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Hora do desmonte

O engenheiro mecânico Luiz Cláudio Pereira da Silva costuma deixar o telefone celular no escritório entre este final de ano e meados de março próximo. A atitude não é sinal de falta de profissionalismo. Pelo contrário. Com uma equipe de técnicos espalhada por vários estados e uma carteira de clientes que ligam 24 horas por dia, ele prefere concentrar seus contatos por meio da secretária.

“Ela sabe onde me encontrar e dou retorno imediato, mesmo porque se fosse atender a todas as ligações no celular, não daria conta”, diz Silva, coordenador do Departamento Técnico Comercial da Dinatécnica, fornecedora de acessórios para tubulações industriais.

O corre-corre do engenheiro ilustra bem a entressafra da região Centro-Sul, neste ano antecipada desde o final de outubro e que deve prolongar-se até meados de março. É nesse período que também ocorre a chamada safra da safra. Ou seja, terminado o ciclo produtivo, tem início o ciclo das reformas, ampliações e dos investimentos industriais.

Para os profissionais do setor, a fase é apenas mais uma no processo, em que pelo menos 300 peças são desmontadas de equipamentos e vão para o solo, de onde seguirão para oficinas fora ou dentro da própria unidade. Os pesados eixos de moendas podem ser vistos nas estradas do interior paulista sendo transportados por caminhões. É uma fase promissora para os fornecedores de peças e serviços. Estima-se que cerca de 600 empresas, instaladas basicamente em Sertãozinho, Ribeirão Preto e Piracicaba atuem 24 horas nesse período. A correria já é esperada, igualmente remuneradora e, assim, satisfatória.

Neste ano, o desmonte de parte das fábricas vem embalado pela capitalização dos empresários. Com mais estofo, muitos deles empreenderam em serviços de manutenção preditiva – no próprio planejamento – e preventiva, que permitiram soluções ao longo da própria safra. O resultado é que o número de reparos cai na entressafra.

A maior disponibilidade de recursos reflete diretamente em novos investimentos nas plantas industriais. Um dos principais canalizadores desses recursos é o balanço térmico, que devidamente mais eficiente canaliza boa parte dessa fonte de recursos. “A busca de melhor eficiência térmica é o objetivo da maioria das empresas do setor”, diz Getúlio Tadeu Chaves de Andrade, diretor da Getúlio Tecnologia, Consultoria, Assessoria e Representação – GTCA, especializada em projetos de cogeração.

Sediada em Recife – PE, a GTCA participa de boa parte dos projetos de eficiência térmica em fase de implantação no País. “Todos empresários estão preocupados em otimizar o processo para obter sobra de vapor e, assim, ter mais condições de cogerar eletricidade para comercialização”.

Também especializada no tema, a Equipalcool, com sede em Sertãozinho – SP, divide sua capacidade de trabalho no período da entressafra entre projetos térmicos e reformas de equipamentos. “Temos de nos virar para finalizar todos os contratos até o final de março de 2003, já que a próxima safra deverá ser antecipada para início de abril nas unidades paulistas”, comenta a gerente de marketing Alessandra Andrade.

Economia de vapor é a estratégia durante os meses de parada

Investir em eficiência de balanço térmico é a estratégia do empresário durante os meses de parada. “Trata-se de uma contradição, comparando-se com décadas atrás, quando eram instaladas caldeiras de alto consumo justamente para acabar com a sobra de bagaço”, observa o gerente industrial do Grupo Ademar Balbo, Manuel Salvador Ribeiro. “Agora a matéria-prima precisa sobrar a qualquer custo”.

Essa “economia” é obtida pelo aumento da pressão. Normalmente uma caldeira opera com pressão de 21 kgf/cm2, mas pode saltar para 42 ou para 60 kgf/cm2. “É possível fazer essa alteração, ampliando a temperatura para 420 ou 430 graus centígrados, sem prejudicar o desempenho”, observa Getúlio Tadeu Chaves de Andrade, diretor da GTCA.

A produtividade de vapores depende do modelo da caldeira. A Caldema, fabricante com sede em Sertãozinho, oferece novos modelos APU que operam com 65 kgf de pressão e produzem 180 toneladas de vapor por hora. As paulistas Usinas Santa Adélia, de Jaboticabal, e a Barra Grande de Lençóis, de Lençóis Paulista, adquiriram os equipamentos para a safra 2003-2004.

Em relação ao parque industrial, a montagem de equipes internas de monitoração seria uma estratégia para o empresário evitar despender recursos com reformas. Uma vez por mês, ou até por semana, esses técnicos fariam análises em rolamentos, bombas e motores. A checagem gera um banco de dados a ser operacionalizado durante a safra e na entressafra.

Movimento nos bastidores

A correria dos mecânicos, soldadores e demais técnicos no Grupo Ademar Balbo, controlador da fábrica Galo Bravo, em Ribeirão Preto – SP, assemelha-se à movimentação atualmente registrada nas demais fábricas de açúcar e de álcool. Uma área próxima aos seis ternos da moenda tornou-se um “depósito” de peças que deverão receber reforma ou passarão por limpezas especiais.

