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EUA em busca de parcerias

Clifford M. Sobel, o novo embaixador americano, chegou a Brasília há dez dias e, nesse período, já esteve três vezes em São Paulo. Sobel, que ocupou a Embaixada dos Estados Unidos na Holanda por quatro anos, está totalmente dedicado à tarefa de ouvir e aprender tudo que pode sobre o Brasil.

A sua maior meta ficou clara na única palavra que falou em português durante os mais de 60 minutos de conversa que concedeu ao Estado na sextafeira, em São Paulo: parceria.

Sua trajetória diplomática começou depois de uma longa e bem-sucedida carreira empresarial. Fundou sua primeira empresa quando tinha apenas 20 anos. A última foi a Net2 Phone, um provedor de serviço telefônico pela internet. Esse currículo ajuda a entender a ênfase que pretende dar nas relações empresariais entre o Brasil e os Estados Unidos e a forma direta e clara com a qual respondeu a todas as perguntas que lhe foram colocadas. O novo embaixador americano, pai de três filhos adultos, se mudou para o Brasil apenas com a mulher, Barbara. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Se o sr. tivesse de desenhar um mapa-múndi determinando o tamanho dos países com base na importância que eles têm para os Estados Unidos, quais blocos e nações seriam os maiores?

Ninguém no Departamento de Estado faz mapas como esse.

Existe uma afinidade natural para trabalharmos com países com os quais temos interesses comuns e com os quais dividimos valores. Países que são parecidos com os Estados Unidos, têm democracias robustas e desejam um futuro melhor e mais próspero para os seus povos. O Brasil é o quinto maior país do mundo e uma das maiores democracias. Mas não se resume a isso.

Todos os ministérios de relações exteriores do mundo têm prioridades e, no caso do americano, parece que a guerra ao terrorismo, as relações com a Europa, com a Rússia e a China dominam a agenda, não é assim?

A guerra contra o terrorismo é importante, mas também existem as guerras contra a pobreza e contra as doenças. E nessas áreas cooperamos. Temos um programa para garantir a segurança dos canais de comércio, e o primeiro país a participar desse programa na América do Sul foi o Brasil.

Portanto, o Brasil é um importante aliado e parceiro. Compartilhamos o interesse na estabilidade regional e na prosperidade do hemisfério. E somos líderes nessas áreas. Fazemos parcerias com aqueles países com os quais temos valores em comum e o Brasil está no topo da lista.

O sr. diria que o Brasil é o líder na América do Sul?

O Brasil é o maior país da região. Tem a maior economia.

Países lideram de várias maneiras. Mas com certeza, o Brasil é um dos principais países, se não o principal, na América do Sul. É o que mostram o tamanho do território, da economia e também a vontade do país de liderar. O papel que desempenha no G-20, no Haiti, na integração regional são exemplos dessa liderança e da sua responsabilidade global.

Uma coisa é liderar e outra é encarar as responsabilidades da liderança.

Quais são as diferenças?

Todo mundo quer liderar, mas você precisa investir tempo, recursos e capacidade. As tropas brasileiras no Haiti demonstram comprometimento com a missão de estabilizar aquele país. O Brasil também mandou tropas para Timor Leste. No passado, foram para o Sinai. Se voltarmos mais um pouco, há também o exemplo das tropas que lutaram com os Aliados na 2ª Guerra.

Mas o grande parceiro americano na América Latina é mesmo o México, não?

Há as fortes relações comerciais e toda a questão da imigração…

O México tem uma longa fronteira com os Estados Unidos.

Também é um país com grande extensão territorial. Não acho que seja relevante dizer quem é maior ou o mais importante. Não é uma questão de saber quem é número 2 ou número 3.

Mas muitos analistas no Brasil acham que o País é negligenciado pelos Estados Unidos. De acordo com eles, a falta de apoio à candidatura brasileira a um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas é um exemplo…

A Holanda é um parceiro americano em muitas áreas. É também o terceiro maior investidor estrangeiro nos Estados Unidos, o que é um dado relevante e pouca gente sabe. Mas como embaixador americano na Holanda por quatro anos, não tivemos muitas visitas da secretária de Estado e nenhuma do presidente. No caso do Brasil e dos Estados Unidos, as visitas de funcionários de alto escalão e de níveis operacionais são numerosas e demonstram uma relação estratégica.

Na área de biocombustíveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou em cooperar com os Estados Unidos e também no âmbito multilateral. Essa é uma área de grande relevância e na qual o Brasil tem um papel de liderança. Como embaixador americano, posso garantir que nossa relação estratégica existe e vai continuar crescendo.

