JornalCana

Estamos vivendo o neocolonialismo do etanol

Desde 1500, somos apenas fornecedores de produtos agrícolas e quase tão-somente uma fonte de matéria-prima para o mundo. Não determinamos a cadeia tecnológica de beneficiamento e de agregação de valores de qualquer produto. Não é preciso ir tão longe nem comentar casos anteriores à Revolução Industrial, quando o acesso à tecnologia e ao conhecimento ainda era muito limitado.

A borracha – O país já foi potência mundial na produção de látex. Manaus era a sede da aristocracia e dos coronéis da borracha, o que não duraria devido à busca de ganho a curto prazo e falta de visão a longo prazo. Deixaram que a tecnologia envolvida no desenvolvimento genético da seringueira, na produção de borracha e na sua industrialização viesse de onde nós sempre achamos que deveria vir: “do estrangeiro”. Malásia, Indonésia e Tailândia tornaram-se os maiores produtores de borracha do mundo. Hoje, o Brasil não está entre os cinco.

O cacau – Coronéis novamente. Ninguém investe em pesquisa e: ataque de “chapéu de bruxa”! Quem trabalhava em melhoria dos cacaueiros? O ciclo do café: os barões do café “já eram” há tempos. Hoje, o maior mercado de café é a Alemanha, que não tem um pé sequer de café plantado.

Mas o Brasil é uma terra de esperança, eis que chega a cana-de-açúcar! Não era nossa, veio das Índias, trazida por Martin Afonso de Souza, que encheu nosso litoral, principalmente o nordestino, com a produção de açúcar. Coronéis, políticas de benefícios, escravidão e nada de investimento. O Brasil está perto de ser o terceiro produtor mundial de açúcar, mas eis que os coronéis — não os de título, mas os de profissão – nos trouxeram algo de bom. Os militares, nos anos 70, encomendaram ao Instituto Militar de Engenharia que descobrisse uma forma de ficarmos livres e independentes do petróleo – questão estratégica na época, não ambiental. Com um pessoal bem intencionado da USP/São Carlos, engenheiros trabalharam no projeto técnico (tecnologia, termo inédito até então neste texto) em torno do etanol como combustível. Assim dá certo, não é?

Mas o Brasil não poderia se livrar tão facilmente do colonialismo e os neocoronéis atacam novamente! Falta álcool nos postos, consumidores descrentes, falta de demanda, preço ruim, falta investimento: eis que o Brasil mata sua única investida certeira e o carro a álcool morre! Hoje não existem mais veículos a álcool, existem os flex, veículos a gasolina que também podem rodar com álcool. Só são abastecidos com o combustível verde porque esse é mais barato na safra.

Aliás, serve o parêntese, ninguém vai salvar o mundo se não ganhar dinheiro com isso. Se existe uma movimentação mundial em prol dos biocombustíveis, é somente porque o petróleo vai ficar nos US$ 100 o barril, e isso vai quebrar todo mundo que não o tem.

Hoje, no Brasil, pouco mais do que 40% das usinas e destilarias estão sob capital nacional. Destas, boa parte está promovendo a abertura. Investimentos do exterior, é claro. Quem dominará a tecnologia e a produção do etanol no futuro? Suécia, Holanda, EUA, Índia. Ou vocês achavam que seria o Brasil? Seria?

Pois não, aqui vai: a sueca Scania vendeu ao governo do Estado de São Paulo 17 ônibus urbanos ciclo diesel movidos a etanol. Porque o Brasil não tem essa tecnologia? Por que temos que comprá-la? Quem falou que motores ciclo diesel trabalhando com etanol é bom para o Brasil? Deve ser bom porque já está pronto e pode ser usado rapidamente – em 2008 tem eleição e esperar que alguém faça por aqui demora, não é?

Se transformássemos um motor ciclo diesel para álcool, trabalhando em ciclo Otto, o custo do veículo seria menor. Se for retirado o sistema de injeção do motor diesel, o custo do mesmo cairia quase pela metade. Não necessitaria de combustível especial, o dos suecos necessita de detonantes altamente tóxicos e de estocagem especial e poderia ter a revenda garantida depois de amortizado. E ainda atenderiam aos padrões de emissões Euro 5 (dois à frente do nosso atual) somente com catalisadores convencionais. A título de contribuição, vale saber que um dos motivos principais da escolha de um veículo de transporte é o que fazer com ele depois de ter seu tempo de uso esgotado, esse é um dos motivos, por exemplo, por que o ônibus a gás não vingou.

O Brasil pode perder novamente o bonde da história e não terá mais a tecnologia do etanol como a de ponta no mundo. Não ditará o mercado e novamente será um país que produz muito e não agrega nada.

Já dizia um sociólogo que a história não se repete e quando se repete é uma grande farsa. Não façamos da nossa história uma farsa. Ainda há tempo de fazer do Brasil uma potência mundial de bioenergia.

Inscreva-se e receba notificações de novas notícias!

você pode gostar também
Visit Us On FacebookVisit Us On YoutubeVisit Us On LinkedinVisit Us On Instagram