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José Goldemberg: A crise de energia e suas causas

O sistema energético brasileiro foi montado ao longo dos últimos cem anos e funcionou relativamente bem até recentemente o País gera quase toda a sua eletricidade em usinas hidrelétricas, uma fonte limpa e renovável de energia, e se tornou também quase autossuficiente na produção de petróleo.

A eletricidade foi introduzida no Brasil por empresas estrangeiras (e uns poucos empreendedores nacionais) no fim do século 19 e só começou a dar problemas quando, em meados do século 20, o governo federal impediu reajustes das tarifas que compensassem os investimentos. Investir em eletricidade deixou, então, de ser atraente para o setor privado.

A solução foi a criação da Eletrobrás e empresas estatais nos Estados, verdadeiras agências de desenvolvimento regional que – com recursos públicos – construíram usinas hidrelétricas As empresas estatais do setor elétrico revelaram, no início, grande dinamismo, mas se tornaram burocráticas e pesadas. A tentativa do governo Fernando Henrique Cardoso de privatizá-las só funcionou parcialmente em razão de interesses das corporações que se formaram dentro e em torno delas.

As distribuidoras, como a Light, foram privatizadas, mas a transmissão e a geração, de modo geral, permaneceram em empresas estatais.

No caso do petróleo, o País era totalmente dependente de importações até meados do século 20, mas a Petrobrás conseguiu nos levar quase à autossuficiência, o que foi um grande avanço. Contudo a euforia nacionalista criada pela descoberta de petróleo a grandes profundidades e no pré-sal levou a empresa a um programa gigantesco de obras que não era capaz de realizar sozinha, o que nos levou de volta à importação de combustíveis, a obras atrasadas e a uma queda do valor das ações da Petrobrás.

Como o governo se recusa a reajustar os preços dos combustíveis desde 2007, a situação atual é que a empresa importa gasolina a preços internacionais – que subiram muito nos últimos anos – e vende essa mesma gasolina a preços congelados no nível de 2007, perdendo dinheiro e pondo-a no vermelho.

Uma consequência imediata dessa situação é a asfixia e morte lenta do Programa Brasileiro de Álcool, produzido a partir da cana-de-açúcar. Esse é o melhor programa de energia renovável que surgiu no mundo nos últimos 20 anos. Sucede que, como o petróleo e derivados subiram de preço internacionalmente os insumos utilizados na produção de álcool – como fertilizantes – subiram também.

Uma consequência imediata da política pública energética é a asfixia e morte lenta do Programa Brasileiro de Álcool, produzido a partir da cana-de-açúcar

Hoje é mais caro produzir um litro de etanol do que cinco anos atrás. Impedir o reajuste do preço do álcool, de forma que ele possa competir favoravelmente com a gasolina, torna inviável a sua produção, que já caiu de 27 bilhões de litros por ano para 22 bilhões em 2012. Com a atual política de preços dos derivados de petróleo sofre a Petrobrás com prejuízos crescentes, e sofrem os produtores de etanol pondo em risco mais de 1 milhão de empregos que essa atividade agroindustrial privada criou.

Os três pilares da política energética do País – eletricidade petróleo e etanol – estão, portanto, em crise, causada por políticas equivocadas do governo da União adotadas nos últimos anos.

Como pode isso acontecer depois de um século de relativo sucesso?

A resposta é relativamente simples: uma mistura de política e incompetência.

A influência política revela-se de duas formas:

– Um nacionalismo exacerbado na exploração do petróleo, afastando parcerias com empresas internacionais com competência na área de pesquisa e produção em águas profundas e uma obsessão pela ideia da “modicidade tarifária” no custo da eletricidade, que tenta

– baixar as tarifas quando esses custos são crescentes e diferenciados. Os leilões para contratação de energia elétrica são sempre realizados pelo menor preço, independentemente de onde e da forma como ela é produzida o que é um contrassenso, da mesma forma que seria exigir que qualquer tipo de carne (filé mignon ou costela) tivesse o mesmo preço no mercado.

As demandas por modicidade tarifária originam-se nos setores industriais eletrointensivos, como o de alumínio, que desejam tarifas mais baixas, e em setores populistas do governo, que tentam tratar a energia elétrica como se fosse uma “Bolsa-Família”.

Essa política levou o governo a baixar uma medida provisória fixando exigências para a prorrogação por mais 30 anos das concessões de exploração das usinas hidrelétricas como um meio de baixar as tarifas. Tal medida se propunha a eliminar o custo exagerado – na visão do governo – da geração, uma vez que os investimentos feitos pelas concessionárias já foram pagos.

Todas as questões relativas a acertos de contas e compensações pela extinção das atuais concessões parecem ter sido levadas a efeito por técnicos alheios aos problemas reais do setor, como se pode ver, por exemplo, quando a Eletrobrás reivindica compensações de cerca de R$ 30 bilhões e o governo estima que ela só tem direito a R$ 13 bilhões.

Ao que tudo indica, enfrentamos no setor de energia uma situação parecida com a que levou o presidente da França Georges Benjamin Clemen¬ceau, durante a II Guerra Mundial, a declarar que a guerra “é uma coisa demasiadamente grave para se deixar nas mãos dos militares” – no caso presente, dos tecnocratas do setor energético.

Seria preciso que setores mais amplos da sociedade fossem ouvidos a respeito dessas questões, um dos quais é o Conselho Superior de Política Energética – praticamente desativado nos últimos dez anos e que se tornou, na prática, um órgão de homologação de decisões do governo.

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