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Governança corporativa é mais discurso que realidade

Os princípios de governança corporativa estão na ponta da língua das grandes empresas brasileiras, mas daí à prática falta uma boa distância.

Pesquisa elaborada pela Booz Allen Hamilton em parceria com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) estampa um processo transitório, no qual as companhias valorizam conceitos de boa gestão, mas ainda estão amarradas à sua estrutura predominantemente familiar.

Apesar da atenção que o tema recebeu nos últimos anos, para 48% dos entrevistados o relacionamento entre controlador e minoritários é irrelevante. O estudo também mostrou que mais da metade das companhias (54%) não tem estrutura para resolver conflitos de interesse.

“Os números são surpreendentes”, diz Paolo Pigorini, vice-presidente da Booz Allen. Segundo ele, o controle concentrado nas mãos de poucos investidores e a fraqueza do mercado de capitais doméstico ajudam a explicar o resultado.

“No Brasil, poucas empresas vêem a governança corporativa como um instrumento de acesso a recursos. Para elas, é só uma forma de melhorar a imagem”, diz.

A pesquisa, obtida com exclusividade pelo Valor, será divulgada hoje no 4º Congresso Brasileiro de Governança Corporativa. No levantamento, feito entre julho e outubro, foram ouvidas 70 empresas de grande porte do país. Conselheiros, presidente ou diretor de relações com investidores responderam a um questionário. Em 20 das companhias, também foram feitas entrevistas.

A sondagem detectou que 66% das empresas conhecem o manual de governança corporativa do IBGC. No entanto, não praticam muito dos princípios que fazem parte do código.

Em 78% dos casos, o presidente do conselho de administração e o principal executivo são pessoas diferentes. A mão da família, porém, ainda é muito visível.

Ao mesmo tempo em que a independência dos conselheiros foi considerada muito importante por 52% das empresas, apenas 8% deles têm essa característica. Por independente, leia-se externo e sem vínculo com os acionistas. “Já sabíamos que era uma situação comum, mas não imaginávamos que um índice tão baixo”, ressalta Pigorini.

Para ele, o quadro está ligado à percepção, no Brasil, de que o conselheiro trabalha para os acionistas e não para a companhia.

A integridade pessoal é uma característica essencial a um conselheiro, segundo 88% dos entrevistados. A disponibilidade de tempo é significativa para apenas 2%. “É um erro achar que o compromisso está limitado às reuniões”, afirma o executivo.

O coordenador do comitê de pesquisas do IBGC, Paulo Vasconcellos, diz que os conselhos brasileiros concentram-se na discussão de questões estratégicas – 77% decidem o portfólio de negócios e 71% aprovam o orçamento. Porém, 48% não avaliam o desempenho da diretoria e 93% não falam sobre a sucessão do presidente da companhia.

Outro tema que passa longe da maioria dos conselhos (63%) é a análise de riscos (societários, ambientais, jurídicos etc). “Eles são tratados como um fator a mais nos negócios, embora possam comprometer a empresa no longo prazo” diz Pigorini.

“O conselho de administração acaba se tornando um órgão burocrático, que olha mais para o passado e menos para o futuro”, ressalta Vasconcellos.

O coordenador do IBGC aposta numa mudança de atitude nos próximos anos. “As empresas nacionais são muito novas. Muitas estão na primeira ou segunda geração e a cultura de gestão deve evoluir para modelos mais profissionais”, observa. Vasconcellos ressalta, entretanto, que a economia precisa colaborar. “Quando o país crescer, as empresas terão de se financiar no mercado de capitais para investir. E os investidores hoje querem boas práticas de governança corporativa”, diz.

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