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Governo estuda mudar regra para crédito de carbono

Uma disputa está sendo travada entre o setor de energia elétrica e a autoridade brasileira responsável pelas aprovações de projetos de créditos de carbono no país. Em jogo está a proposta do governo de reduzir o fator de emissão do sistema elétrico interligado, o que afetaria de maneira substancial a geração de créditos de carbono do setor.

Na prática, quem investir em energia limpa e quiser vender esses “papéis” – previstos no Protocolo de Kyoto para o combate ao aquecimento global – não terá mais o mesmo retorno financeiro obtido hoje.

Segundo consultores ouvidos pelo Valor, as mudanças no cálculo do fator de emissão – a quantidade de CO2 emitido por cada MW produzido pela rede elétrica – podem provocar uma migração de projetos para outros setores e, até mesmo, para outros países.

Estudo técnico elaborado pela Ecosecurities, uma das mais atuantes consultorias de créditos de carbono no país, mapeou 546 unidades de geração eólica, hídrica e à biomassa – outorgadas, em construção ou que iniciaram operação em 2006 – elegíveis para obter esses créditos. Elas somam 14.306 MW de potência instalada.

Segundo o documento, se reduzidos os fatores de emissão como quer o governo, as perdas podem chegar a R$ 153 milhões para o desenvolvimento de projetos de energia renovável. O estudo aponta ainda que, do total de unidades analisadas, 372 projetos (68%) gerariam menos créditos de carbono.

Com isso, muitos desses projetos seriam inviabilizados economicamente, diz Pablo Fernandez, implementador de projetos da Ecosecurities e um dos autores do estudo. “O tamanho mínimo de um projeto, para pagar todos os seus custos de transação e gerar benefícios financeiros, é de cerca de 10 mil créditos de carbono”, diz ele. E cerca de 102 projetos estariam abaixo dessa faixa.

O debate culminou com uma consulta pública no site do Ministério da Ciência e Tecnologia, que capitaneia a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima. Cabe a essa comissão aprovar projetos de créditos de carbono no Brasil, que só então seguem para apreciação da ONU.

“Desde que começou essa história, estamos com os projetos de energia parados lá”, diz Fernandez. Procurada, a comissão informou através de sua assessoria de imprensa que só comentará o assunto depois da consolidação dos dados da consulta pública, que se encerrá na terça-feira, dia 15.

Desde o início da comercialização internacional dos créditos de carbono, os projetos brasileiros utilizam os cálculos para o fator de emissão de uma metodologia aprovada pela ONU. Em abril do ano passado, porém, a comissão brasileira decidiu mudar a base de cálculo. Desde então, mudou também a divisão de duas para quatro sub-regiões adotadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Com as alterações, as regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste saíram perdendo. Seus fatores de emissão caíram de 0,2611 toneladas de CO2 por MWh nas regiões Sudeste e Centro-Oeste para 0,1043 – mais da metade. E subiram dos mesmos 0,2611 para 0,5659 no Sul. Norte e Nordeste, por sua vez, tiveram o fator de emissão quase zerado.

“Como as eólicas têm potencial no Nordeste, quem investir nessa energia lá não terá direito a créditos de carbono”, diz Daniel Ricas, da consultoria Key Associados. “O investimento terá de ocorrer por outro motivo, não por esse”.

Quanto mais subdivisões, diz o estudo, menos créditos de carbono são gerados. Por isso, as consultorias defendem um fator de emissão único para o sistema interligado, beneficiando igualmente todo o país. Caso contrário, projetos de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e biomassa, que predominam no Sudeste e Centro-Oeste, e eólica, forte no Nordeste, serão pouco atraentes para o mercado de carbono.

“Os projetos do Sudeste e Centro-Oeste sofrerão redução de 60% no volume de créditos de carbono. O Brasil perde como um todo”, diz Flávio Pinheiro, da Econergy, outra consultoria do setor.

Fernandez, da Ecosecurities, lança ainda outro argumento. Ele diz que irá elaborar um segundo estudo para provar o impacto da energia limpa do Nordeste (de hidrelétricas) no Sul. “O Nordeste vende energia limpa para o Sudeste, que vende para o Sul. Se não fosse isso, o Sul estaria utilizando muito mais suas termelétricas, que são uma fonte suja de energia”. Por isso, ele acredita que uma região não deveria render mais créditos que outra.

Para Sérgio Marques, diretor-presidente da Bioenergy, empresa que opera turbinas eólicas no Nordeste, trata-se de um contra-senso já que o mercado mundial encoraja a energia limpa para evitar o efeito estufa. “Isso é muito desanimador para a gente”, diz ele. O estudo da Ecosecurities prevê para o setor eólico redução na receita potencial de cerca de R$ 97 milhões por ano.

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