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Indústria do açúcar teme futuro amargo

O cenário é tudo menos doce. O sector da refinação em Portugal já trabalha a meio gás e o futuro reserva mais dissabores, se à dificuldade de importação de ramas de cana-de-açúcar a preços competitivos e da liberalização do mercado do açúcar na União Europeia (UE), marcada para outubro de 2017, se juntar a concorrência do açúcar de beterraba.

O diagnóstico é feito por Francisco Avillez, presidente da Associação dos Refinadores de Açúcar de Portugal (ARAP), que junta os dois grandes operadores da refinação de açúcar do país: a Sidul (propriedade da American Sugar Refining), em Loures, e a portuguesa RAR Açúcar, no Porto. De fora, fica a DAI — Sociedade de Desenvolvimento Agroindustrial, em Coruche, refinadora atualmente em layoff, que completa o sector em Portugal.

O sector labora a 50% da sua capacidade de produção, gerando 400 mil toneladas de açúcar refinado, com o mercado português a absorver cerca de 300 mil. Mas já consumiu 500 mil toneladas. À queda do consumo, associada a novos hábitos alimentares, soma-se o elevado custo da matéria-prima: “De acordo com a Política Agrícola Comum (PAC), os refinadores estão obrigados a comprar a matéria-prima a fornecedores preferenciais com os quais a União Europeia (UE) tem parcerias económicas. Estes, como sabem que não temos alternativa, cobram um prémio implícito, entre €150 e €200 por tonelada. Os refinadores estão sequestrados”, explica o dirigente.

O custo de produção é grande, mas até agora os refinadores têm aguentado a pressão devido ao preço do açúcar branco na UE, muito alto, cerca de 70% acima do preço mundial (devido a taxas sobre a importação) — mesmo com a concorrência do sector beterrabeiro, que produz açúcar branco a partir da beterraba sacarina e que é líder europeu.

A UE consome cerca de 17,5 milhões de toneladas de açúcar branco, com o açúcar de beterraba sacarina a representar cerca de 13,5 milhões de toneladas. O açúcar de cana corresponde a 2,4 milhões de toneladas (menos de 15%), a que se acrescenta menos de um milhão de isoglucose (açúcar líquido) e outro milhão de toneladas importadas. Na UE, existem 111 beterrabeiras e apenas 39 refinadoras — com o Reino Unido e Portugal a destacarem-se neste sector.

Quando, a partir de outubro de 2017, as quotas de açúcar forem eliminadas, será com grande dificuldade que as refinadoras conseguirão competir com as beterrabeiras, devido aos elevados preços da sua matéria-prima. “Estas ainda têm capacidade de produção disponível e vão fabricar o máximo que puderem. É de esperar que o preço europeu caia e os refinadores vão deixar de ter margem”. Os refinadores não criticam, porém, a liberalização das quotas de produção: “Criticam, sim, a não liberalização do regime de abastecimento para os refinadores, no momento em que se toma tal decisão”.
Beterraba: é viável?
Os refinadores europeus têm tentado sensibilizar a Comissão Europeia (CE) para a situação e, em Portugal, a ARAP tenta fazer o mesmo com o Governo português. Sobretudo, explica o seu presidente, porque a liberalização do mercado de açúcar europeu ainda pode ser mais prejudicial para o sector refinador nacional: abre a possibilidade de entrada de uma beterrabeira em Portugal.

Uma já existe: a Sinaga, em São Miguel, Açores, adquirida pelo Governo Regional e que se debate com uma situação financeira marcada por prejuízos de milhões. E a própria refinadora DAI, que está à venda, já foi beterrabeira. Nasceu com esse propósito, na década de 1990 e instalou-se em Santarém para beneficiar da produção dos 800 agricultores que passaram a dedicar-se à cultura. Contudo, a partir de 2007, a CE reduziu gradualmente a quota de açúcar de beterraba a Portugal (num processo que mereceu grandes críticas dos agricultores ao então ministro socialista da Agricultura, Jaime Silva) e ficou estipulado que o preço mínimo pago pela indústria aos produtores passaria de €45 por tonelada para €26, tornando-se menos apetecível. A DAI acabou por reconverter-se e recebeu €14,9 milhões de ajuda para tornar-se refinaria, enquanto outros €14,1 milhões foram distribuídos pelos produtores para reconverterem as suas explorações.

