Açúcar e etanol

Safra recorde e crescimento lento da demanda por etanol impõem dificuldades ao biocombustível

O etanol tem enfrentado dificuldades para desafiar o preço do açúcar, especialmente devido à safra recorde de 2023/24

Safra recorde e crescimento lento da demanda por etanol impõem dificuldades ao biocombustível

A Hedgepoint Global Markets aborda, em novo relatório, as dificuldades que o etanol tem enfrentado para desafiar o preço do açúcar. “É uma verdade universalmente reconhecida que o etanol não tem conseguido ameaçar o açúcar há algum tempo. A temporada 23/24 marcou uma safra recorde que, apesar de seu volume robusto de açúcar, também levou à maior produção de etanol até o momento”, diz Lívea Coda, analista de Açúcar e Etanol da Hedgepoint.

Juntamente com um crescimento mais lento do que o esperado na demanda de combustível, a última temporada terminou com os níveis mais altos de estoque de hidratado e anidro. Consequentemente, não é surpresa que o adoçante continue pagando um prêmio significativo sobre o biocombustível (mais de 500 pts).

“A recente redução da diferença entre esses produtos não se deveu a mudanças no mercado de hidratado, mas sim ao enfraquecimento dos fundamentos do setor açucareiro. Entretanto, há algumas tendências interessantes a serem monitoradas com relação ao biocombustível”, observa a analista.

A primeira é que, com a expectativa de um aumento de 2% para o Ciclo Otto ainda em 24/25, os estoques de etanol podem se corrigir, especialmente se as usinas mantiverem seu plano de maximizar a produção de açúcar – o que deve acontecer.

“Atingir um mix de 51,5% a 52% de açúcar significa restringir a oferta de biocombustível no meio da temporada. Isso pode significar que a diferença de preços entre os dois produtos pode diminuir ainda mais à medida que a safra avança. Mas isso ameaçará o açúcar? Provavelmente não, pelo menos não nesta temporada”, acredita.

Que preços o etanol pode atingir?

“Para avaliar se os preços poderiam subir o suficiente para garantir um estoque de biocombustível mais confortável no final da temporada, considerando um crescimento de 2% na demanda de combustível, precisamos começar a discutir os desafios envolvidos”, pontua.

São eles três principais:

•          Os preços da gasolina estão sendo mantidos artificialmente baixos, com a Petrobras impedindo a transferência da volatilidade internacional para o mercado doméstico.

•          A recuperação da demanda por etanol é bastante recente e frágil.

•          O mercado de açúcar está ficando mais confortável, mas isso não significa que a produção brasileira seja dispensável.

Imagine que a Petrobras repasse toda a arbitragem de importação atual, estimada em R$ 0,8/litro. Isso significaria que os preços do hidratado em equivalência ao açúcar passariam de 14,6 c/lb no cenário atual (A) para 16,61 c/lb, no cenário (B). Aumentando o piso do açúcar referente ao etanol, há tanto tempo esquecido, em quase 14%.

“No entanto, assumindo uma demanda maior de combustível, isso também poderia desencadear uma correção na paridade bomba, já que os consumidores estariam mais inclinados a comprar hidratado na porcentagem atual. Se a paridade da bomba conseguisse atingir os níveis de 70%, os preços poderiam subir para 18c/lb, cenário (C). Mas observe que esse último é altamente improvável”, ressalta.

Assumir o repasse completo dos custos da Petrobras é um desafio, mas a recuperação da paridade bomba também é complicada. Quando a paridade no estado de São Paulo – SP atinge 70%, referência usada neste estudo, isso significa que outros estados produtores importantes, como Minas Gerais – MG e Paraná – PR, já perderam a competitividade do hidratado. Portanto, as regiões não produtoras podem enfrentar reduções de demanda ainda mais cedo.

