A Shell investe R$ 30 milhões e os “bravos sisaleiros” podem transformar a paisagem do sertão nordestino, com a produção, em escala industrial, do etanol de agave, planta utilizada no Brasil na fabricação de sisal, e que no México serve de matéria-prima na produção da famosa tequila.
BRAVE (Brazilian Agave Development) é projeto desenvolvido em parceria com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia ), SENAI CIMATEC e ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que nos próximos cinco anos poderá viabilizar essa transformação.
Gonçalo Pereira, coordenador do Laboratório de Genômica e Bioenergia da Unicamp, idealizador e líder do projeto de pesquisa, filho de sertanejo, lembra que a origem paterna foi uma das motivações para desenvolver um projeto no sertão, iniciado em 2016.
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“Tanto na fabricação de sisal, como na produção de tequila, o agave é subaproveitado. Quando você faz a fibra de sisal, você utiliza apenas 4% da planta, quando o pessoal do México pega a planta para fazer tequila, joga fora as folhas. Isso quer dizer que a maior parte da biomassa, em ambos os sistemas produtivos, é simplesmente jogada fora. O nosso projeto deve utilizar absolutamente tudo da planta”, explica Gonçalo.
Para ele, produzir biometano na região do Sisal, nordeste da Bahia, é o primeiro passo de uma oportunidade de negócio extraordinária e é por onde devemos começar a empreender de forma diferente do que tem sido feito até hoje nos últimos cerca de 100 anos, quando o sisal foi implantado na Bahia, transformando uma zona, que por conta do clima, se caracteriza por uma região pobre em uma zona altamente próspera, uma terra de oportunidades.
O programa BRAVE é financiado por recursos destinados pela Shell dentro da cláusula de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O trabalho agora envolve confirmar a campo os resultados da pesquisa para criação de uma nova cadeia industrial e desenvolver, de forma pioneira, equipamentos para a colheita mecanizada do agave.
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A parceria prevê ainda a construção de plantas-piloto de processamento e refino da biomassa na Bahia, convertendo o agave em biocombustível, em etanol e biogás. O desenvolvimento da cadeia do agave interessa às usinas bioenergéticas do Nordeste, que operam com capacidade ociosa por falta de matéria-prima. “Além de utilizar tudo, vamos ter uma quantidade de carbono muito grande incorporado no solo e a nossa ideia é que a gente tenha a biomassa do agave como sendo também uma biomassa capaz de alimentar a indústria da cana”, explica Gonçalo.
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Do agave pode se aproveitar tudo: além do etanol, fibras, silagem, nano celulose, inseticida e carvão vegetal (biochar), que funciona como fertilizante do solo. O ciclo do agave exige planejamento e paciência. Leva de três a cinco anos até a primeira colheita. Até lá, a planta vai juntando forças e ganhando porte. No quinto ano, a produção atingiu 880 toneladas por hectare.
Um rendimento equiparável ao da cana-de-açúcar, quando distribuído ao longo do ciclo. Por que, então, o México, terra-mãe da agave tequilana, não aproveita todo seu potencial energético? Segundo Pereira, porque, por lá, os olhos estão todos voltados para a tequila, que alcança um elevado preço de mercado. Com 374 milhões de litros de tequila produzidos anualmente, os mexicanos conseguem levantar receitas que correspondem a cerca de 50% das obtidas pelo etanol no Brasil, com um volume de 15 bilhões de litros.
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Em uma segunda etapa, o projeto BRAVE prevê também o desenvolvimento de técnicas de mecanização de plantio e de colheita para a cultura do agave. Hoje, mesmo no México, onde há uma indústria montada para atender a cadeia de bebidas, a colheita e o manuseio do agave são feitos de forma muito artesanal e sem tecnologia.
Gonçalo defende o desenvolvimento de máquinas para colher o agave, que é uma planta pesada, e as moendas de cana não conseguem dar conta das pinhas.
Há diversas variedades de agave, mas sua principal característica interessante à produção de biocombustível é a capacidade de gerar grandes quantidades de biomassa mesmo em locais com baixa incidência de chuva. No México, há plantas que chegam a pesar mais de 400 quilos.
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A capacidade do agave para produção de biocombustível é alvo de pesquisas também no México e na Austrália, todas recentes, mas até agora nenhuma delas tinha olhado a realidade brasileira. Uma das principais diferenças do agave é que ele demora entre 3 a 5 anos para a primeira colheita, contra 12 meses da cana. Mas, após cinco anos, ele pode render até dez vezes mais biomassa que a cana por hectare, segundo uma pesquisa feita na Austrália.
A conclusão do estudo é que o etanol do agave é viável, alcançando produtividade um pouco menor do que a cana por hectare – 7.414 litros contra 9.900 litros. Segundo o time de pesquisadores das universidades de Sydney, Exeter e Adelaide, o agave precisa 69% menos água do que a cana-de-açúcar e 46% menos do que o milho.
Se essa projeção ocorrer no Brasil, caso haja 3,3 milhões de hectares com agave, ele permitirá uma produção anual de 30 bilhões de litros de etanol de primeira e de segunda geração, que é a produção atual deste biocombustível no Brasil.
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Para obter essa produção, hoje a cana ocupa cerca de 4,5 milhões de hectares concentrados no Sudeste e Centro-Oeste brasileiro e concorrendo com outras culturas. Ou seja: a produção é a mesma, só que com 1,2 milhão de hectares a menos.
Enfim, no Sertão existiriam cerca de 85 milhões de hectares com potencial para a produção de agave, que na sua maior parte possui atividade agropecuária instável e de baixa produtividade como consequência das limitações de clima e solo.
“Se eu tivesse de dizer como é que começa isso na prática, acho que os primeiros empreendimentos serão utilizando o próprio sisal que já está plantado e do qual como eu comentei 96% da biomassa, e isso incluindo a água, é simplesmente jogado fora”, conclui Gonçalo.