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Governo subestima crise na agricultura

A agricultura brasileira enfrenta a pior crise dos últimos 40 anos e o conjunto de medidas anunciado no último dia 6 mostra que o governo subestima o tamanho e a proporção do problema para o país. Além de recursos insuficientes para sanar a crise, o pacote traz incerteza pois ainda depende da aprovação do Conselho Monetário Nacional, cujos membros só se reunirão no final de abril. As conseqüências desastrosas do descaso já podem ser medidas na forma de queda do PIB em muitas cidades do interior, nas quebras de safra e no aumento do desemprego.

O Brasil já foi o maior exportador mundial de frango, carne, soja, álcool, açúcar e café. Porém, sucessivos incidentes de ordem climática, sanitária e econômica, aliados à falta de dedicação do governo para solucioná-los, levaram a uma quebra de safra de 18 milhões de toneladas de grãos em 2005 e à diminuição de 3% na área plantada para a safra 2006. Os recursos de crédito rural – que alcançaram R$ 80 bilhões no final dos anos 80 – não chegam aos R$ 40 bilhões desde a década de 90.

Ao mesmo tempo, a relação de troca só piora para o produtor rural. Em 2003, bastavam 2,76 sacas de soja para comprar um litro de fungicida; em 2005, foram necessárias 4,13 sacas, uma diferença de 30%. As perdas se repetem nos comparativos de outros grãos e também na pecuária. No caso de tratores, a perda do poder de troca chega a 67% nos últimos dois anos.

Até quando o Governo Federal vai ignorar estes dados? Hoje, apenas 30% dos recursos para financiamento agrícola vêm do governo; o restante fica por conta da iniciativa privada, dos fornecedores de insumos, das cooperativas e também do capital de giro dos produtores rurais. Estes, porém, já estão fora do jogo do autofinanciamento há muito tempo. As cooperativas serão as próximas a sair. Como já suportaram o ônus da quebra da safra passada e investiram na atual, honrando os compromissos mesmo diante da queda do dólar, estiagem, falta de recursos e de infra-estrutura adequada, as cooperativas dificilmente conseguirão repetir o notável desempenho de anos anteriores.

É sabido que o Brasil não tem condições de suportar uma safra plena como nos tempos em que o destino do país era transformar-se no celeiro do planeta. A infra-estrutura para escoar a produção não recebeu investimentos de peso – portos, estradas e armazéns deixam a desejar. Não existe uma política de seguro rural estabelecida e os recursos para financiamento agrícola diminuem ano a ano.

A inércia do governo pode encobrir uma estratégia para valorizar a agricultura familiar, único setor onde os subsídios têm aumentado. Ninguém duvida da importância da agricultura familiar para milhões de famílias. Porém, diferentemente da agricultura empresarial – encarada como um negócio – na agricultura familiar não é a produtividade que conta, mas sim a ocupação e a permanência do homem no campo. Ela deve complementar – e não competir – na produção de alimentos, essencial para a estabilidade do país, isto é, dos 180 milhões de brasileiros.

Como isso não ocorre, a conseqüência é que o árduo trabalho para construir as bases de uma agricultura forte e profissional está desmoronando. E se situação não chegou a este ponto do dia para noite, tampouco será resolvida com a troca de pessoas no comando da política oficial. As medidas necessárias para estancar e reverter a crise são conjunturais. O remédio existe, mas a cada dia fica mais caro. Algo que poderia ser resolvido com medidas oportunas, passa a exigir soluções mais complexas quando os pleitos são ignorados ano após ano.

A conclusão é simples: o governo atual tem uma visão distorcida, não enxerga a agricultura como o grande negócio que vem garantindo de fato a estabilidade da economia. Esta condução equivocada é ruim para o Brasil e para todos os brasileiros. A conta do descaso será dividida entre todos e pode demorar para ser quitada.

Conforme alertava o ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, “se as cidades pegarem fogo, restarão os campos. Se os campos se incendiarem, as cidades morrerão de fome”.

* Presidente da OCESP (Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo) e vice-presidente da ABAG (Associação Brasileira de Agribusiness)

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