Mercado

Exigências rígidas desafiam o Brasil

A competitividade brasileira no mercado global de biocombustíveis já não depende apenas da oferta disponível de produtos a preços competitivos. Um estudo divulgado recentemente na Europa pelo economista Matthias Fawer, do suíço Bank Sarasin & Co – que presta consultoria à Comissão Européia – considerou grandes usinas e mesmo tradings multinacionais inadequadas para receberem aportes de investidores. O motivo: empresas, segundo o economista, não têm projetos que garantam a sua sustentabilidade sócio-econômica no longo prazo.

Décio Zilbersztajn, coordenador-geral do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial da Universidade de São Paulo (Pensa/USP), observa que os importadores – principalmente europeus – impõem exigências mais rígidas sobre a produção sustentável de alimentos e biocombustíveis. “As empresas têm de se preocupar com essas questões e se preparar, se quiserem abrir capital ou competir internacionalmente”.

Zilbersztajn aponta como fatores decisivos para uma participação efetiva no mercado internacional a expansão controlada de áreas plantadas e a revisão nos contratos mantidos com fornecedores de cana-de-açúcar e arrendatários de terras. “Muito se fala sobre uma área potencial de 72 milhões de hectares utilizados hoje pela pecuária e que podem ser substituídos pela cana, mas não existe um controle total sobre esse avanço”.

Em função de custos, o plantio de cana precisa ser feito em um raio de até 200 quilômetros de distância das usinas e, por isso, a expansão das lavouras ocorrerá necessariamente nessas regiões. Em Goiás, no Mato Grosso do Sul e Paraná, os governos estaduais estudam mecanismos para controlar a expansão das lavouras de cana. “A preocupação do mercado internacional está centrada nas regiões do Pantanal e Amazônia. Nessas áreas deve haver uma ação mais enfática do governo”, diz o pesquisador.

Outro fator que deve ser considerado é a mecanização das lavouras. De acordo com dados da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), as usinas empregam hoje 3,6 milhões de pessoas, sendo mais de 511 mil na colheita nas lavouras. Em março deste ano, o Ministério Público do Trabalho informou que 14 usinas em São Paulo mantinham colhedores em condições irregulares de trabalho.

No fim de abril, o Ministério Público do Trabalho abriu inquérito para apurar a morte de um cortador de cana que trabalhava em uma usina em São Paulo. “São notícias que produzem um efeito negativo para todo a cadeia que atua no país”, observa Zilbersztajn.

Além do cuidado em relação às condições de trabalho dos colhedores de cana, outro fator em discussão no mercado internacional é a substituição desses profissionais pela colheita mecanizada. Em Goiás, o grupo Otávio Lage, dono da usina Jalles Machado, iniciou no ano passado um projeto de produção de tomates e borracha natural para que os cortadores de cana tivessem uma oportunidade de trabalho após a mecanização da lavoura. “A mecanização provoca impactos secundários no mercado de trabalho e cria oportunidades, embora seja difícil medir isso. Mas é certamente um ponto a ser avaliado pelas usinas”, afirma.

Ainda em relação às relações de trabalho, Zilbersztajn atenta para a necessidade de as empresas reverem os contratos com produtores que arrendam terras ou fornecem cana. “Houve um crescimento forte desse tipo de relação, principalmente fora da região centro-sul e esses produtores precisam se associar para negociar preços em condições justas para ambos os lados”, diz. Zilbersztajn tratará sobre o tema no seminário Bioenergia: Fonte de Energia para o Desenvolvimento Sustentável, que será realizado pelo Valor no dia 18 de maio.

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