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Hoje, 57% da cana moída em todo o país é destinada à produção de etanol

O controle do preço do combustível coloca em xeque um dos setores mais promissores do agronegócio brasileiro

Muito tem se falado sobre os recentes aumentos de preço do etanol para o consumidor. Ouviu-se até por parte de alguns setores mal informados que as usinas estão estocando o produto para forçar o aumento de preços.

A cana-de-açúcar é matéria-prima para a produção de açúcar e etanol. As usinas planejam, no início da safra, o destino que querem dar à cana que vão moer para a produção de açúcar e etanol. Levam em consideração para o processo decisório a visão de preços, de remuneração, de logística, de capacidade industrial, de armazenagem e de necessidade de caixa e investimento, apenas para citar alguns fatores.

Não se aperta um botão na usina e se decide naquele momento quanto se vai produzir de açúcar ou de etanol. Tudo tem um planejamento rigoroso. E a flexibilidade de mudá-lo ao longo do período de moagem é muito menor do que um leigo pode supor. Se uma usina produziu um mix de 50% de açúcar e 50% de etanol, poderá, se bem ajustada, alterar esse mix em no máximo 5-7%. Mais do que isso, ela não vai conseguir sem os devidos investimentos na área industrial, cuja análise mais abrangente deve ser realizada no projeto.

O açúcar é genuinamente uma commodity na acepção da palavra, ou seja, tem seu preço livre no mercado, é negociado em bolsa no exterior, com excelente liquidez, que permite a todos os agentes (produtores, consumidores, processadores, investidores, fundos, etc.) entrar e sair de suas posições a qualquer momento. Como tal, é suscetível à implacável lei da oferta e da procura, que faz com que os preços subam quando a produção é menor do que a demanda e despenquem quando a produção é maior do que a demanda e ocorre a formação de estoques. Simples assim.

O número crescente de c! ontratos de açúcar negociados nas bolsas internacionais (mais de 25 vezes o volume negociado no mercado à vista) demonstra que existe por parte de toda a cadeia dessa commodity uma preocupação na gestão de risco, ou seja, na administração de situações adversas de preços que podem comprometer o produtor ou consumidor final se forem negligenciadas.

A cana, portanto, matéria-prima, compete com dois produtos diversos: um – o açúcar, que é legitimamente uma commodity, como já dissemos, e cujo risco de preço pode ser mitigado pelo produtor brasileiro ao utilizar os mercados futuros; e outro – o etanol, que tem o preço limitado ao da gasolina que, por sua vez, é controlado pelo governo.

Da mesma gramínea, temos uma dicotomia. Produz uma commodity e outro cujo preço não encontra respaldo nas leis de mercado. Isto é, 57% da cana moída no Brasil é destinada à produção de etanol, cujo preço o produtor não tem condições de proteger porque não existe um contrato futuro de etanol em ! volume suficiente que ele possa mitigar o risco de flutuações adversas de preço. O produtor, assim, coloca suas fichas na esperança de um mercado interno promissor, que deve consumir em 2012/2013 perto de 37 bilhões de litros de etanol, segundo levantamento da Archer Consulting.

Se pegarmos a média de preço do álcool hidratado (usado pelos veículos flex), comercializado dos últimos 120 dias, tomando como base o índice ESALQ, verificaremos que as usinas venderam o produto, em média, 3% abaixo do custo de produção, não considerando aí o custo financeiro de carregar estoques. No último ano, na média, o hidratado foi negociado 8% abaixo do custo de produção. No início desse ano, em fevereiro e março, muitas usinas pressionadas pela crise de crédito chegaram a vender o hidratado a escorchantes 31% abaixo do custo de produção. E não tinham alternativas, pois precisavam de dinheiro para atender aos compromissos de início de nova safra.

O açúcar vive um período favorável em t! ermos de preços no mercado internacional em função do déficit de produção na Índia, maior consumidor mundial. E somente agora os preços do açúcar no mercado interno provocaram a elevação da curva de preços do etanol, que estava abaixo do ponto de equilíbrio. A perspectiva de que as usinas podem alterar o mix de produção no próximo ano dando preferência ao açúcar que remunera melhor, acende a luz amarela do suprimento, fazendo com que as distribuidoras se antecipem na compra do produto.

Essa lei da oferta e procura seria perfeita se os preços não fossem regulados pelo governo. Imagine, agora, se o preço da gasolina no mercado interno fosse livre refletindo as bolsas internacionais. As usinas teriam aproveitado a chance de ter uma melhor remuneração pelo etanol que produziram e, certamente, teriam – se não evitado, pelo menos aliviado – o estresse financeiro pelo qual passaram depois do tsunami financeiro global. Seria uma excelente oportunidade de consolidar a presença dos carr! os flex. No entanto, o governo engessou o preço da gasolina por razões de cunho político, fiscal e sabe-se lá quais outras mais, quando poderíamos ter dado um passo em direção ao livre mercado.

Enquanto não tivermos um mercado de combustível livre no Brasil, poderemos esquecer, pois não haverá um mercado futuro de etanol que dê ao produtor a possibilidade de mitigar seu risco ou de entregar seu produto na bolsa. A falta de um poderoso instrumento de gestão de risco inibe o crescimento sustentado e aumenta o risco do negócio, colocando em xeque um dos setores mais promissores do agronegócio brasileiro.

Arnaldo Luiz Corrêa é gestor de riscos, especialista em commodities agrícolas, e co-autor do livro Derivativos Agrícolas, pela Editora Globo. E-mail: contato@archerconsulting.com.br

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