Indústria

Estudo mostra como usinas de cana podem reduzir o consumo de água

O consumo nas usinas de cana pode diminuir entre 11 e 13%

Foto: André May/Embrapa
O consumo nas usinas de cana pode diminuir entre 11 e 13% Foto: André May/Embrapa

Medidas simples e bem direcionadas podem resultar em reduções expressivas no consumo de água em usinas de cana-de-açúcar. É o que mostra estudo desenvolvido pela Embrapa Informática Agropecuária (SP), em conjunto com a Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Piracicaba (SP).

Tecnologias como a limpeza a seco da cana-de-açúcar para a queima da palha nas caldeiras de alta pressão fazem com que o consumo diminua entre 11 e 13%, em relação à lavagem úmida que é bem usual atualmente. A substituição do “splay”, sistema de refrigeração por aspersão, pela torre de resfriamento reduziria as perdas de 5 a 8% para 1,5 a 3%, no total do balanço hídrico.

Adotando-se o conjunto de medidas propostas pela pesquisa, pode-se adequar a captação da água das usinas à legislação ambiental. De acordo com o pesquisador Fábio César da Silva, da Embrapa Informática Agropecuária, para reduzir ainda mais esses números é necessário o tratamento do reúso da água contida no efluente e a realização de processos como a concentração e a biodigestão da vinhaça.

O pesquisador explica que a modelagem do balanço hídrico fornece dados que permitem estimar o consumo de efluentes e estabelecer o tipo de operação unitária para o seu tratamento, além de avaliar o impacto do uso da água pela destilaria, no caso da produção de etanol, e pela fábrica, na produção de açúcar.

Para isso, sugere a instalação de um desareador para o aumento da eficiência térmica da caldeira, a substituição de trocadores de calor a placas por chillers de redução de temperatura na fermentação do mosto, a limpeza a seco da cana-de-açúcar e a instalação de torres de refrigeração para reutilização da água em operações unitárias da própria usina.

“A otimização do consumo hídrico da usina é essencial para a sustentabilidade do agronegócio sucroalcooleiro. Dessa forma, empregar sistemas de água fechados fazendo somente a reposição das perdas de processo traz enormes vantagens econômicas para a usina e diminui a captação de água bruta de rios, lençóis freáticos e mananciais”, afirma Silva.

O balanço hídrico é usado por gestores das áreas agrícola e industrial visando à redução de custos de produção e também com o objetivo de identificar pontos nos quais, com o uso de tecnologias mais modernas, seja possível reduzir ainda mais o consumo de água e aperfeiçoar a prática do reúso, conta o engenheiro-agrônomo Ericson Marino, diretor da Consultoria EPP. Marino acompanhou a aplicação da metodologia na Usina Iracema, localizada em Iracemápolis (SP).

“Esta usina já pratica uma gestão cuidadosa de seus recursos hídricos por estar em uma região na qual já não há muita água disponível para uso industrial, pois as captações disponíveis na região estão comprometidas com o abastecimento da população nela residente. No teste conduzido na Usina Iracema verificou-se a perfeita aplicabilidade do modelo desenvolvido pela Embrapa Informática Agropecuária”, disse Marino.

O consultor alerta que os processos de produção de açúcar e de etanol têm variantes de tecnologia que precisam ser levadas em conta quando se faz o balanço hídrico da unidade considerada. “Portanto, as diversas alternativas já conhecidas e que se destinam à redução do consumo e reúso da água têm de ser adaptadas a cada situação”, informa.

No caso de usinas e destilarias recém-construídas, os projetos já incorporam as melhores alternativas disponíveis e o que ainda pode ser feito nestas novas unidades depende de uma análise de viabilidade econômica e financeira, segundo Marino. “E este é o caso da biodigestão da vinhaça e de sua evaporação posterior à biodigestão. A água evaporada para concentrar a vinhaça tem reúso garantido em várias etapas do processo de produção de açúcar e etanol.”

