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Governo vê cana em SP “no limite”

Em entrevista exclusiva, ministro da Agricultura anuncia restrições ao cultivo e avalia avanço dos biocombustíveis

Fábio Zambeli/Da APJ especial para o JC

Apoiado nos argumentos da garantia da segurança do abastecimento interno e da sustentabilidade, o governo federal pretende dirigir a expansão das áreas destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar e monitorar o interesse de empresas estrangeiras no promissor segmento dos biocombustíveis.

A informação é do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes. Em entrevista exclusiva à Associação Paulista de Jornais, ele avalia as perspectivas do binômio etanol-biodiesel, transformado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em “menina dos olhos” do setor energético.

O ministro anunciou a criação do “zoneamento agroclimático” para delimitar as áreas de crescimento da lavoura de cana. Segundo Stephanes, no Estado de São Paulo, o território ocupado pelo cultivo já estaria “no limite”.

“Vamos estabelecer um mapeamento restritivo, no qual o governo mostrará onde não deseja que se plante cana. Em outro conjunto de mapas, vamos estabelecer as áreas de expansão desejáveis, onde daremos incentivos”, afirmou.

Segundo o ministro, outra frente de ação governamental se dá no acompanhamento da “invasão multinacional” no setor. Nessa frente, a União rastreia as movimentações de empresas de outros países na aquisição de terras e desenvolvimento de projetos com usinas.

“Temos que ter esse controle para ver qual o grau de equilíbrio entre os nossos produtores e os eventuais produtores estrangeiros.”

Eleito deputado federal pelo PMDB paranaense e guindado ao primeiro escalão do Planalto pela terceira vez em sua trajetória política (ele já ocupara as pastas da Previdência e do Trabalho na gestão José Sarney), Stephanes, 67 anos, diz acreditar que as medidas adotadas pelo governo na fiscalização do leite tenham restabelecido a credibilidade do consumidor.

Após a crise deflagrada pela adulteração do produto, com adição de soda cáustica e água oxigenada, o ministro sustenta que a responsabilidade sobre a qualidade do leite distribuído ao consumo deve ser dividida entre unidades processadoras, varejo e poder público.

“Quer dizer que o supermercado é responsável pelo leite que ele distribui. Ele tem que saber a origem deste leite e tem que ter a análise deste leite”, afirma.

À APJ, o ministro da Agricultura analisa ainda o impacto da política cambial no agronegócio.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Associação Paulista de Jornais – O “boom” do etanol e dos biocombustíveis coloca São Paulo em posição de liderança em um mercado que foi aberto basicamente com ações governamentais. Como o senhor avalia a perspectiva de expansão deste setor?

Reinhold Stephanes – O Estado de São Paulo é hoje responsável por quase 60% da produção do álcool. E tem efetivamente a estrutura mais forte e mais organizada, com tecnologia bastante desenvolvida, práticas consideradas boas, tanto sob o ponto-de-vista ambiental como social. A expansão em São Paulo, acho que até pelo preço da terra, está quase no limite. Talvez, dessa nova equação, em que a gente prevê um avanço de quase 4 milhões de hectares de área até 2015, 25% venham a se estabelecer em São Paulo e 75% fora do Estado, principalmente em Mato Grosso, Minas, Goiás e Paraná.

APJ – O ministério tem ações específicas para estimular e regular este segmento?

Stephanes – Acho que São Paulo se consolida por si só, o que vem ocorrendo através dos tempos. Em termos nacionais, o que vai se estabelecer é um zoneamento agroclimático. Para ver onde se pode plantar cana, que variedade de cana pode ter, que produtividade podemos obter. Vamos estabelecer um mapeamento restritivo, no qual o governo mostrará onde não deseja que se plante cana. Em outro conjunto de mapas, vamos estabelecer as áreas de expansão desejáveis, onde daremos incentivos. Claro que esses incentivos não alcançam mais as unidades já projetadas. Algumas em instalação e outras projetadas. Mas vão direcionar as novas unidades a serem planejadas.

APJ – Há uma preocupação relativa ao avanço sobre outras culturas e até sobre as pastagens.

