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Estudo capta impactos do cultivo da cana-de-açúcar no país

Pesquisadores da Repórter Brasil percorreram 8 Estados para registrar os impactos do monocultivo canavieiro e encontraram problemas trabalhistas, ambientais, sociais e fundiários relacionados à expansão da cultura no país.

Pelo menos 10 mil cortadores de cana-de-açúcar cruzaram os braços em diferentes cidades paulistas como Colômbia, Viradouro, Terra Roxa, Morro Agudo, Pontal e Sertãozinho, em outubro de 2008. Assim como nas históricas greves de Guariba (SP), as paralisações não surgiram de uma articulação sindical centralizada, mas foram fruto da insatisfação generalizada no que diz respeito à remuneração oferecida pelas empresas sucroalcooleiras.

O agravamento das condições enfrentadas pelos trabalhadores rurais da cana-de-açúcar aparece como uma das consequências que fazem parte do relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis – Cana 2008 – Impactos das lavouras sobre a terra, o meio e a sociedade”, do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da ONG Repórter Brasil.

Divulgado nesta quarta-feira (21), o trabalho traz um alerta sobre o contraste entre riqueza e pobreza que caracteriza o setor sucroalcooleiro: por um lado, altos investimentos nacionais e internacionais garantem o desenvolvimento de tecnolologia de ponta; por outro, o avanço da monocultura gera danos ambientais e milhares de trabalhadores continuam submetidos à superexploração laboral e, em alguns casos, ao trabalho escravo.

“Desde o final da década de 1990, a remuneração pelo trabalho vinha acumulando pequenos aumentos reais quando comparada à evolução dos preços dos alimentos, mas essa tendência se inverteu em 2008. Os reajustes salariais obtidos durante as negociações raramente chegaram a dois dígitos, enquanto o preço da cesta básica avançou 16%”, coloca o relatório.

A produtividade do trabalhador no Estado de São Paulo – onde estão concentrados 59,5% da produção de cana do país – cresceu 11,9% desde 2000, mas o preço pago ao cortador de cana avançou 9,8%. Após as greves de outubro do ano passado, muitas companhias até aumentaram o piso salarial e o valor pago pela tonelada da cana, mas permaneceu um hábito que relembra o passado: a perseguição aos chamados “cabeças da greve” – trabalhadores “mais conscientes” e que possuem influência sobre os outros.

Na safra 2007/2008, a área plantada de cana cresceu 14,2% em 2008 e chegou a 7,01 milhões de hectares. A monocultura avançou sobre o Cerrado, a Amazônia, o entorno do Pantanal e o trecho da Mata Atlântica localizado no Nordeste. Estudos do Ministério do Meio Ambiente e de diversos centros de pesquisa denunciam os riscos trazidos pela cana à biodiversidade, aos recursos hídricos e à qualidade do ar, o que minimiza as vantagens trazidas pela queima do etanol em relação à gasolina em veículos automotores.

Na versão atual da “lista suja” de empregadores flagrados com trabalho escravo, divulgada em dezembro pelo Ministério do Trabalho e Emprego, traz o nome de pelo menos sete fazendas de cana ou companhias sucroalcooleiras, localizadas nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Ceará.

Pesquisadores do CMA estiveram nos alagados do Pantanal – no rastro dos impactos ambientais e sociais, especialmente sobre os povos indígenas do Mato Grosso do Sul -, nas tradicionais usinas e nos locais de origem dos trabalhadores no Nordeste e em pontos de cultivo de cana na Amazônia e conferiram o conjunto de problemas dessas regiões. Foram percorridos oito Estados: Acre, Alagoas, Pernambuco, Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo. Trabalhadores, empresários, administradores públicos, pesquisadores e moradores foram entrevistados.

Em 2008, 29 usinas entraram em operação ao longo de 2008 na Região Centro-Sul – que engloba Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Desde 2005, o número de companhias de etanol inauguradas no Centro-Sul chega a 81. O Centro-Sul mantém dentro de suas fronteiras 372 das 447 usinas cadastradas atualmente na Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Também em 2008, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberou R$ 6 bilhões para investimentos no setor sucroalcooleiro, 61% a mais do que foi aplicado no ano anterior. Desde 2004, o banco estatal já assinou contratos para apoiar a construção de 43 novas usinas no país.

A crise financeira internacional, que eclodiu no segundo semestre e foi utilizada por empresas para justificar o aperto nas condições no campo, deve atrasar uma série de novos projetos. Mas não a ponto de reverter o ciclo de expansão. A produção nacional de cana, que subiu 13,9% em 2007/2008 em relação à safra passada, deve crescer mais 7,6% em 2008/2009.

O relatório do CMA sobre os impactos da cana-de-açúcar no Brasil é mais um da série “O Brasil dos Agrocombustíveis”, que já possui análises sobre soja, mamona, dendê, algodão, milho e pinhão-manso. Ao longo de 2009, novos relatórios de impacto serão produzidos sobre essas culturas, com o objetivo de avaliar a evolução das práticas trabalhistas e ambientais nas lavouras de culturas utilizadas para a produção de agrocombustíveis no Brasil.

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