Os pesquisadores envolvidos no estudo explicam que agora é possível determinar a quantidade de consumo de água na produção e as medidas necessárias para a sua otimização de uso e reúso, assim como distinguir os processos de utilização de água e efetuar o dimensionamento de tubulações (coletores, distribuidores, entre outros), bombas, trocadores de calor, evaporadores e estações de tratamento de água.

Três décadas atrás, a captação de água na indústria sucroalcooleira era de 15 a 20 m³ por tonelada de cana. Uma redução ocorreu devido à legislação ambiental e à implantação do sistema de cobrança pela utilização de recursos hídricos, decorrentes da Constituição Federal de 1988.

Levantamento realizado pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em 1997, analisou a captação de 34 usinas da Copersucar, que chegou à média de 5 m³ por tonelada. Em 2012, no Estado de São Paulo, o valor foi de 1,26 m³ por tonelada, de acordo com dados da Secretária do Meio Ambiente de São Paulo.

Os resultados da pesquisa auxiliam no desenvolvimento de soluções sustentáveis para as produções de etanol e de açúcar. Os dados foram obtidos a partir de diagnóstico sobre a intensidade da utilização de recursos hídricos nas atividades relacionadas ao processamento da cana-de-açúcar e estão disponíveis na internet.

O trabalho foi apresentado no final de 2014 no Conference on Sugar Processing Research (SPRI 2014) na forma do artigo “Analysis of water comsumption in the sugar and alcohol mills in Brazil” e no Congresso Nacional de Bioenergia da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), sob o título “Análise de consumo hídrico em usinas sucroenergéticas e as práticas de reúso de efluentes”.

Limpeza a seco

Quatro usinas foram submetidas aos métodos de avaliação propostos pela pesquisa realizada em colaboração entre a Embrapa e a Fatec. Três delas apresentaram uma relação de consumo de água por tonelada de cana satisfatória e dentro dos parâmetros hídricos solicitados pela Secretaria do Meio Ambiente, que determina que o consumo de água deve ser abaixo de 0,7 m³ por tonelada de cana processada. Uma usina analisada, que utiliza 1 m³ por tonelada, deve investir na otimização do balanço hídrico da fábrica.

Segundo Silva, os estudos realizados reduzem a captação de 0,69 a 0,62 m³ por tonelada, indicando as práticas que permitem chegar a esses valores. “Como solução para o uso inadequado e exagerado dos recursos hídricos nas produções de álcool, podemos apontar a otimização dos fatores que influenciam o funcionamento e reduzem as perdas dos equipamentos e processos de resfriamento”, avalia.

O Brasil está entre os maiores produtores de álcool do mundo, e no País funcionam 347 usinas. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), na safra 2013/2014 foram produzidos 40,97 milhões de toneladas de açúcar e 27,17 bilhões de litros de etanol numa área plantada de 8,8 milhões de hectares. Isso significa que houve o consumo aproximado de 880 milhões de metros cúbicos (m³) de água pelas usinas, embora a maioria tenha circuitos de água fechados.

O estudo traz resultados de impacto positivo para o setor sucroenergético, já que há carência de pesquisas nessa área, na opinião de Marino. “A administração deste recurso, hoje tão escasso, exige e exigirá cada vez mais instrumentos de gestão mais poderosos em termos de capacidade de planejamento e previsão de crises, com antecedência suficiente para orientar atitudes no âmbito das empresas privadas e dos órgãos governamentais”, diz. “É também importante instrumento da gestão ambiental que está cada vez mais responsável nas usinas e destilarias brasileiras”, avalia.

As soluções apresentadas são tecnicamente viáveis, embora tenham um custo elevado. Contudo, muitas usinas já vêm adotando tecnologias como a limpeza da cana a seco ou adequando o processo de extração do caldo de cana sem que esta seja lavada. Várias delas também estão instalando evaporadores de vinhaça, para atender à legislação ambiental. Outra tendência é o uso de torres de resfriamento, que devem substituir as piscinas de resfriamento de água ou tanques ‘spray’, mais comuns em usinas e destilarias antigas.

Fonte: (Tribuna da Bahia)