Stephanes – Os estudos que temos mostram que, no momento, 70% da cana está em área de pastagem e 30% está avançando em cima da soja e, por sua vez, parte da soja está avançando em área de pastagem. Após o zoneamento, queremos que isso se acentue para que a gente chegue a 80% da expansão em área de pastagem. E como vamos também criar um programa de incentivo à recuperação de áreas de pastagens, possivelmente as áreas que faltarão serão ocupadas por soja.

APJ – O papel da Esalq, de Piracicaba, neste processo dos biocombustíveis, é fundamental, especialmente na área de pesquisa e busca de soluções de matrizes energéticas?

Stephanes – Frederico Durães, da Embrapa, é que está montando essa rede de pesquisa, mas evidentemente tem uma importância muito grande, pois é uma das nossas maiores unidades.

APJ – Como o governo tem agido no monitoramento da instalação de novas usinas?

Stephanes – As atuais já sabemos onde vão se instalar, que nós temos o mapeamento delas. As novas, nós vamos direcionar. Claro que não vamos proibir que elas sejam construídas em lugares em que elas sejam viáveis do ponto de vista agroclimático. Mas o governo evidentemente vai tentar direcionar para essas áreas degradadas ou áreas de pastagens. Isso, sim, vai se fazer.

APJ – É a política do governo Lula tentar inserir a agricultura familiar no programa do biodiesel. Os assentamentos poderão ser incorporados ao projeto?

Stephanes – Os assentamentos que estão situados em regiões onde a palma de dendê, por exemplo, pode ser uma planta viável podem ser (incorporados), pois temos a planta básica para que eles possam cultivar, que é econômica, que vai, enfim, dar renda que eles precisam. Já em outras áreas, nós precisamos de muita pesquisa para ver se é adequada para a produção de biodiesel. A planta mais adequada seria o pinhão manso, nós precisamos de cinco ou dez anos para tomar decisões mais efetivas. Tudo indica que o pinhão manso será uma planta promissora. Mas ela precisa deste tempo para ser domesticada e para que seu manejo correto seja conhecido. Temos que ir adaptando o programa, sem tirar a visão social do programa. Temos que ir adaptando isso de acordo com as possibilidades.

APJ – A perspectiva de inclusão social com esse programa é real?

Stephanes – O programa é inteligente, ele é bom na medida em que possa favorecer os pequenos produtores. Só que o governo tem que encontrar as plantas e as formas de produção que sejam lucrativas para estas pequenas propriedades.

APJ – Há hoje uma forte pressão para redução de carga tributária para o setor sucroalcooeiro e para usinas, especialmente quanto ao PIS-Cofins, até como forma de garantir geração de energia e evitar um novo “apagão”. O senhor vislumbra ações do governo no sentido de contemplar estes pleitos?

Stephanes – Isso vai depender da política de governo. Pode chegar em um determinado momento que o governo chega à conclusão de que precisa fazer isso. O que temos que entender é o seguinte: o programa do álcool tem 30 anos, teve seus altos e baixos. Está sendo construído e hoje é sucesso em todos os aspectos, inclusive em termos tecnológicos, temos o domínio total. Já na área do biodiesel, temos um caminho muito grande. O governo tomou uma decisão, criou um mercado, abriu um mercado e agora as coisas têm que se ajustar. A política de governo vai sendo firmada em determinadas diretrizes e toda pesquisa e o desenvolvimento agrícola também tem que se firmar em cima destas diretrizes. Mas ainda precisamos de tempo.

APJ – O ministério planeja utilizar algum novo mecanismo para controlar movimentação de preços do álcool? Muitas vezes, existe uma desproporcionalidade na velocidade em que as altas e baixas do produto são repassadas ao consumidor nas bombas…

Stephanes – Isso tem estado na pauta de discussão. Em praticamente em todas as reuniões, esse tema é recorrente. Só que não se encontra qual é a solução. Seriam basicamente duas possibilidades: ou manter estoques em nível do produtor ou fazer compras futuras para evitar esta volatibilidade de preços. Mas ainda não se chegou a saber qual é a solução. Então vamos conviver ainda um ou dois anos com essa volatibilidade que tem aí. Mas é uma discussão recorrente. E eu não saberia, como até agora ninguém soube me responder, qual será a melhor solução.

APJ – Qual o grau de interferência atual do governo nesta questão do preço?