Contudo, tal imposição europeia nunca foi bem aceite pelos produtores e o preço mínimo pago aos agricultores europeus nunca chegou a baixar tanto (ficou pelos €34). Poucos anos depois, em 2012, pagas a indemnizações compensatórias, os apelos para que a DAI regressasse a beterrabeira (com capacidade simultânea de processamento de ramas) fizeram-se ouvir, depois de um grupo de deputados do PSD ter apresentado um projeto de resolução que recomendava uma nova reconversão da fábrica. E a própria DAI assumiu estar disponível para investir €30 milhões de euros nesse processo. O secretário de Estado da Agricultura do anterior governo, José Diogo Albuquerque, disse publicamente que apoiava o processo.

Em condições normais, alega a ARAP sustentada por um estudo que encomendou a um conjunto de técnicos independentes do Instituto Superior de Agronomia, a reintrodução da cultura de beterraba sacarina em Portugal Continental, “não é viável economicamente, sobretudo porque a produção nacional nunca seria suficiente para abastecer uma unidade industrial”. Contudo, se o Governo português, à semelhança do espanhol, introduzir ajudas diretas ligadas à produção de beterraba sacarina e um subsídio de apoio ao transporte da beterraba para a fábrica, o cenário muda de figura. É o que os refinadores lusos temem.

Ao ministro da Agricultura, Capoulas Santos, entregaram há semanas o estudo técnico sobre o tema, mas ainda não obtiveram reações. Contactado pelo Expresso, o ministério não respondeu em tempo útil às questões colocadas, mas foi possível apurar que existe “um dossiê” sobre o tema, que está a ser acompanhado pelo governante. Capoulas foi, aliás, um dos responsáveis pela negociação das quotas de açúcar de beterraba para Portugal. O então eurodeputado socialista defendeu a continuidade das mesmas.

AÇÚCAR DE BETERRABA É ‘RELÍQUIA’ EUROPEIA

Desde a sua invenção, em França, que o açúcar produzido a partir da beterraba sacarina tem sido altamente protegido, até à nova reforma da PAC, que aponta para o fim das quotas em 2017. Foi Napoleão que impulsionou a produção, depois do bloqueio naval imposto pelos ingleses, que travou a importação de cana-de-açúcar. O imperador francês financiou a construção de fábricas, apoiou os agricultores e até criou centros de pesquisa dedicados à beterraba. França e Alemanha são os principais.

REFINADORA DAI EM LAYOFF ATÉ FINAL DE JUNHO

A DAI – Sociedade de Desenvolvimento Agro-Industrial, empresa refinadora localizada em Coruche (Santarém), está desde o passado dia 1 de março em layoff de 90 dos seus 104 trabalhadores (uma suspensão do trabalho que obriga a uma redução salarial de cerca de um terço), regime que se deverá manter, pelo menos, até ao final deste mês de junho. Há um ano que a refinação de açúcar está parada. A empresa, que apresenta prejuízos de €25 milhões e sem capacidade para contrair empréstimos para comprar rama de cana-de-açúcar, encontra-se à venda, na expectativa de encontrar um investidor disponível para avançar para a reconversão da DAI (num modelo que alterne a refinação e a produção a partir da beterraba sacarina, nos meses de campanha). A DAI justificou o layoff para evitar despedimento coletivo. A situação, afirmaram os responsáveis, deve-se sobretudo ao aumento da dificuldade de acesso à matéria-prima, a valores que não são compatíveis com o preço de venda do açúcar refinado, nos seus mercados habituais, Portugal e Espanha. A DAI tem capital maioritariamente espanhol (51,1%), 20% é italiano e o restante tem nacionalidade portuguesa. É uma das refinadoras mais modernas na Europa. Em 2013, investiu €1,3 milhões para passar a utilizar gás natural como combustível para os seus sistemas de pro.

Fonte: (Expresso — Portugal)

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