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GUILHERME ARY PLONSKI

Há quinze anos, o Brasil viveu a sua revolução da qualidade, assunto que saiu da mente de especialistas para ser tema de alçada executiva, não só da indústria, mas de qualquer organização, pública ou privada. “A inovação vive um momento semelhante. Hoje, possivelmente, estamos no limiar da revolução da inovação.

Mas a grande questão é se teremos meios de tratar este tema da mesma forma que a qualidade”, afirma o diretor superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), Guilherme Ary Plonski.

Fundado em 1899, decorrente da criação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, o IPT vive hoje uma completa reestruturação interna de suas áreas de pesquisa, com a meta de estar ainda mais próximo das principais demandas da população.

Ligado à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, o instituto tem orçamento anual de aproximadamente R$ 110 milhões e emprega 1.500 pessoas, sendo aproximadamente 450 pesquisadores. A saga desta organização ilustra bem o atual momento da inovação pelo qual vive o País, prestes a aprovar seu marco regulatório, que pretende trazer mais impulso ao setor.

Em entrevista à InvestNews, o diretor superintendente do IPT, Guilherme Ary Plonski, fala sobre as mudanças nas operações da entidade e o impacto da Lei de Inovação, além das questões como as excelências e os riscos do País na seara tecnológica mundial.

InvestNews – Depois de mais de um século de trabalhos, que momento vive o IPT hoje?

Guilherme Ary Plonski – O instituto está passando por uma fase de reformulação, reorganização de suas áreas. É um trabalho complexo porque estamos nos preparando para os próximos vinte, trinta anos. O objetivo é prestar mais serviços para a sociedade. Até hoje o IPT estava organizado em setores de uma forma que mimetiza a divisão das áreas de conhecimento como são praticadas na universidade. Um exemplo disso é a escola da engenharia, onde você tem mecânica, civil, metalúrgica, geologia. Aqui nós tínhamos as divisões baseadas nisso, quando na verdade os problemas que a sociedade tem não estão baseados por áreas de conhecimento e sim tipos de problemas. Nós sabemos, por exemplo, que há um problema que afeta empresas industriais na área de infra-estrutura, como ferrovias e outros, que precisam ter integridade de equipamentos e estruturas urbanas. O que estamos fazendo agora é integrar laboratórios, como os de vibração e corrosão, criando um centro de integridade de equipamentos e infra-estrutura. Isso faz sentido para o gestor de uma ferrovia, do metrô. Essa é a lógica que temos usado para nos reagruparmos. Com isso, a empresa encontra uma porta de entrada mais fácil no instituto.

IN – Em que fase se encontra essa reestruturação?

Plonski – Estamos no meio desse processo. Temos atualmente nove centros, dos quais seis foram criados no primeiro semestre. Outros cinco ou seis devem ser montados até o final desse ano. Ao mesmo tempo, estamos reduzindo nossas divisões, identificando como lidar com temas que estão presentes em várias áreas do IPT, mas que não tinham essa clareza de trabalhar em conjunto. Gestão de risco é um assunto, por exemplo, que aparece em várias áreas.

IN – Qual é a situação do IPT hoje, em termos de recursos financeiros?

Plonski – O instituto é uma empresa S/A cujo capital é praticamente do governo do estado de São Paulo e que tem, no seu orçamento, 58% da receita proveniente de projetos e serviços que presta e 42% proveniente de dotação orçamentária. Isso que dizer que quase 60% é sangue, suor e lágrimas.

IN – Essa é uma média que se mantém?

Plonski – Ela tem crescido. Em 1994, era 20% receita e 80% dotação. A cada ano estamos caminhando e, nesse processo de planejamento estratégico, vamos reavaliar qual é o ponto de equilíbrio adequado para o IPT, olhando para boas práticas de institutos, inclusive fora do País.

IN – O orçamento anual do IPT hoje é de R$ 110 milhões. É suficiente?

