Apesar da bioenergia despontar como alternativa promissora para aumentar a segurança energética no futuro e poder se tornar uma das maiores fontes da matriz energética de muitos países nas próximas décadas, ainda esbarra em questões políticas para avançar. Essa é a principal conclusão apontada na síntese de um relatório de avaliação sobre a implantação de sistemas de bioenergia no mundo que está sendo elaborado por cientistas brasileiros ligados aos programas Fapesp de Pesquisa em Bionergia (Bioen), de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (Biota) em colaboração com especialistas de 24 países, sob a égide do Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope) – órgão intergovernamental parceiro da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O documento final será divulgado nos dias 14 e 15 de abril de 2015, durante um seminário na Fapesp, que incluirá também o lançamento de um resumo para guiar políticas públicas.
Segundo os pesquisadores, as questões políticas devem contemplar toda a cadeia de produção de energias renováveis, incluindo uso da terra, tecnologias de conversão e questões sociais, ambientais, econômicas e de governança relacionadas a esse tema, segundo a síntese do relatório, denominado Processo Rápido de Avaliação (Rapid Assessment Process, em inglês) sobre biocombustíveis e sustentabilidade. Ele foi apresentado ontem, dia 20 de outubro na abertura do 2nd Brazilian BioEnergy Science and Technology Conference (BBEST), que ocorre até sexta-feira (24/10) em Campos do Jordão, no interior de São Paulo.
Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do programa Bioen disse que a síntese do relatório é resultado de discussões realizadas no fim de 2013, na sede da Unesco, em Paris, por 50 especialistas na área de bioenergia, de 13 países, durante uma oficina de planejamento do processo de avaliação rápida em bioenergia e sustentabilidade. “As conclusões das discussões desses especialistas sobre temas como segurança energética, alimentar, ambiental e climática, além de desenvolvimento sustentável e inovação servirão de base para o relatório final, que terá 21 capítulos, 700 páginas e será disponibilizado gratuitamente no formato de e-book”, afirma Souza, que coordena a redação do documento.
Para atingir esse objetivo de impulsionar a bioenergia, entretanto, os autores da avaliação recomendam aumentar a compreensão sobre os impactos de políticas, regulamentações e sistemas de certificação para a definição de métodos de governança que garantam a sustentabilidade e a igualdade na distribuição dos benefícios trazidos pela bioenergia, além de uma cuidadosa análise do investimento financeiro necessário para a implementação de sistemas de produção de energia renovável. “Existem políticas públicas locais e globais que impactam no financiamento, no mercado e na exportação e importação de biocombustíveis e que competem com uma indústria muito barata, que é a do petróleo. É preciso que a cadeia de produção de bioenergia conte com subsídios e o apoio de políticas públicas para conseguir aumentar a escala de produção e torná-la mais competitiva”, avalia.
Os autores do documento avaliam que o peso da bioenergia para a segurança energética tende a crescer, em razão do avanço de tecnologias de conversão de biocombustíveis a partir de biomassa e de materiais celulósicos. Esse fator aumentará significativamente a base de recursos globais para a geração de energia sustentável.
O Sustainable Energy for All (SE4ALL) criado em 2011 pela Organização das Nações Unidas (Onu), é de que até 2030 entre 40% e 60% da energia renovável produzida no mundo seja proveniente de biomassa. E que pelo menos 10% da energia primária mundial seja suprida por bioenergia.
Para atender essa meta, porém, ainda é preciso encontrar respostas para questões sobre como financiar esse esforço, quais matérias-primas serão utilizadas e quais as opções tecnológicas para os biocombustíveis, energia elétrica e produção de calor para diferentes regiões do mundo, entre outras perguntas, ressaltam os autores da avaliação.
Gláucia explica que a equipe de cientistas está observando que não existe uma única solução adequada para todos os países ou regiões do mundo. “Os casos de produção de bioenergia que avaliamos mostram que, apesar de algumas semelhanças, há diferenças de impactos ambientais, sociais e econômicos de diferentes biocombustíveis, determinadas por condições locais”.
Segundo os pesquisadores, a produção de bioenergia no mundo ainda é muito localizada, como o etanol de cana-de-açúcar no Brasil e na Tailândia; a bioeletricidade nas Ilhas Maurício e também no Brasil; o biogás nos Estados Unidos, na Alemanha e no Reino Unido e o biodiesel de pinhão-manso no Malauí e em Moçambique, na África.“Há a possibilidade de os países produtores se tornarem exportadores de energia renovável e da bionergia mudar a geopolítica mundial, da mesma maneira como o petróleo criou uma divisão entre os países que têm ou precisam comprar esse recurso energético nas próximas décadas”, diz Souza. (Fonte: Agência Fapesp)