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Etanol – os ganhadores do acesso a mercados

Eduardo Pereira de Carvalho e Marcos Sawaya Jank

Nesta sexta-feira os presidentes Bush e Lula vão assinar um acordo histórico na área dos biocombustíveis, em São Paulo#. Em janeiro, Bush anunciou a meta de substituir 15% da gasolina do seu país por combustíveis renováveis, até 2017, o que equivale a um consumo anual de 132 bilhões de litros. Hoje o mundo produz 50 bilhões de litros e os EUA e o Brasil detêm 72% da produção, com cerca de 17,5 bilhões de litros cada.

A explosão global de interesse pela agroenergia decorre de três vetores principais: preocupações ambientais (redução de emissões de gases de efeito estufa), segurança energética (diversificação ou independência em relação ao petróleo) e apoio à renda dos agricultores.

O acordo que será proposto por Bush deve concentrarse em três temas:

· Projetos comuns de pesquisa e desenvolvimento de etanol de celulose, produzido a partir de pastagens, bagaços, restos de culturas, etc.;

· estabelecimento de padrões internacionais para a nova commodity;

· e cooperação para a expansão do produto em terceiros mercados.

A cooperação bilateral nestes temas é bem-vinda e necessária, porém ainda insuficiente para elevar o etanol à categoria de commodity global, que todos desejam. Hoje as exportações mundiais do produto movimentam apenas 6,5 bilhões de litros por ano (13% da produção mundial) e se têm mostrado extremamente voláteis em termos de preços e destinos.

No ano passado o Brasil exportou mais de 3 bilhões de litros graças a uma janela de oportunidade nos EUA. Ocorre que aquele país decidiu banir aceleradamente o uso do MTBE, um oxigenador de origem fóssil utilizado para aumentar o poder de octanagem da gasolina, que apresentou elevados riscos de contaminação ambiental. A demanda não atendida pela oferta interna americana elevou os preços do álcool e permitiu que nossas exportações para aquele país saltassem de 260 milhões de litros em 2005 para 1,6 bilhão de litros em 2006. Pela primeira vez na História conseguimos entrar naquele mercado pagando a tarifa proibitiva de US$ 0,14/litro. Essa oportunidade não se vai repetir este ano, dado que a expansão da oferta americana já derrubou o preço do etanol de milho abaixo dos níveis que viabilizariam nossas exportações. A União Européia, o Japão e outros países têm se alinhado aos EUA na manutenção de barreiras que impedem o desenvolvimento global dos biocombustíveis. É fundamental que os novos mercados para biocombustíveis em geral, e o etanol em especial, funcionem dentro do regime de livre comércio que preside o mercado de petróleo e seus derivados. É esse o regime que assegura maiores benefícios aos consumidores, a menor volatilidade de preços, fluxos crescentes de comércio e maior segurança de suprimentos pela ampliação da diversidade de fontes produtoras.

Mas, infelizmente, a mentalidade que domina esta incipiente indústria é o auto-abastecimento a qualquer preço, o que implica custos elevados para consumidores, contribuintes e cadeias agroalimentares correlatas. Nos EUA o etanol é produzido a partir do milho. A sua expansão recente fez com que os preços do grão subissem de forma espetacular, causando desequilíbrios na estrutura dos mercados agropecuários. Sabe-se que os EUA dificilmente conseguirão ultrapassar a barreira dos 50 bilhões de litros somente com o etanol de milho, daí o interesse desse país em destinar grandes somas para o desenvolvimento do etanol de celulose.

A melhor solução para estimular uma expansão ordenada da produção de biocombustíveis nos EUA seria a fixação de um mandato progressivo de mistura até atingir a meta de 15%. Além do Brasil, vários países vêm adotando este instrumento com sucesso. O mandato de mistura é o melhor estímulo que se pode oferecer aos agentes econômicos na busca por tecnologias alternativas.

Porém, para evitar que o mandato aumente os preços do milho e do etanol nos EUA, a alternativa seria facilitar as importações de etanol mais barato como complementação da indústria americana. Duas alternativas de regulação do mercado via importações poderiam ser estudadas pelos governos até que se obtenham as condições necessárias para a completa eliminação das barreiras alfandegárias. A primeira seria um mecanismo de tarifas variáveis a serem fixadas em níveis abaixo dos atuais US$ 0,14/litro. A segunda seria a expansão de cotas de importação com tarifa zero, à semelhança do sistema que hoje beneficia os países caribenhos, que podem exportar até 7% do consumo americano isentos da tarifa proibitiva, no âmbito da Iniciativa para o Caribe (CBI).

Temos hoje a chance de iniciar uma cooperação do tipo ganha-ganha

O mandato de mistura complementado por tarifas variáveis e/ou cotas expandidas permitiria que os EUA avançassem rapidamente no processo de substituição de petróleo, sem prejudicar os consumidores de milho e de combustíveis, reduzindo o custo para os contribuintes, evitando os riscos das quebras de safra e incentivando o desenvolvimento de tecnologias alternativas, como o etanol de biomassa. O sistema também promoveria a expansão do etanol mais barato de cana-de-açúcar em dezenas de países em desenvolvimento situados na região tropical.

O acordo a ser assinado demonstra vontade política de ampliar o uso de combustíveis renováveis no mundo, mas ainda faltam instrumentos de política pública claros e estáveis, que garantam maior previsibilidade aos investimentos empresariais no longo prazo. Os presidentes poderiam avançar nessa direção, autorizando a realização de estudos aprofundados sobre a matéria, que seriam realizados ao longo do ano. Temos hoje a oportunidade extraordinária de iniciar uma cooperação do tipo ganhaganha, que marcaria uma nova etapa no relacionamento de duas democracias vibrantes, na fronteira da nova era da energia renovável que o mundo está desesperadamente buscando.

Eduardo Pereira de Carvalho é presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica). Marcos Sawaya Jank é presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone)

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