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Etanol: Economista defende pequenas usinas para baixar preços e suprir mercados brasileiro e internacional

O economista Fernando Safatle defende que a desconcentração da produção brasileira de álcool resultaria numa elevação substancial da oferta, o que reduziria o preço ao consumidor final e daria sustentabilidade ao mercado interno e internacional. Esta é, na opinião dele, a única forma do Brasil se postular como fornecedor à altura da demanda mundial.

“O Japão, por exemplo, há quatro ou cinco anos aprovou no Congresso uma mistura de álcool à gasolina de até 2%, mas não importou uma gota até hoje porque não tem oferta no mercado. E eles olham para o Brasil e vêem o problema que o país tem hoje para abastecer seu próprio mercado interno. Como é que ele vai abrir para importações se não tem garantia de fornecimento? Para ficar nas mãos de poucos empresários? Não vão fazer isso nunca”, disse Safatle ao Opera Mundi.

Safatle foi vice-presidente da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) durante o governo FHC e pesquisador vinculado ao Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) por mais de 25 anos. No governo Lula, participou da execução de políticas do Ministério de Integração Regional. Atualmente, produz etanol em uma microdestilaria no Estado de Goiás.

No recém-lançado livro A economia política do etanol: A democratização da agroenergia e o impacto da mudança do modelo econômico (Alameda, 293 páginas), Safatle critica a política de estabelecida desde o Proalcool e apresenta como solução para a inserção competitiva do país no mercado mundial de energia alternativa a expansão de microdestilarias em áreas de até cinco hectares. A medida deve estar aliada à autorização da venda direta do produtor aos postos de combustíveis. As pequenas e médias usinas funcionariam como um sistema complementar ao agronegócio.

Ainda de acordo com o autor, o sucesso da proposta dependeria da instituição de uma nova política de Estado para o setor, baseada na elevação do etanol à categoria de “elemento fundamental da matriz energética”, e da criação de uma empresa autônoma que regularia a gestão do segmento. “Uma Etanolbras”, defende Fernando.

O modelo proposto por Safatle vai ao encontro das análises do FMI (Fundo Monetário Internacional). Em abril deste ano, o Fundo lançou o relatório Perspectivas da economia mundial: as tensões de uma recuperação em dois tempos – desemprego, matérias-primas e fluxos de capital, que aponta a necessidade dos governos avaliarem políticas que reduzam os riscos da escassez de petróleo no mercado mundial.

“Entre elas, o desenvolvimento de fontes alternativas e sustentáveis de energia”. As regras mais flexíveis do novo texto do código florestal aprovado na última terça-feira (24/05) na Câmara dos Deputados – que ainda depende de chancela do Senado e da presidente Dilma Rousseff para entrar em vigor – também favorecem a proposição do economista.

O debate vai esquentar no próximo período com a determinação da presidente da República para que os ministérios da Fazenda e das Minas e Energia formulem um plano de contenção dos preços do álcool combustível ao longo do próximo ano. Na última quarta-feira (25/05), a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados também realizou uma audiência pública para discutir propostas de regulação do mercado de álcool combustível.

A energia alternativa e a crise alimentar

Safatle aponta também que o modelo das microdestilarias teria como principais beneficiários na produção a agricultura familiar e os assentamentos. No entanto, o MST (Movimento Sem-Terra) defende limitar a expansão da cultura da cana no país em razão do avanço sobre as áreas de plantio de alimentos, o que o autor questiona.

“A realidade brasileira é outra. Não existe esse conflito entre a produção de etanol e a cadeia produtiva de alimentos. Talvez sejamos um dos poucos países do mundo onde possamos simultaneamente aumentar a oferta de produtos alimentícios e da produção de etanol, sem precisar ocupar novas áreas. Tudo isso se você tiver uma política estratégica em relação ao etanol, definindo inclusive um zoneamento que permita você ocupar e remanejar terras para o cultivo da cana”.

A preocupação com a escassez de alimentos e a contribuição das commodities para a bolha especulativa de preços que hoje é apontada por alguns analistas como uma das causas de processos como as revoltas do mundo árabe não se restringe ao MST. Em artigo publicado recentemente no jornal O Estado de S. Paulo, o fundador do Instituto de Políticas da Terra, Lester Brown, aponta a conversão massiva de grãos em combustível – Estados Unidos à frente para sustentar a produção de etanol de milho – como uma das causas da alta de preços e da ameaça à segurança alimentar no planeta.

Brown lembra ainda que “esse não é um fenômeno apenas norte-americano: o Brasil, que destila etanol de cana de açúcar, é o segundo maior produtor depois dos EUA, enquanto a União Europeia, que pretende obter 10% de sua energia de transporte de energias renováveis, em sua maioria biocombustíveis até 2020, também está desviando terras de culturas alimentares para esse fim”.

À essa questão, Safatle responde que “se no mercado internacional o preço do açúcar está muito favorável, evidentemente ele vai fazer açúcar, porque ele não tem o compromisso de por no etanol no carro do consumidor brasileiro, tem compromisso com a sua rentabilidade. Evidentemente que quando ele faz mais açúcar e menos etanol, gera uma crise de abastecimento no mercado interno, como ocorreu agora, e os preços aumentam. Então, a gente vai sempre ficar à mercê da oscilação de preços. Não tem saída. Você não consegue formar um estoque regulador, como o governo sempre acreditou que pudesse fazer, para baixar os preços na época devida. Então não tem saída, tem que quebrar as estruturas do mercado que está oligopolizado”.

Etanol, desenvolvimento social e sustentabilidade

Outro tema que vai esquentar o debate sobre a expansão da produção do etanol no Brasil é a geração de empregos. O país detém hoje os maiores índices de produtividade do mundo. No entanto, desde a década de 70 o cultivo da cana eliminou cerca de 700 mil postos de trabalho e este é um ramo de produção que ainda convive fortemente com o trabalho escravo.

O relatório da Anistia Internacional 2011, publicado no último 13 de maio, voltou a condenar o país em relação a essa questão. De acordo com o Ministério do Trabalho, em 2009, mais de 1900 trabalhadores foram libertados no Sudeste, no Centro-Oeste e no Estado de Pernambuco.

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