Plonski – Veja, é difícil você achar uma entidade que ache que seu orçamento é suficiente. Nós, inclusive, estamos procurando nos redimencionarmos para caber dentro do orçamento, o que implica também em identificarmos quais são as áreas que nós legitimamente podemos contribuir, ou as que o IPT já tenha gerado metodologia e que outras entidades ou empresas privadas possam tocar. Não necessariamente devemos ser um operador permanente em certa atividade.

IN – Qual é o número de empresas que o IPT tem apoiado hoje?

Plonski – O tipo de apoio pode ser muito variado, desde empresas que vêm até aqui para fazer um ensaio por ano ou aquelas que tem muitos projetos em conjunto durante muito tempo. O número hoje é de aproximadamente 3 mil clientes. O que é preciso observar é que o tipo de projeto varia muito, envolvendo empresas de capital brasileiro ou de fora. Recentemente, por exemplo, nós fizemos um trabalho na China, na construção da maior hidroelétrica do mundo, a Três Gargantas.

IN – Quais as áreas de negócios que estão demandando mais projetos do IPT?

Plonski – Uma delas é a de cana-de-açúcar. Estamos trabalhando há algum tempo com isso para mostrar como agregar valor à cana e seus derivados. Outra área é a de óleo e gás, que envolve química, plataformas, geologia. Enfim, são temas que perpassam várias áreas da casa.

IN – Sobre a Lei de Inovação, em que momento estamos hoje?

Plonski – A lei federal foi promulgada em dezembro do ano passado, mas ainda não foi regulamentada. Então, para todos os efeitos, é uma lei inspiradora, mas ainda não efetiva. Segundo o ministro da Ciência e Tecnologia, essa defasagem existe porque se quer articulá-la com a Medida Provisória 252, a MP do Bem, que tem componentes importantes de incentivo fiscal para inovação. Mas as discussões estão avançadas e a previsão é de que isso, ainda nesse ano, seja aprovado. No caso dos Estados, alguns estão aprovando suas leis. A lei paulista de inovação deve ser encaminhada para a Assembléia Legislativa ainda nesse ano.

IN – Que avaliação o senhor faz sobre a atual proximidade entre empresas e institutos de pesquisa?

Plonski – Fala-se há tempos sobre isso. Mas é preciso destacar também que há várias iniciativas de enorme sucesso, inclusive de caráter internacional, devido à proximidade do segmento empresarial e dos institutos. Acredito que a lei possa ser um marco para que isso aconteça não apenas de forma quantitativa, mas qualitativa também. Nossa lei se inspira na lei federal francesa, que busca essa integração. Mas não é adequado achar que o mundo está começando agora.

IN – As empresas brasileiras já incorporaram a necessidade de inovação tecnológica?

Plonski – Se observarmos bem, o tema da inovação como estamos tratando é razoavelmente recente. No mundo inteiro, começa-se a falar mais intensamente disso no final dos anos 80, e no Brasil final dos 90, início do ano 2000. Hoje, na minha percepção, estamos possivelmente no limiar da revolução da inovação, assim como nós estivemos, há quinze anos, no limiar da revolução da qualidade. Se você olhar para o final dos anos 80, a sociedade brasileira, do ponto de vista de valorização de qualidade, era muito diferente do que é hoje. Isso era algo técnico, específico, de um pequeno grupo dentro da empresa, nem mesmo era um tema de agenda executiva, chegou-se a falar que nossos carros eram carroças etc. Mas, em pouco tempo, o País mudou. Qualidade passou a ser um tema de alçada executiva, não só da indústria, mas sim de qualquer organização, pública ou privada. Passamos a ter um código de defesa do consumidor, ferramentas para que o País possa prosperar em um ambiente globalizado. A inovação vive um momento semelhante. Se você observar os dados da Pintec 2003 (Pesquisa Industrial Inovação Tecnológica), verá que um terço das empresas industriais com mais de dez empregados, fizeram pelo menos uma inovação nos dois anos anteriores. Os outros dois terços não fizeram nada, o que é preocupante. Portanto, há muito caminho para percorrer, mas a perspectiva é positiva. A grande questão é se teremos meios de tratar a inovação como tratamos o tema da qualidade.

