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Febre do etanol se espalha pelo interior dos EUA

O fazendeiro americano David Harmon ficou espantado quando os vizinhos lhe contaram. Em março, uma cooperativa agrícola da região em que ele vive vendeu para um grupo australiano as ações que tinha numa usina de etanol construída há quatro anos. Os sócios da cooperativa receberam uma soma equivalente a três vezes o que haviam investido no negócio, um retorno nunca visto por ali.

Políticos locais tentaram impedir a transação. A usina foi a primeira no Estado de Iowa a ser erguida com recursos dos próprios fazendeiros e muita gente era contra entregá-la a estrangeiros. O gesto foi em vão. “Esse pessoal ganhou tanto dinheiro que está pensando em construir outra usina”, diz Harmon, que começou a tomar coragem para investir no ramo.

A surpresa de Harmon, um fazendeiro de 56 anos que planta milho e soja numa propriedade na cidade de Ankeny, é um sinal da rapidez das transformações em curso no interior dos EUA desde que a febre do etanol tomou conta de lugares como Iowa. O Estado lidera a produção nacional de álcool combustível e da matéria-prima usada pelos americanos para fabricá-lo, o milho.

Esse movimento ganhou impulso nos últimos meses por vários motivos. O mais óbvio é a escalada dos preços do petróleo, que estimula a busca por fontes alternativas de energia. Mas um fator decisivo tem sido a proximidade das eleições que renovarão o Congresso dos EUA em novembro. Elas levaram à formação de uma ampla aliança em torno dos interesses da indústria do etanol.

Políticos, fazendeiros e até financistas de Nova York começaram a ver o setor como uma alavanca para promover vários objetivos ao mesmo tempo. Eles acreditam que investir na produção de etanol é a melhor maneira de conservar o vigor da agricultura dos EUA, diminuir a dependência americana de petróleo importado e afastar o país de regiões conflituosas como o Oriente Médio.

“Temos uma oportunidade única para criar uma estratégia nacional que reforce a nossa segurança e preserve o modo de vida e os valores das nossas comunidades”, disse o governador de Iowa, Tom Vilsack, num debate com agricultores há duas semanas. Filiado ao Partido Democrata, ele é um dos vários aspirantes que disputam a indicação da legenda para concorrer nas eleições presidenciais de 2008.

Existem 97 usinas de etanol em operação nos EUA e outras 33 em construção no momento. A indústria está em expansão acelerada porque mudanças introduzidas recentemente na legislação estabeleceram metas para aumentar o uso do etanol como aditivo na composição da gasolina. As 30 usinas que funcionam em Iowa somam um terço da capacidade de produção americana de etanol.

Os EUA ultrapassaram o Brasil no ano passado e se tornaram os maiores produtores de etanol do mundo. Eles não são capazes de garantir sua auto-suficiência, mas o governo impõe uma tarifa de US$ 0,54 por galão que dificulta a importação do álcool produzido em outros países, na prática anulando as enormes vantagens que o Brasil tem para competir na área.

Muitas pessoas no governo brasileiro acham que a tarifa poderá ser removida em breve, por causa da simpatia que o presidente George W. Bush já manifestou pela idéia e da pressão exercida por Estados que não produzem etanol, mas gostariam de consumi-lo em maior quantidade, como a Flórida. Mas a aliança formada em torno do etanol nos últimos meses parece ter eliminado a possibilidade.

“Apesar do fato de eles estarem ganhando um monte de dinheiro atualmente, essa indústria ainda está na sua infância e estamos longe de poder abrir mão dos mecanismos que a apóiam”, diz o republicano Jeff Lamberti, que concorre a uma vaga na Câmara dos Deputados por Iowa.

A inflação nas bombas de gasolina e a insegurança com o futuro da economia estão entre as principais preocupações dos eleitores americanos hoje, segundo as pesquisas de opinião. A defesa do etanol oferece um discurso ideal para os políticos porque permite abordar as duas questões e exibir preocupação com a segurança do país, outra aflição nacional.

Em comunidades rurais como as que dominam a paisagem de Iowa, esse discurso também tem sido usado para justificar a manutenção dos subsídios que o governo americano paga para tornar seus agricultores mais competitivos no mercado mundial. O milho é o produto que mais foi beneficiado por essa política até hoje, tendo recebido um quarto dos incentivos distribuídos em oito anos.

Os EUA gastam mais de US$ 20 bilhões por ano para ajudar seus agricultores e têm sido pressionados por países como o Brasil a reduzir os subsídios por causa das distorções que eles criam no comércio agrícola mundial. Essa pressão tende a aumentar nos próximos meses, quando o Congresso deverá promover uma ampla revisão dos subsídios agrícolas.

Os pagamentos do governo diminuíram de uns anos para cá, mas ainda representam 30% da renda agrícola em Iowa, e ninguém abre mão deles. “Pode ser que hoje eu não precise, mas houve anos em que foi com esse dinheiro que fiz o supermercado”, diz Harmon, o fazendeiro de Ankeny. Ele ganhou US$ 45 mil do governo em 2004, um terço do que teve no ano 2000, segundo o Grupo de Trabalho Ambiental (EWG, na sigla em inglês), uma organização que monitora os subsídios americanos.

Especialistas crêem que a revisão dos benefícios pelo Congresso será uma oportunidade para redesenhar os programas agrícolas de tal maneira que será possível manter o conforto dos produtores americanos sem criar novos atritos com os demais sócios da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Uma idéia em discussão é a criação de subsídios vinculados a programas de desenvolvimento de fontes alternativas de energia, como o etanol. “Se o milho for usado para abastecer usinas voltadas apenas para o mercado doméstico, não haverá motivo para outros países reclamarem dos subsídios”, afirma o economista Sterling Liddell, do Birô Agrícola de Iowa.

Para muitos, o etanol virou uma importante fonte de renda complementar à atividade agrícola. A indústria é dominada por gigantes como a Archer Daniels Midland (ADM), mas 39% da capacidade de produção de etanol instalada no país é controlada por fazendeiros, que entraram no negócio para garantir bons preços pelo milho que plantam e obter um lucro extra vendendo o combustível.

Na usina da Lincolnway Energy, que tem agricultores, médicos e advogados entre os sócios e acabou de entrar em operação na cidade de Nevada, a maior preocupação do gerente Larson Dunn é aumentar o rendimento das máquinas e produzir mais etanol. Ele diz que não está nem aí para a concorrência. “As usinas do Brasil têm dificuldade para atender seu mercado interno”, explica Dunn. “Não estamos preocupados com elas.”

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