JornalCana

Inversão no comércio exterior de Jaboticabal

“Sua safra é uma potência, em nosso mercado e no estrangeiro.” (Rei do Gado) Teddy Vieira; Tião Carreiro & Pardinho.

O paradoxo de Jaboticabal importar álcool

Por Julio Cesar de Jorge

Causa surpresa e perplexidade o impacto do fato até então inédito e inimaginável, que mais parece um equívoco ou que “o rabo abanou o cachorro”, e que deverá ficar na história dos negócios de Jaboticabal como um divisor de águas: o Município – que é praticamente um canavial, tradicional produtor e exportador de açúcar e álcool – mudou radicalmente o rumo da atividade ao importar álcool de milho americano. Na contramão do fluxo mercantil, portanto, Jaboticabal surpreende com uma inusitada compra de grande volume de álcool dos Estados Unidos da América (EUA), país que deveria ser o maior consumidor do etanol brasileiro, segundo a marquetagem oficial de anos atrás. E, não obstante, a famigerada operação ocorre em momento de queda da exportação local.

A inversão no comércio exterior do município ocorreu em março, quando Jaboticabal importou dos EUA a vultosa quantia de 7,9 milhões de litros de álcool etílico por 4,7 milhões de dólares, ou seja, cerca de 10,9 milhões de reais. Álcool do tipo anidro (puro) que, no Brasil, é adicionado à gasolina à base de 25%, ou que, transformado no tipo hidratado (com adição de 5% de água), é vendido como álcool comum nos postos. O transporte de uma quantidade de álcool combustível dessa magnitude, realizado por navegação marítima através de navio petroleiro a partir de porto nos Estados Unidos, seria feito, na seqüência, já em terras brasileiras, em centenas de viagens rodoviárias de caminhões-tanques, e com a requerida armazenagem no final.

Redução de saldo comercial e de repasse do ICMS

O valor dessa importação representa 55,3% da soma dos produtos importados por Jaboticabal no primeiro trimestre, que foi de 8,5 milhões de dólares, e tem efeito redutor no valor adicionado, principal fator do índice de participação da cidade no ICMS. Com a compra de álcool, o custo das importações do município, que teria redução de 19,1% ante o mesmo período de 2013, teve aumento de 81,2%, reduzindo o saldo do comércio exterior local.
A balança de comercialização externa fechou o primeiro semestre deste ano sem registrar nenhuma exportação de álcool do município para qualquer país, registrando apenas a inverossímel importação que causa muita decepção por Jaboticabal sempre ter produzido e exportado álcool, ainda que tenha sido desativada, há um ano e meio, uma das suas duas usinas, a São Carlos, como fora a Destilaria Santa Luiza há tempos.

Estados Unidos produzem 100% mais álcool que o Brasil

Por outro lado, a produção de etanol (álcool etílico ou apenas álcool) dos Estados Unidos aumentou muito e, hoje, já é o dobro da brasileira. Enquanto a produção de biocombustível de cana no Brasil foi de 24,7 bilhões de litros anuais, na média dos últimos três anos, a produção dos EUA em 2013 foi de cerca de 50 bilhões de litros, com a maior parte dela derivada do milho.

Contradições permeiam o mercado de etanol

Difícil de entender, mas, na safra 2011/12, o Brasil exportou 1,88 bilhão de litros de etanol carburante e importou 1,41 bilhão. O que se pode ver nesse imblóglio comercial, com venda de álcool lá fora e também compra dele, é a importação praticamente anulando o esforço de exportação. E com a expansão de veículos flex e a produção alcooleira estagnada, a oferta não supre o mercado, que também importa gasolina, e o déficit de etanol cresce. Assim, e com mercado interno de combustível (des)regulado via preço e abastecimento da frota de veículos insuficiente, revela-se o país do “ponto fora da curva”, que pratica um comércio externo de etanol de mão dupla, com produtoras exportando parcela da produção na safra e distribuidoras importando o produto por melhor preço na entressafra, e deixa milhões de toneladas de cana no campo. Como o período de colheita no Centro-Sul difere do tempo da moagem no Nordeste, importa-se etanol também em plena safra. Forte crise atinge o setor sucroenergético
O setor sucroenergético vive crise sem precedentes que atinge usinas e cadeia produtiva, causada pela descontinuação da política do etanol, mudanças no mercado, redução de investimentos e falta de normas de longo prazo, que, persistindo, poderá resultar em forte retração no plantio de cana, sucateamento da indústria e volta do país à dependência quase que exclusiva do petróleo. A expressão “a globalização trás oportunidades e riscos”, pelo que se verifica, não excluiu o agronegócio.
Nesse contexto, o país, que há séculos cultiva cana-de-açúcar e cuja produção de álcool foi destacada há alguns anos, passou estranhamente a importar o produto nos últimos tempos, época em que ocorre crescente desnacionalização do setor com a incorporação de unidades produtivas por empresas multinacionais.

Filial de cooperativa estadual importa álcool no município

No movimento da balança comercial brasileira de março de 2014, o Governo Federal registra, por sua vez, uma importação de álcool dos Estados Unidos, no valor entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões, por Cooperativa de Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo com domicílio fiscal de filial no Município de Jaboticabal.
Com o absurdo da importação de álcool de milho americano em detrimento da produção local de álcool de cana e o impacto causado, e na sua eventual continuidade, já não se descartaria a possibilidade, antes impensável, de a cidade vir a ser surpreendida no mercado agora com um fato ainda mais esdrúxulo e adverso, como a compra de açúcar de beterraba da Europa.

Fontes: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; JOB Economia e Planejamento Ltda., São Paulo; Folha de S. Paulo, Ribeirão Preto, 07/07/2014; Revista “Revide”, Ribeirão Preto, 27/06/2014; Jornal “Tribuna”, Jaboticabal, 21/06/2014; Estudo “A Dimensão do Setor Sucroenergético – 2013/14”, Markestrat, Fundace e FEA-USP, Ribeirão Preto; e Pesquisa “Déficit de Produção de Etanol – 2012 a 2015”, BNDES, Rio de Janeiro.

Inscreva-se e receba notificações de novas notícias!

você pode gostar também
Visit Us On FacebookVisit Us On YoutubeVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram