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Etanol de cana caminha para nova etapa de descarbonização

Nova tecnologia ampliará potencial de sequestro de CO2 do biocombustível ante combustíveis fósseis e motores elétricos 

Etanol de cana caminha para nova etapa de descarbonização

Vem aí uma nova etapa de descarbonização do etanol de cana-de-açúcar. Trata-se da captura de dióxido de carbono (CO2) durante a combustão da matéria-prima do etanol.

Em fase de pesquisa, essa tecnologia acelera o ritmo de descarbonização do setor sucroenergético, levando em conta que a cana já sequestra carbono na fase de cultivo, via fotossíntese.

Fora isso, há o ganho – histórico – para o biocombustível nos transportes. Hoje, como se sabe, o etanol já emite menos CO2 ante a gasolina e mesmo diante de fontes poluentes (caso do carvão), que dão origem a componentes dos veículos elétricos e eletrificados.

Com o sequestro de CO2 também na fase de combustão, o etanol irá alcançar novo patamar no universo da descarbonização.

“Otimização de sistemas de adsorção por modulação de temperatura – Temperature Swing Adsorption (TSA) – para captura de CO2” é o nome do projeto e, à frente ele, está um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Esses pesquisadores investigam se é possível, por meio de sistemas de adsorção, capturar CO2 de gases provenientes da combustão de biomassa da cana-de-açúcar.

Para entender mais a respeito do assunto, JornalCana entrevista o engenheiro químico Marcelo Martins Seckler. Ele é professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e coordenador do projeto.

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JornalCana – O projeto coordenado pelo sr. poderá atestar nova etapa de descarbonização da biomassa da cana-de-açúcar?

Marcelo Seckler No nosso projeto desenvolvemos a técnica de sorvetes sólidos para capturar gás carbônico, impedindo que ele seja emitido para a atmosfera.

Esta técnica tem o potencial de ser mais econômica e de consumir menos energia na captura do que a técnica mais aceita de absorção em líquidos.

Ela é promissora quando pensamos em usar o gás carbônico capturado como matéria-prima para outros compostos.

Há também estudos para armazenamento do CO2 na subsuperfície, mas tais técnicas ainda estão longe de uma aplicação segura em larga escala.

JornalCana – É possível prever quanto de CO2 pode ser capturado nos gases provenientes da combustão da biomassa da cana?

Marcelo Seckler – Em princípio, sempre que pensamos em obter energia pela queima de biomassa, o CO2 gerado na combustão pode ser tratado por esta técnica. O bagaço de cana, por exemplo, hoje em dia já é queimado em usinas, então cada usina poderia ter uma unidade desta acoplada.

JornalCana – Comente a respeito do sistema de adsorção, empregado no projeto e já usado na indústria para limpar corrente de ar contaminada por amônia, ou para purificar gás natural.

Marcelo Seckler – A adsorção é utilizada industrialmente há muitos anos na indústria química para purificação de gases. Ela também é utilizada em situações mais corriqueiras, como os filtros de água em nossas cozinhas: aquela parte preta do filtro é carvão ativo, que purifica a água.

De forma geral, a adsorção consiste em colocar o fluido que queremos tratar em contato com um sólido particulado. Quando o fluido atravessa um meio contendo este sólido, a impureza de interesse fica retida no sólido e o fluido deixa o equipamento em forma pura.

As partículas são porosas, por isso conseguem reter uma boa quantidade de impurezas.

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JornalCana – Esse sistema nunca foi empregado na captura de CO2 da biomassa geradora do etanol?

Marcelo Seckler – A adsorção é utilizada industrialmente há muitos anos na indústria química.

A novidade da nossa pesquisa é aplicar a adsorção para purificar gases oriundos de biomassa, pois a composição dos gases é diferente de gases originados de carvão ou óleo combustível, por exemplo, para os quais o fenômeno é melhor conhecido.

JornalCana – No projeto, a equipe da UFC trabalha na frente de processo de adsorção de forma experimental em pequena escala. Isso para entender de que forma se pode fazer a separação eficiente de CO2 na presença de impurezas deste tipo de gás. É possível prever em quanto tempo essa fase poderá estar pronta?

Marcelo Seckler – Em dois anos teremos uma boa ideia do comportamento da adsorção frente à biomassa.

Estamos centrando esforços nos gases gerados a partir do bagaço de cana.

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JornalCana – Já em relação a outra frente, a cargo da USP, o trabalho é o de se aplicar a proposta em grande escala como no caso de uma usina de cana. No caso, a equipe simulará todo o processo em computador e a proposta, enfim, é de projetar um equipamento industrial para realizar a adsorção. Assim como na frente da UFC, é possível estimar um prazo para término?

Marcelo Seckler – No mesmo prazo [de dois anos] esperamos desenvolver critérios de projeto para unidades de captura de CO2 industriais.

JornalCana – Ainda sobre o equipamento industrial, o sr. acredita que ele possa ser fabricado pela indústria nacional de bens de capitais do setor sucroenergético?