E sobre o assento no Conselho de Segurança?

Temos sido muito claros sobre isso. Primeiro, temos que nos concentrar na questão da reforma da ONU, que inclui o gerenciamento, a maneira como os recursos são usados, a estrutura da instituição. Depois disso, estamos dispostos a ver uma mudança no Conselho de Segurança. Mas é claro que os Estados Unidos não tomam essa decisão sozinhos. Já dissemos que apoiamos a candidatura do Japão. Com relação ao Brasil, não dissemos que vamos apoiar nem que não vamos. Essa é uma questão que ainda precisa ser resolvida.

Quais são os cenários para uma Cuba sem Fidel Castro?

Nossa posição tem sido consistente ao longo do tempo. Esperamos que um dia o país tenha eleições livres e justas. Os Estados Unidos estão prontos para ajudar o povo cubano numa transição pacífica para a democracia. Essa é uma decisão que eles devem tomar. Não posso comentar sobre a saúde do líder cubano. Sei que existe muita especulação.

Por que Cuba continua sendo uma questão tão importante para os Estados Unidos?

Há quem diga que o governo americano esteja mais preocupado com a reação dos eleitores latinos nos Estados Unidos do que com o futuro de Cuba mesmo…

Cuba está a poucas milhas da costa americana e não é uma democracia. É um regime autoritário. Não apoiamos líderes desse tipo e acreditamos que seja do interesse de todos que tenhamos uma região democrática, que o povo de Cuba possa controlar o próprio destino.

Por que funcionários de alto escalão dos Estados Unidos falam de forma tão enfática sobre a necessidade de democracia em Cuba e esquecem da Arábia Saudita?

Sem falar de forma específica sobre uma determinada nação é possível dizer que existe uma transição para governos mais democráticos em vários países. Esse movimento não acontece da noite para o dia. Cada país definirá o seu tipo de democracia. Já houve eleições no Kuwait e o Egito já deu início ao seu processo rumo à democracia. O presidente (Bush) já disse que no passado demos apoio a regimes autoritários que talvez não devêssemos ter apoiado. Os Estados Unidos estão trabalhando com esses regimes para ajudá-los no caminho da democracia. Não no nosso ritmo, mas no deles.

E o Brasil?

Vemos o Brasil como um grande parceiro com sua forte democracia. Um parceiro para a estabilidade regional. O principal assessor da secretária de Estado Condoleezza Rice esteve no Brasil no dia 4 para discutir um conceito, não é uma idéia, um plano feito ainda. A questão é como nós, democracias consolidadas, podemos ajudar outras nações na transição para regimes mais livres.

Estamos discutindo se seria o caso de, entre outras coisas, contarmos com instituições que dêem apoio a países que estejam saindo de conflitos e queiram construir as próprias democracias similares à do Brasil. Antes de decidirmos sobre essa nova política, estamos ouvindo nossos aliados. Tivemos o primeiro encontro e esperamos manter esse diálogo.

Os discursos do presidente Hugo Chávez realmente incomodam ou é só uma questão de se acostumar com eles?

Não acredito que o estilo de confrontação seja a melhor maneira de resolver as questões.

Estamos observando se ele pode contribuir para o sucesso de deliberações no Conselho de Segurança, por exemplo.

Parece estranho que no momento em que a ONU debate a imposição de sanções contra o Irã ele decida visitar o país. Parece estranho que quando estão todos preocupados com a Coréia do Norte e seu teste com mísseis balísticos Chávez fale em ir para a Coréia do Norte. Estamos muito preocupados com Chávez, sua liderança. Uma coisa é ser eleito democraticamente. Outra coisa é governar de forma democrática. Foi interessante o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, ter dito recentemente que os membros do Mercosul devem governar de forma democrática. O Brasil tem tido um papel muito importante na questão da democracia na região. Esperamos que o Brasil ajude na Bolívia também. Estamos com nossos canais de comunicação abertos com a Bolívia. O governo americano gasta dezenas de milhões de dólares na tentativa de ajudar o povo boliviano. Estamos revendo essa política, mas não fizemos nenhuma mudança dramática.

