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EUA: o desafio do Brasil no etanol

Preços de petróleo elevados, impactos ambientais locais e globais provocados pela exploração de combustíveis fósseis e conflitos geopolíticos aumentaram o interesse dos países por fontes alternativas de energia. É nesse cenário que a produção de etanol, especialmente nos Estados Unidos e no Brasil, e de biodiesel, na Europa e em algumas nações asiáticas, tem crescido a taxas aceleradas.

A corrida dos biocombustíveis já começou. Brasil e EUA respondem por 90% da produção mundial de etanol, que mais do que dobrou entre 2000 e 2005. O etanol usado como combustível para transporte equivale hoje a apenas 1,2% do consumo mundial de gasolina. Nos últimos seis anos, a produção de biodiesel quase quadruplicou. A União Européia respondeu por 89% da produção em 2005, mas países emergentes como Tailândia e Malásia estão se tornando competitivos.

Produtor mais eficiente de etanol do mundo, o Brasil tem um imenso desafio pela frente, o que justifica a prioridade conferida ao assunto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não se trata simplesmente de negociar com os americanos, por exemplo, a redução, a curto prazo, da tarifa de importação aplicada ao etanol brasileiro. O desafio é mais abrangente.

“Os biocombustíveis podem oferecer um triplo dividendo: maior segurança energética, um meio ambiente mais limpo e mais desenvolvimento econômico”, diz o economista Otaviano Canuto, representante do Brasil no Banco Mundial. Ele elaborou um interessante estudo sobre o assunto – “Biocombustíveis e Desenvolvimento: o Terceiro Dividendo” – e o apresentou em reunião do Conselho das Américas, em Nova York. A tese central é a de que o mundo vive uma oportunidade histórica – usar biocombustíveis para transporte em escala global, produzido a partir de recursos naturais e humanos subempregados em países pobres e em desenvolvimento.

A demanda por petróleo tende a se manter forte, uma vez que países em desenvolvimento, como China e Índia, “famintos” por energia, deverão aumentar seu peso na economia global. Uma motivação para a busca de fontes alternativas é justamente a “segurança energética”, definida como o acesso da população e das empresas de um país a recursos energéticos suficientes, a preços razoáveis no futuro previsível e livres do risco de interrupção do abastecimento. “Uma abordagem sistêmica que compreenda a diversidade de formas de oferta de energia, bem como a diversidade de fontes domésticas e estrangeiras, está na essência dessa questão”, diz Canuto.

Começam aí os problemas do Brasil. Os americanos, na visão de Canuto, estão vivendo um conflito entre a idéia de auto-suficiência e segurança energética. Suas políticas, baseadas em forte apoio interno para substituir a importação de etanol, contrariam a idéia de criação de um mercado global do produto, bem como o seu desenvolvimento em outras partes do mundo.

A demanda doméstica de etanol nos EUA explodiu nos últimos anos, motivada não só pela escalada do preço do petróleo, mas também pela Lei de Energia, de 2005, que instituiu o Padrão de Combustível Renovável (RFS, na sigla em inglês). Por esse dispositivo, o consumo de biocombustível, principalmente de etanol, deve aumentar de 4 bilhões de galões em 2006 para 7,5 bilhões de galões (28,3 bilhões de litros) em 2012. Além disso, vários Estados americanos estão proibindo a mistura de MTBE à gasolina. Para completar, o presidente George W. Bush fixou corte de 20%, em dez anos, no consumo de petróleo.

Os EUA estão cobrindo parte da demanda com produção doméstica, que saltou de 1,63 bilhão em 2000 para 5,4 bilhões de galões previstos para 2007. O número de unidades de produção cresceu de 54 para 113, sendo que 78 estão sendo construídas. Como o etanol americano é produzido a partir do milho, os preços do produto estão crescendo uma barbaridade – entre setembro e dezembro, tiveram alta de 67%. A participação do etanol cresceu, em seis anos, de 1,2% para 3,5% da demanda total por gasolina. Os preços do milho e do próprio etanol explodirão, caso o percentual do combustível continue aumentando apenas em função da produção local. “Esse modelo conspira tanto contra a segurança energética quanto contra a segurança alimentar”, diz Canuto.

Na verdade, a demanda doméstica de etanol nos EUA já superou a produção. A diferença tem sido coberta pelas compras externas, a despeito das elevadas tarifas de importação. O Brasil e outros países em desenvolvimento, especialmente na América Central, na África e no Sudeste Asiático poderiam suprir o mercado. O caso brasileiro é exemplar. Aqui, o etanol é produzido a partir da cana-de-açúcar e responde por 40% do “pool da gasolina”. Seu custo de produção é bem inferior ao do etanol de milho – 83 centavos de dólar, face a 1,09 dólar por galão.

Apenas 2% das terras agricultáveis brasileiras (cerca de 6 milhões de hectares) são usadas para produzir cana, sendo que essa área pode chegar a 12%. O Brasil ainda dispõe de 106 milhões de hectares de terra disponíveis para agricultura, o equivalente a 13% de seu território. O mundo consome 20 milhões de barris de gasolina por dia. Considerando a eficiência brasileira, 19,9 milhões de hectares de cana seriam suficientes para produzir 2 milhões de barris de etanol por dia, capazes de reduzir em 10% a gasolina consumida no planeta.

Enquanto estudam firmar uma parceria de longo prazo com o Brasil, os EUA torram bilhões de dólares em pesquisas para extrair combustível de outros produtos – etanol a partir de celulose e células de hidrogênio combustível. Tudo ainda muito vago, caro e distante. Os americanos temem se tornar, novamente, dependentes da energia de uma só economia ou de poucos países. Canuto reconhece que nenhum país pode produzir etanol hoje tão barato quanto o Brasil, mas algumas nações, como a Austrália, a Índia e países tropicais da África, estão perto disso. “Disseminar a produção e o uso de biocombustíveis geraria desenvolvimento e, fazendo isso, promoveria ganhos mundiais em termos de segurança energética e proteção ambiental”, defende o economista.

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