Marcelo Seckler – O processo em estudo envolve um equipamento inovador, são dois leitos fluidizados acoplados, mas não é nada que não possa ser feito no país.

Nós forneceremos as informações necessárias para o projeto conceitual do processo.

O país tem empresas de engenharia e de fabricação de equipamentos habilitadas para converter o processo conceitual em realidade física.

JornalCana – Produzir etanol verde, sem emissão de CO2, está no radar de todo o setor sucroenergético. Chegar a essa produção deixa o biocombustível bem à frente de tecnologias ditas limpas como a dos motores elétricos e eletrificados. Qual sua avaliação a respeito?

Marcelo Seckler – Tudo o que fazemos no planeta tem algum impacto, não há uma fórmula mágica. Devido à emergência climática, temos que usar todos os recursos a nosso alcance, ao contrário de apostar numa única solução.

Saiba mais sobre o projeto

O projeto “Otimização de sistemas de adsorção por modulação de temperatura – Temperature Swing Adsorption (TSA) – para captura de CO2” é desenvolvido no âmbito do Research Centre for Greenhouse Gas Innovation (RCGI), centro de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Shell.

A coordenação do projeto cabe ao engenheiro químico Marcelo Martins Seckler, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

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Segundo ele, que trabalhou por mais de duas décadas no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e também foi professor da Universidade Técnica de Delft, na Holanda, “o processo de adsorção, que utilizamos em nossa pesquisa, é mais econômico em termos energéticos.”

Ele é mais econômico porque substitui o líquido por um material sólido altamente poroso.

Para se ter ideia, um grama dessa partícula pode abrigar cerca de mil metros quadrados de poros. Graças a essa característica, o material tem grande capacidade de atrair o gás carbônico, tornando o processo de captura de CO2 mais rápido e eficaz”.

O projeto está sendo conduzido em duas frentes.

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Em uma delas, pesquisadores do departamento de Engenharia Química da UFC, liderados pela professora Diana Cristina Silva de Azevêdo, estudam o processo de adsorção de forma experimental em pequena escala.

O motivo é simples: se quer entender de que forma se pode fazer a separação eficiente de CO2 na presença de impurezas típicas deste tipo de gás.

Em outra frente, pesquisadores da USP estudam a viabilidade de se aplicar a proposta em grande escala, como no caso de uma usina de cana-de-açúcar, por exemplo.

Otimização topológica

Para otimizar o desempenho dos equipamentos, o projeto vai lançar mão da otimização topológica, técnica criada na década de 1980, nos Estados Unidos, pelo matemático dinamarquês Martin Philip Bendsoe e pelo engenheiro mecânico japonês Noboru Kikuchi.

Trata-se de uma ferramenta computacional utilizada em projetos de estruturas de alto desempenho, que busca encontrar a distribuição mais adequada de materiais dentro de um espaço específico.

“É uma técnica que nasceu e foi aplicada no campo da engenharia mecânica, mas seu uso vem se expandindo ao longo do tempo”, conta o engenheiro mecatrônico Emílio Carlos Neli Silva, professor da Poli-USP e vice-coordenador do projeto.

“No RCGI, utilizamos a otimização topológica na área de fluidos e química e, no caso desse projeto em particular, adotamos o modelo em sistemas de leitos fluidizados, o que é uma novidade no mundo”, prossegue.

O pesquisador é um dos precursores da otimização topológica no Brasil, área em que atua desde os anos 1990, quando voltou do doutorado realizado na Universidade de Michigan (EUA), sob orientação de Kikuchi, hoje presidente do centro de estudos da montadora Toyota.

Segundo Silva, para apurar ainda mais a precisão do equipamento a equipe avalia usar também inteligência artificial durante o processo.

“Sistemas de leitos fluidizados são reações químicas extremamente complexas. O cérebro humano não consegue gerenciar sozinho, sem ajuda de máquinas, toda a expertise necessária para se projetar um dispositivo com a finalidade ambicionada pelo nosso projeto, que é melhorar a adsorção de CO2. É uma operação que demanda alta sensibilidade: se mexermos em um pequeno detalhe relativo à temperatura, por exemplo, podemos melhorar ou piorar o processo”, constata o especialista.

Por fim, os pesquisadores sediados em São Paulo e em Fortaleza vão interligar os estudos experimentais e de modelagem para desenvolver métodos de projeto para a indústria.

“Os conhecimentos gerados neste projeto vão permitir, por exemplo, que se ofereça subsídios para empresas interessadas em construir equipamentos capazes de capturar CO2 de gases provenientes da combustão de biomassa da cana-de-açúcar. No futuro próximo esses equipamentos poderão ser instalados em indústrias do setor sucroalcooleiro e contribuir para a produção do etanol verde, sem emissão de CO2”, prevê Seckler.

Delcy Mac

Esta matéria faz parte da edição 340 do JornalCana. Para a ler, clique AQUI!