANP) mostra que em Belo Horizonte a diferença entre o preço do álcool dividido pelo preço da gasolina é de 77%. A equação rápida que indica ao motorista quando migrar para o etanol deve mostrar resultado igual ou inferior a 70%, limite máximo para que o combustível da cana seja competitivo. Nos últimos quatro anos o etanol ficou 35% mais caro nas bombas da capital. Em abril de 2008 o preço médio do litro em Belo Horizonte era de R$ 1,57. Essa semana a média de preço do litro é de R$ 2,12, mas no ano passado o etanol espantou o brasileiro, chegou a bater na casa dos R$ 3.

Em um posto de gasolina de grande movimento, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste da capital, o chefe de pista Fábio da Cruz diz que a venda do etanol se tornou raridade. “Temos na bomba mas ninguém quer. Todo mundo que tem c arro flex usa a gasolina”, resume. O comerciante Walmir Gontijo gasta cerca de R$ 130 por semana para encher o tanque com o combustível fóssil. “É um absurdo o etanol, um produto nosso, custar mais caro que a gasolina. A diferença de preço deveria ser em uma proporção de 50% (a favor do etanol). A política brasileira é mal conduzida.” O taxista Vilmar Brasil diz que para suavizar o calor das últimas semanas ele tem trabalhado com o ar condicionado ligado, o que faz crescer o consumo de combustível. “Há mais de um ano não abasteço com álcool, no verão o custo x benefício do etanol se torna ainda menos atrativo.”

Expectativa Com a previsão de crescimento da safra brasileira de cana de açúcar este ano, a expectativa é que no mês que vem algum refresco chegue ao bolso do consumidor. “É possível que em Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Goiás o etanol ganhe competitividade”, aponta Paulo Miranda presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados do Petróleo do Estado de Minas Gerais (Minaspetro). “Em Minas houve também queda do ICMS do etanol de 25% para 19% e crescimento do imposto da gasolina de 25% para 27%”, acrescentou.

A historiadora Helena Machado tem um carro flex e diz que se pudesse escolher optaria pelo etanol, mas não consegue se lembrar da última vez que abasteceu com o produto. “O etanol está muito caro, não consigo entender o motivo.”

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