“A análise das vendas de etanol revela ainda que os consumidores prestam mais atenção à diferença absoluta de preço ou quando a paridade do etanol está mais próxima de 68%, em vez da equivalência energética de 70%. No ano passado, por exemplo, a demanda de hidratado só reagiu depois que os impostos federais sobre a gasolina foram restabelecidos”, indica.

A paridade bomba em julho caiu para 68%, induzindo uma demanda maior que só mostrou mais força no final do ano, quando o percentual estava mais próximo de 62%. Portanto, o consumo de biocombustível recentemente recuperado continua frágil e pode sofrer reduções antes que o nível de preços do cenário C seja atingido.

“Para os próximos dois cenários, foram feitas duas suposições importantes. A primeira é que, dados os recentes esforços da OPEP+ para manter os preços do petróleo mais altos, consideramos um aumento deste para 100 USD/bbl.

“Ao mesmo tempo, supomos que a Petrobras continuará com defasagem e corrigirá a arbitragem em apenas 15% sobre os novos preços da gasolina. Dito isso, a diferença entre os cenários D e E é que, no primeiro, a paridade da bomba permanece no mesmo nível, enquanto no E, a paridade da bomba é empurrada para 70%”, explica.

“Conforme discutido anteriormente, parece improvável que a demanda de etanol seja robusta o suficiente para sustentar o alcance do nível de 70%. É provável que outros estados, tanto produtores quanto não produtores, ultrapassem essa porcentagem antes de São Paulo, com uma mudança da demanda para a gasolina esperada em torno de 68%”, analisa.

Consequentemente, se os preços internacionais do petróleo apresentarem um impulso de alta, podemos assumir que os preços do etanol subirão para 16,74 c/lb. No entanto, esse movimento de alta provavelmente só começaria quando a demanda de combustível levasse ao consumo dos estoques, o que pode ocorrer por volta do meio da temporada.

“Entretanto, apesar da tendência de alta que se aproxima, não se espera que o biocombustível ameace a produção de adoçantes. Para esta temporada, a maior parte do açúcar do Brasil já está contratada, portanto, o etanol precisaria pagar um grande prêmio para induzir uma mudança nas posições das usinas – o que é extremamente improvável”, acredita.

Além disso, embora o mercado de açúcar tenha experimentado um enfraquecimento em seus fundamentos, com o balanço global e os fluxos comerciais mudando para um superávit, esse “conforto” só se materializará se o Brasil continuar priorizando a produção de açúcar e se o mercado global sustentar preços acima da paridade de exportação indiana e brasileira. Sabe-se que a paridade de exportação da Índia está mais próxima de 19 c/lb, enquanto a do Brasil poderia estar mudando de 14 c/lb para 16,74 c/lb, considerando o etanol.

“Mas o etanol não está sozinho. O mercado interno do açúcar também entra nessa equação. Atualmente, para competir com o mercado internacional, os preços internos do Brasil estão pagando um prêmio sazonalmente alto. O açúcar cristal do Cepea está estimado em 25,8 c/lb, com oferta limitada”, diz.

De acordo com o CEPEA, a moagem em andamento persiste em meio às condições de clima seco em São Paulo, com as usinas priorizando as entregas por contrato, reduzindo a disponibilidade no mercado spot. O prêmio permanece acima da média, mesmo com uma demanda supostamente menor nas últimas semanas.

Em resumo, os preços do açúcar têm vários níveis de suporte, que vão desde a paridade de exportação indiana acima de 19 c/lb até sua equivalência com o etanol brasileiro.

Embora não prevamos que os preços do adoçante cairão para se equiparar aos do etanol, continua sendo crucial avaliar o nível potencial de preços do biocombustível, dado o aumento esperado da sua demanda.

Considerando todos os cenários discutidos, é possível que o hidratado tenha um ano mais altista; entretanto, a nova política da Petrobras e os cortes orgânicos da demanda podem restringir seu potencial de alta. Portanto, um nível justo para o hidratado poderia ser em torno de 16,7 c/lb.

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