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Entrevista ao repórter Juan Velásques

As altas consecutivas no preço do petróleo e a expectativa de que o preço não voltará mais a valores inferiores a US$ 50 causaram uma mudança estratégica na indústria petroquímica. O setor usa a nafta, derivada de petróleo, para produzir resinas plásticas que suprem toda a demanda por produtos sintéticos no mundo. A nafta representa quase 90% dos custos de produção do setor. Logo, é preciso mudar o negócio, ainda que a longo prazo.

E os combustíveis obtidos a partir da biomassa, principalmente de resíduos sólidos urbanos, industriais e florestais, estão ganhando competitividade.

Para o consultor belga Edouard Croufer, da Arthur D. Little, a indústria petroquímica brasileira deve estar atenta a essa transformação e crescer sustentada em três pilares básicos: buscando boas opções para substituir o petróleo, ampliando sua presença no mercado mundial e não apenas no regional e, finalmente, potencializando o mercado local. A Arthur D. Little assessora as maiores petroquímicas do mundo.

INVESTNEWS – O que acontece com o petróleo valendo cerca de US$ 60 o barril?

Croufer Um preço de US$ 50 é um ponto em que o petróleo começa a ganhar outros competidores. Outras fontes de energia começam a ser tão competitivas quanto ele. E a mais promissora delas é a biomassa. É a primeira vez na história em que o valor do combustíveis fósseis está próximo do da biomassa, que é renovável. Pela primeira vez chegamos a uma paridade de custo entre uma árvore que ficou milhões de anos no chão para virar petróleo e uma árvore que ainda não foi cortada. O custo de transformar em matéria-prima esta última pode ser mais baixo hoje do que extrair petróleo a US$ 60 o barril.

É o caso da mamona, do bagaço de cana-de-açúcar e até mesmo do camarão, com o qual se pode fazer uma resina plástica muito boa. Esta paridade de custos não acontecia até ontem. Agora, há um outro ponto benéfico no fato de o petróleo ser substituído em alguns setores, como seu uso na forma de gasolina, por exemplo. Isso porque, todos estes anos estivemos usando um imenso cartão de crédito que se chama petróleo. Estamos comprando a crédito de nossos netos, estamos comendo as reservas deles a preço artificial. US$ 50 o barril começa a ser um ponto crítico.

IN – E a petroquímica, é uma forma mais inteligente de usar o petróleo?

Croufer Sim. Porque você transforma um produto que está no chão em um produto utilizável (plástico ou sintético) em vez de queimar, fazer desaparecer como fumaça e muitas vezes sem razão. Isto é típico dos americanos, que no verão tem um ar condicionado a 18º e no inverno usam o mesmo ar condicionado a 22º. Não posso entender. É um gasto duplo de energia, uma para superaquecer e outra para resfriar. E não há heróis. Todos nós gastamos o petróleo como se fosse um cartão com crédito inesgotável.

IN – Qual é o caminho para a petroquímica brasileira?

CrouferO Brasil precisa lembrar que a petroquímica sempre foi um dos negócios mais internacionais do mundo. Por uma razão muito simples: não dá para construir uma fábrica petroquímica apenas para um mercado. Quem faz isso deve ter um mercado consumidor muito grande e que consuma de fato. E nenhum país, com exceção dos EUA, possui um consumo de plástico que justifique a construção de uma fábrica para atender apenas os clientes doméstico. Logo, um fator muitíssimo importante para o Brasil é escapar do isolamento. Durante muitos anos, os líderes do Brasil não consideram o setor comercial e industrial e fecharam o País para o mundo por meio de barreiras.

Meu ponto de vista é que estas barreiras não resolvem os problemas. É melhor reconhecer imediatamente que é necessário jogar como todo mundo no comércio mundial. Ignorar isso é arriscado. A própria Europa é um exemplo. Ela ficou protegida por barreiras por muitos anos e quando decidiu abrir seu mercado já era tarde demais, porque o mundo já estava formado. Ficamos correndo atrás do trem. Isso o Brasil não deve fazer. Este é um ponto muito importante.

IN – Qual a vantagem do Brasil neste jogo?

Croufer Como eu disse, na Europa nós abrimos o jogo. E lá o Brasil pode ganhar muito porque é um dos únicos países do mundo que tem espaço e grandes possibilidades de geração energia e produção de combustíveis a partir de fontes renováveis. Vocês têm possibilidade de dar comida aos 170 milhões de habitantes e ao mesmo tempo criar espaço para desenvolver a biomassa. O Brasil pode sair desta história muito bem. É preciso ver o que está acontecendo e jogar o jogo. É importante agir, ver os clientes potenciais. Abrir o jogo e olhar para fora.

A Arthur D. Little fez um estudo no qual simulava uma fábrica de químicos básicos e de plásticos. Uma fábrica típica de plásticos. Daí, imaginamos construir ela em cinco lugares do mundo: Oriente Médio, América do Norte (os cálculos para o Brasil são iguais), Europa, China e Índia. Vimos que o Brasil, Europa e América são bem mais competitivos do que a Índia e a China.

IN – O que determina essa diferença de competitividade?