O ambiente pós-safra comprova que, além de pesar no saldo da balança comercial deste ano, o setor sucroalcooleiro também alavanca todo um segmento industrial em um ano de retração econômica.

Falta de monitoramento reflete desconfiança

A maioria das unidades dispõe de equipes próprias de mecânicos, mas é desprovida de técnicos para o monitoramento. Na opinião de gerentes industriais de fábricas, essa carência reflete a falta de conceituação dos próprios empresários.

Ainda assim, pagar por serviços contratados de inspeções é uma tendência em alta no setor. Mas, também segundo executivos que concordaram em dar entrevistas em troca do anonimato, existem empresários céticos. É que os resultados das manutenções nem sempre saltam aos olhos, configurando-se dados estratégicos tidos como de preços salgados. Fora isso, não é raro ocorrer de o relatório do monitoramento deixar de ser seguido à risca, com os investimentos necessários. Sendo assim, todo o trabalho terá sido em vão.

Com serviço próprio de inspeção, a unidade pode providenciar análises de vibração e de balanceamento, além de identificar folgas de rolamentos. No caso de destilarias, as bombas, em alguns casos, somente são abertas depois de três anos.

Outra tendência em curso nas unidades é a de manter uma bomba de reserva. Desde que seja secundária – e não aberta – ela entraria em atuação durante a parada de outro equipamento.

Conforme o gerente industrial do Grupo Ademar Balbo, fora as bombas e redutores – que são “salvos” pelas inspeções -, há as correntes, que precisam ser mesmo trocadas por terem curta vida útil.

Safra da safra

Independentemente de serem reparados ou trocados, os reguladores ajudam a explicar a safra da safra. A Ayrestech Montagens, Serviços e Reguladores, de Campinas – SP, não precisou estender o número de turnos de trabalho, na entressafra, porque adquiriu know-how em que cada funcionário dá conta de efetuar dois reparos por dia. A empresa atende a 130 fábricas de açúcar e de álcool.

“No caso dos reguladores, a manutenção precisa ser feita porque se ele pára o equipamento, interrompe o ciclo produtivo de parte da unidade”, diz Cássio Luciano Barbosa, gerente de engenharia, projetos e de vendas. Todo terno da moenda, diz, tem turbina e toda turbina tem seu regulador.

Em média, uma fábrica de açúcar e de álcool conta com 50 reguladores. Para dar conta de atender a todos os contratos de execução de serviços, a Ayrestech optou pela formação de estoque próprio. “Foi um risco, com a alta cambial, mas temos o compromisso de atender ao cliente”, comenta o executivo.

Tubulações podem responder por 30% dos problemas na planta

A grande maioria dos empresários do setor evita descuidos com a manutenção das redes de tubulações. Não é por menos: geralmente 30% dos problemas registrados nas plantas industriais têm origem nos tubos.

Os dutos, que podem ser de aço inoxidável, transportam vapores e são responsáveis pelo cumprimento da vida útil de turbinas, caldeiras e bombas, diz o engenheiro mecânico Luiz Cláudio Pereira da Silva, coordenador do Departamento Técnico e Comercial da Dinatécnica Indústria e Comércio Ltda, com fábrica em Embu, na Grande São Paulo.

O contato direto com os funcionários do “chão de fábrica” fez Luiz Cláudio Pereira da Silva encontrar tempo para ministrar palestras didáticas. Elas tiveram início no começo da década de 1990 e resultaram na criação do Simpósio Nacional de Tubulação Industrial – Sinatub, hoje na quarta edição.

Unidades do Nordeste devem investir mais em cogeração

Os fornecedores de serviços apostam: o empresário da região Nordeste tende a investir mais em projetos de reforma, ampliação e de cogeração, na comparação com o fabricante do Centro-Sul. Enquanto as unidades paulistas estão em sua maioria capacitadas para oferecer megawatts-hora – MWh, as fábricas nordestinas, de seu lado, agora estão investindo firme no segmento.

“Das pouco mais de 50 unidades em atividade na região Norte-Nordeste, cerca de cinco têm projetos de cogeração”, diz Getúlio Tadeu Chaves de Andrade, consultor da GTCA. O futuro promissor da venda de excedente energético ratifica a corrida que os empresários deverão fazer rumo à produção de eletricidade a partir do bagaço da cana-de-açúcar.

Segundo Alessandra Andrade, gerente de marketing da Equipalcool, o mercado de cogeração para 2003 será encampado pelas unidades do Nordeste, cuja safra termina em meados de março próximo. “No Centro-Sul, agora só na próxima entressafra”, diz ela, referindo-se à implementação de projetos de geração de excedentes.

O otimismo em relação ao Nordeste vai além da cogeração. Ângelo Domingos Bianchi, da Assiste, aposta que os produtores da região investirão ainda mais em programas para a gestão de frotas.

“O produtor do Nordeste aprendeu a conviver com a crise periódica e sabe dosar seus investimentos”.

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