Stephanes – Cada vez que encontro com os produtores de cana eu pergunto: como é que nós vamos resolver isso? Me dêem uma sugestão. Como sei que a ministra Dilma (Roussef, da Casa Civil) faz a mesma pergunta a cada reunião. Então, por enquanto, sem ter estoques reguladores para isso, mas não podiam ser estoques de governo, mas ainda é uma questão em discussão.

APJ – O governo tem rastreado as movimentações de empresas multinacionais em termos de aquisição de áreas e investimentos em etanol-biodiesel?

Stephanes – Por enquanto, é monitorar para ver o que está acontecendo. Quais são as áreas que eles estão comprando, qual é o nível de controle que eles vão exercer. Porque atrás de tudo isso tem outra discussão: o grande mercado de etanol quem abriu foi o próprio governo. Quase 80% do mercado está situado internamente, tenho uma frota interna para ser abastecida e essa frota é cada vez maior. Eu tenho que produzir para abastecer esse mercado interno e exportar o excedente. Então, com a liberdade que existe, já que não tenho outros mercados para buscar o produto, temos que ter um controle muito grande para dar esta segurança para o abastecimento. E se muitas empresas estrangeiras começarem a entrar aqui e começarem a fazer contratos para fora? Por isso temos que ter este controle para ver qual o grau de equilíbrio entre os nossos produtores e os eventuais produtores estrangeiros. Mas tudo indica que até agora não há nenhuma preocupação maior. Há apenas um acompanhamento desse movimento. Mas esse movimento ainda parece que é fraco.

APJ – O senhor tem dito que é preciso conter a euforia nesse segmento. O que quer dizer com este recado?

Stephanes – Em relação ao etanol, as perspectivas a médio prazo são excelentes, mas a curto prazo, os mercados ainda são promessas. Então tem que ir com certo cuidado, planejar melhor esse avanço, este crescimento. No caso do biodiesel, isso se acentua. Muitas empresas entraram com muita rapidez no mercado sem estarem seguras do que estão fazendo. Uma grande empresa que se baseia no plantio do pinhão manso, por exemplo, eu tenho muita dúvida se ela tem garantia científica de que isso efetivamente dê certo. Tenho chamado a atenção que elas façam isso com mais cuidado, com mais profissionalismo, mais base técnica, mais estudos. Embora compreendendo que todo o pioneirismo, leva um pouco a risco. Leva a grandes sucessos, como pode levar a fracassos.

APJ – Os fundamentos da macroeconomia hoje favorecem o agronegócio, em sua opinião? O câmbio, principalmente, é um problema para o setor.

Stephanes – A política cambial está ruim para o agronegócio. O que favorece é o cenário mundial, que aumentou os preços. E os preços tiveram um movimento para cima porque o dólar se desvalorizou frente às demais moedas do mundo. Evidentemente, como as cotações são em dólar, geralmente Chicago e Nova York (bolsas), claro que os produtos tiveram que subir de preço na medida em que o dólar foi desvalorizado. E o segundo movimento foi que o mundo está demandando mais. Então o que aconteceu? O nosso produtor brasileiro ainda está em situação razoável porque houve um aumento do mercado internacional. Agora, evidente que se o dólar estivesse melhor, ele teria mais condições de capitalizar, de ganhar algum dinheiro. Dos produtos brasileiros que estão sendo comercializados no mercado internacional, o que está efetivamente com problema é o café. Os demais, devido a esse movimento de alta, conseguem se manter.

APJ – O pequeno produtor, especialmente, pede mais acesso ao crédito. O senhor enxerga chance de o governo ampliar as linhas por meio dos bancos estatais e de outros mecanismos?

Stephanes – Eu não sei bem a questão do microcrédito, mas eu posso assegurar que o Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar) está funcionando bem, está com recursos. Tem crescido todo ano. Eu não tenho tido muita reclamação nesta área. Por enquanto, em termos de acesso ao crédito, eu estou considerando as coisas normais.

APJ – Os produtores de laranja e a indústria do suco vivenciam uma queda-de-braço quanto à política de preços, especialmente. O governo vai manter a posição de não interferir neste processo?

Stephanes – Quanto a isso, eu posso dizer que não há mudança. Como uma regra, a gente procura fazer com que a própria cadeia se entenda. A tendência é que a gente não intervenha em casos como esse.

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