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Entrevista: “Futuro da cana não está apenas no etanol”

A forte elevação dos preços do açúcar no mercado internacional é um reflexo da volta dos recursos que saíram das commodities durante a crise de liquidez de 2008. E essa volta está sendo alimentada pelos fundamentos cada vez mais favoráveis apresentados pelo setor sucroalcooleiro, segundo Fábio Venturelli, presidente executivo do grupo São Martinho, um dos maiores produtores de açúcar e álcool do País.

O executivo, porém, acredita que a mesma crise que tirou o crédito do mercado foi responsável por limitar a expansão desenfreada de novos concorrentes, ao tornar evidente que, para sobreviver no setor, há a necessidade de ser eficiente tanto na área agrícola como na industrial. O executivo, há dois anos no comando do São Martinho, veio de uma carreira bem-sucedida como diretor da Dow Química no Brasil e nos Estados Unidos com a missão ! de consolidar a profissionalização do grupo e triplicar seu tamanho até 2020. Venturelli mostra cautela diante do movimento de consolidação que o setor atravessa neste momento e afirma que o futuro está muito além do etanol: está no aproveitamento da eficiência do carbono proveniente da cana.

O sr. acredita que os preços do açúcar estão altos mesmo considerando os fundamentos positivos, como o déficit mundial de oferta e a incapacidade da Índia em retomar sua produção rapidamente?

Sim, as cotações estão sendo sustentadas pelo déficit mundial de oferta, mas os níveis de alta estão um pouco elevados por causa do retorno de fundos e especuladores ao mercado com grande apetite. Desde a crise, esses recursos estavam à margem do mercado e agora, diante do cenário positivo, estão voltando.

E esse movimento pode ser negativo?

Acredito que isso pode deixar as cotações um pouco acima do real, principalmente em função da especulação. É como se em cima do bolo h! ouvesse uma camada extra de creme. Não digo que a alta não seja real. Ela é, com certeza. Mas talvez preços muito acima de US$ 0,20 sejam um pouco distorcidos. E vale lembrar que, em 2006, uma forte alta nos preços foi verificada em um período um pouco maior que uma semana. Mas em igual período a alta também foi realizada. Então, precisamos saber o que é a alta provocada pelos fundamentos e o que é especulação.

Que papel teve a crise na atual situação do setor sucroalcooleiro?

A crise foi a melhor coisa que aconteceu para o setor, apesar de seus aspectos negativos como falta de liquidez e crédito. O que aconteceu foi que criou-se uma expectativa de que qualquer investidor poderia entrar nesse mercado e se dar bem. E isso é um engano.

Então o senhor acredita que a consolidação provocada pela crise é positiva para o setor?

Quando a consolidação é feita partindo da premissa de que as duas empresas que se consolidaram vão produzir mais valor juntas que separadas, acho que é positivo. Porém, estávamos vendo algumas consolidações que subvertiam essa afirmação. E se o valor da nova empresa é inferior ao gerado individualmente por cada uma das duas, é óbvio que a coisa pode não funcionar.

E como a São Martinho pretende participar desse movimento?

Em primeiro lugar, com cautela, sempre levando em conta a lógica de que esse processo tem de ser feito para agregar valor. Até o momento, nos processos que participamos, propomos ter uma participação como investidor na empresa e, com esse papel, ajustar a empresa para depois, mais adiante, intensificar o processo de consolidação. Mas existem várias formas de consolidação. Não precisa ser necessariamente por meio da aquisição da usina, pode ser por meio da compra de canaviais, de matéria-prima.

E construção de novas usinas, o sr. acha viável?

Não neste momento. Acredito que os próximos passos no processo de consolidação serão feitos via aquisição de usinas já existentes. E poderão ser feitos com recursos de novos entrantes, com dinheiro de fora do setor. O setor vai voltar a participar do processo de consolidação com maior força quando sua capacidade de endividamento voltar a crescer. No momento, ela não existe.

Recentemente, dois importantes jornais americanos publicaram editoriais condenando o imposto de importação de etanol praticado pelos Estados Unidos. O senhor acredita que está havendo uma mudança de mentalidade e que isso possa beneficiar o Brasil?

Em primeiro lugar, acredito que o mercado de etanol do Brasil não depende do mercado americano. Depende do mercado interno, é nele que devemos nos concentrar. O mercado externo é um complemento e, nesse contexto, os EUA são importantes. E o que ocorre hoje lá é que o imposto não está conseguindo mascarar a realidade de que o etanol de milho é menos eficiente. Os EUA são muito dependentes das tradings gigantes, q! ue são fortes em milho, mas aos poucos eles estão descobrindo os benefícios da cana. E uma abertura maior do mercado externo ainda depende também de toda a questão envolvendo a forma como o Brasil cuida de seus recursos naturais.

E o futuro deste setor?

Não acredito que o futuro seja apenas etanol. O futuro vai estar nas mãos de quem souber aproveitar com maior eficiência o carbono renovável existente na cana. E com este carbono produzir plásticos, outros combustíveis como óleo diesel, utilizações práticas em produtos químicos. E tudo de forma renovável. A cana é a fonte mais barata de energia renovável do mundo.

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