Croufer Índia e China nunca serão competitivas porque estão longe da matéria-prima. Seja ela a nafta petroquímica ou o gás natural, que hoje é a alternativa mais competitiva à nafta e é o caminho mais previsível que as petroquímicas vão trilhar. China e Índia não são tão competitivos porque a petroquímica não se define pelo custo da mão-de-obra e sim pelo da matéria-prima, de otimização do uso da matéria-prima. China e Índia não têm matéria-prima.

Eles não têm petróleo. De onde vem o petróleo da China? Vem do Oriente Médio. Mas se você tem petróleo no Oriente Médio é muito mais fácil você fazer o plástico lá mesmo e mandar para a China. Bem, nosso estudo mostra que produzir plástico no Oriente Médio é incomparavelmente mais barato do que produzir na China. Boa novidade. O Brasil e os países da Europa são duas vezes menos competitivos do que um produtor no Oriente Médio.

Por isso, digo que o Brasil não pode resistir com barreiras de importação. O Brasil está protegido hoje por taxas de cerca de 15% na petroquímica. Mas há mercados com taxas de 50%. Então eu ataco seu mercado de 15% e ainda me sobra espaço para ficar superavitário. Tenho que ignorar, no caso dos petroquímicos básicos, que há matéria-prima em condições muito atraentes no Oriente Médio e também na Rússia, na Venezuela e no Peru. Se alguém transforma esta matéria-prima em plástico, será muito competitivo.

IN – Qual o caminho para o Brasil crescer?

Croufer Só pode competir no mundo petroquímico quem está sobre reservas de gás natural e que possui quantidade suficiente deste gás. A maior reserva de gás no mundo está na Rússia. Perto do Brasil há reservas na Venezuela e em alguns outros locais próximos. O Brasil deve fazer outras parcerias com os países nos quais existem estas reservas de gás e de petróleo.

IN – Mas os salários na China são muito baixos…

Croufer Os salários dos chineses são incrivelmente menores do que um trabalhador da Europa. Na indústria petroquímica, porém, o salário tem pouca importância. Considerando a questão do custo da mão-de-obra, o produto europeu é muito mais caro do que o chinês, mas a única variável realmente importante neste negócio é a matéria-prima. O que importa para vender no Brasil e competir no exterior é o custo de capital. E como o custo de capital é muito importante, também é preciso construir uma fábrica grandes, muito grandes. Muito maiores do que o Brasil já construiu até agora. Vocês estão olhando muito para dentro do País e agora é necessário olhar para o mundo. E você precisa estar atento ao custo de capital. Hoje, para gerar R$ 1 milhão em vendas é preciso investir R$ 1 milhão de capital. Repito que a única maneira de ser eficiente é fazer uma fábrica muito grande. Quanto à captação de dinheiro no mercado de capitais não há nenhum problema hoje em dia. Há no mundo grande disponibilidade de capital, um excesso de caixa que não se sabe onde investir. E todo mundo que não sabe onde investir vai enriquecer as Bolsas de Valores. Hoje, a Bolsa sobe, mas não necessariamente porque os papéis valem mais, mas porque se injeta muito dinheiro nela. Não há problema hoje em dia em achar dinheiro. Seja no Brasil, na Índia ou na China. Você pode pegar dinheiro no mundo pelo custo da inflação mais 4% ou 5%. Levando-se em conta que o custo do risco da indústria no mundo é mais ou menos 6%, você pode pegar no Brasil dinheiro a 10% ou 8% mais o risco da indústria. Já nos EUA custa mais ou menos 4%, mais os 6% de custo do risco.

IN – Mas o mercado interno brasileiro não é desenvolvido. Isso é um problema?

Croufer Você tem uma grande vantagem no Brasil que é a possibilidade de crescimento da demanda interna. Diferente de meu país (Bélgica), que possui 10 milhões de habitantes, o que representa metade das pessoas só desta cidade (São Paulo). Isso é uma variável. Outra variável também importante é ser um cluster. Ser integrado com a matéria-prima. O que é isso? É estar na refinaria no momento em que se usa o petróleo para produzir gasolina e uma outra parte é aproveitada para a petroquímica. É como um jogo de Lego (o petróleo), em que você quebra e depois sobram peças. Se a sua fábrica petroquímica está no lugar certo, você dá um jeito de usar tudo, não desperdiçar nada. Isso é integração, porque você deve cuidar também para que não saia de sua fábrica nada que não seja utilizado.

IN – Qual é situação do Brasil no que se refere à integração?

Croufer E o Brasil não está muito avançado nisso. É uma questão histórica. Existem três centrais petroquímicas no País que ainda não estão muito integradas e por isso, também, elas não estão avançadas na especialização química. A maior indústria petroquímica do mundo é a Basf. Ela leva muito à sério a integração. Ela se rodeia de pequenas fábricas que aproveitam o máximo essa proximidade e com isso valorizam cada produto e criam novas cadeias. Isso é um cluster. A indústria petroquímica brasileira é ainda muito baseada em nafta, matéria-prima que tem o mesmo preço no mundo inteiro. Assim é mais difícil diferenciar sua matéria-prima e ter um produto mais competitivo. Já falamos que no Oriente Médio se usa gás muito mais barato que a nafta. É impossível competir com alguém que está sentado numa reserva de gás e é muito mais competitivo do que quem está longe deste gás natural de petróleo. Além disso, no caso do Brasil, você sempre deve evitar que uma pilha de papéis e dificuldades burocráticas atrasem seus projetos.

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