Para muitos, os brasileiros sentiram o que é ser tratado como gringo com a nacionalização do gás e petróleo na Bolívia. A Petrobrás investiu mais de US$ 1 bilhão e, com um canetaço, o presidente Evo Morales desfez o contrato…

Nossa preocupação nos Estados Unidos é o que acontecerá com o povo boliviano. Quais serão os efeitos da nacionalização no comércio e nos investimentos? Sem comércio e investimento, o que acontece com os empregos? Queremos trabalhar com a Bolívia para que entenda que precisa fazer parte da comunidade global, respeitar as leis e honrar contratos.

Antes de embarcar para o Brasil no começo do mês, quem o sr. encontrou? Quais setores da economia americana estão acompanhando o noticiário brasileiro de perto?

A maioria das pessoas que encontrei está envolvida com o comércio e investimentos no Brasil. Ao todo foram cerca de 75 representantes de empresas e instituições, como a Câmara de Comércio e o Conselho de Estados Americanos.

Também conversei com gente de centros de estudos. Uma das coisas que me deixaram mais satisfeito enquanto estava na Holanda foi uma conferência que ajudei a organizar sobre inovação para o século 21. Durante a presidência holandesa da União Européia, o primeiro-ministro queria ver como poderíamos cooperar e transformar a inovação em um jogo no qual os dois lados ganham. O sucesso dessa conferência foi surpreendente.

Cheguei ao Brasil e estou numa fase de aprendizado, de conversar e escutar. Não tenho nenhum grande plano pronto. Claro que o objetivo é aumentar as nossas relações, que já são sólidas. Estou impressionado com a proximidade de nossas comunidades empresariais. Existe a possibilidade de que possamos trabalhar juntos na questão do conceito de inovação. Estou certo que na área de biocombustível temos muito a cooperar e aprender mutuamente. Esse é um campo no qual o Brasil tem uma clara liderança e vários países podem ser ajudados.

Há muitas outras áreas de cooperação entre os Estados Unidos e o Brasil. Quando se trata de sabedoria e criatividade, não existe monopólio.

O sr. está pensando em organizar alguma conferência?

O Brasil é importante no comércio internacional e tem empresas que são referências em suas áreas como a Embraer e a Petrobrás. Tenho muito orgulho de ter trabalhado em conjunto com o ministro do desenvolvimento na Holanda. Juntos, organizamos a maior missão de comércio da Holanda para o Vale do Silício, na Califórnia. Empresários holandeses entraram em contato com os presidentes das maiores empresas de tecnologia do Vale. Estou aqui há poucos dias, mas tenho a certeza de que existem muitas áreas nas quais podemos cooperar e organizar missões comerciais.

O Brasil e os Estados Unidos têm diferentes pontos de vista em várias áreas, da Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio ao atual conflito no Líbano. A resposta clássica de um embaixador seria dizer que os dois países têm diferenças, mas que as relações nunca foram tão boas. Qual é a situação real? Quais são as áreas nas quais é necessário melhorar?

A possibilidade de ter pontos de vista diferentes é uma das melhores coisas da democracia. Países buscam políticas para atingir seus interesses. E ouvem seus aliados. Por isso, pergunto sobre a possibilidade de o Brasil talvez contribuir para ajudar o povo do Líbano, seguindo o que disse o ministro Celso Amorim recentemente. Estamos examinando maneiras de trabalharmos juntos. Estive com Marco Aurélio Garcia na semana retrasada e ele falava da necessidade de levar os benefícios da democracia para toda a nossa gente. Eu disse que esse é um dos temas defendidos pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, e ele concordou. A grande questão é como vamos chegar ao nosso objetivo. Quero ser um parceiro nessa empreitada. Há várias companhias americanas baseadas no Brasil que têm programas sociais. Estamos envolvidos em um programa de informação na área da saúde. Quero aumentar esses esforços.

Muitos brasileiros sofrem para conseguir tirar um visto americano. Alguns são obrigados a viajar mais de 1.000 quilômetros e passar a noite em um hotel. Há alguma mudança sendo preparada para facilitar a vida de quem deseja viajar aos Estados Unidos?

Estamos estudando mudanças todos os dias. Claro que os atentados do 11 de Setembro exigiram a criação de novos procedimentos. É interessante o fato de que o número de pedidos de vistos tenha crescido 43% no último ano no Brasil. Somente em São Paulo já foram examinados 180 mil pedidos de janeiro até agora. Estamos estudando novos procedimentos para quem viaja a trabalho, estudantes e as demais pessoas. Examinamos também a possibilidade de contarmos com novas instalações. Essa é uma das maiores prioridades da embaixada americana no Brasil e deveremos ter novidades em algumas semanas.

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