IN – Nesse caminho, o senhor acredita que o Brasil esteja muito atrasado em relação a países como China e Índia?

Plonski – Realmente a questão não é só correr como os outros, mas mais que os outros. Um dos pontos que a lei federal de inovação pretende tratar é justamente eliminar alguns dos gargalos que são percebidos como entraves para trabalhar de maneira sistêmica entre institutos, empresas e governo.

IN – Que leitura o senhor faz sobre a política industrial? O governo conseguirá cumprir a meta de exportar US$ 2 bilhões em software e serviços relacionados até 2007?

Plonski – Acho que é perfeitamente possível, existe uma maior maturidade desse setor hoje. Mas é claro que uma coisa é nível da proposta, a outra é o da implementação. Esse é um jogo de equipe, formado por muitas organizações diferentes.

IN – O Brasil tem chance de ser uma liderança mundial em inovação?

Plonski – Nunca em todas as áreas, mas em algumas, com certeza. Por isso estamos apostando tanto em cana-de-açúcar. Hoje não tem ninguém no mundo que tenha a mesma condição do Brasil de ser líder mundial na biomassa e na agregação de valor dessa matéria, seja para fins combustíveis, química do açúcar, plásticos biodegradáveis etc. Enfim, nessa área temos todas as chances, em outras não. Outro exemplo é a área de engenharia naval e oceânica, de exploração de águas profundas, em que o Brasil está na primeira divisão do mundo. Isso porque soubemos trabalhar em conjunto. Nenhum país no mundo deve se pretender ser líder em tudo. Saber escolher suas áreas e se concentrar nelas, ao invés de colocar um pingo d’água em muitas e não conseguir nada, é o principal desafio.

IN – Falta mão-de-obra em inovação no Brasil?

Plonski – Depende muito para que área você olha. O pessoal de óleo e gás, por exemplo, tem estatísticas que irão precisar, nos próximos cinco ou seis anos, de dezenas de milhares de pessoas que ainda não estão no mercado. O que a lei de inovação prevê, e isso é algo muito positivo, é a mobilização de pessoas entre instituições tecnológicas e entre e empresas. Hoje, às vezes, o procedimento de troca entre uma entidade e outra é muito complicado e desestimulante.

IN – Entre as leis que realmente funcionam e outras tantas feitas apenas para constar, que avaliação o senhor faz da Lei na Inovação?

Plonski – É, isso ocorre inclusive com artigos constitucionais, que muitas vezes não funcionam. O marco regulatório é importante, mas é claro que não resolve as coisas por si só. É preciso perceber também que, quando existe uma condição especial, mesmo sem lei a sociedade opera. O Brasil é campeão mundial de reciclagem de latas de alumínio, 95% é reciclado. Isso significa que incentivos econômicos são importantes, além da incorporação cultural, que encara as tentativas de inovação como experiência, não como fracasso. O modelo de compra do governo hoje, até pelas pressões que sofre, não incentiva a inovação, porque na maioria das vezes está orientado pelo melhor preço do que pretende adquirir.

IN – Qual é o risco do Brasil perder o bonde da inovação tecnológica?

Plonski – A principal vulnerabilidade é a questão do ciclo de tempo. Uma sociedade que consegue incorporar inovação não só para produtos e serviços, mas também para resolver seus problemas sociais e ambientais, não é algo que você consegue resolver em dois anos ou no período de um mandato. Tem que ser um projeto da sociedade, não de uma administração. Irlanda, Espanha, Israel, Canadá são exemplos de países que perceberam isso. O Brasil ainda tem uma baixa capacidade de implementação, esse é um gargalo e é o nosso principal risco, mas estamos trabalhando para que isso não ocorra.

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