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Entre o pior e o melhor dos mundos

Ao longo das últimas semanas, produtores rurais de todo o país saíram de suas fazendas e obstruíram rodovias e ruas em diferentes estados brasileiros para chamar a atenção para a crise que atinge boa parte do agronegócio. Além de visibilidade, os manifestantes buscavam também pressionar o governo a conceder um novo pacote de ajuda ao setor — o que efetivamente se concretizou no dia 25 de maio, após o anúncio oficial feito pelos ministros Roberto Rodrigues (Agricultura), Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) em Brasília. O conjunto de medidas visa, pelo menos em teoria, dar mais fôlego financeiro aos agricultores na próxima safra, que começará a ser plantada em setembro, e reduzir a pressão sobre os produtores endividados. O volume de recursos do crédito rural, que atingiu na última safra o patamar de 44 bilhões de reais, poderá chegar a 60 bilhões de reais na próxima, incluindo 10 bilhões de reais para a agricultura familiar — valores que fazem do plano agrícola o maior já feito no país. Outro alívio veio com a queda anunciada da taxa de juros a ser cobrada em programas de cooperativas e de compras de máquinas e equipamentos. Além disso, o governo deu descontos e aumentou o prazo para o pagamento de dívidas passadas, o que representará tirar até 10 bilhões de reais das costas dos agricultores neste ano.

São medidas que podem aliviar a pressão no curto prazo — mas que são apenas paliativos diante dos verdadeiros problemas que afetam o agronegócio brasileiro. Infra-estrutura precária, virtual inexistência de instrumentos financeiros modernos para financiamento e proteção, descaso com as questões sanitárias — eis os reais nós a ser desatados pelas autoridades e pelos líderes do setor. Nada disso foi remotamente abordado pelo governo. Além desses problemas estruturais, a crise que se observa no setor foi fomentada também por questões conjunturais — como a queda no preço de algumas commodities agrícolas e a forte desvalorização do dólar ocorrida no primeiro semestre de 2006. “O pacote de emergência não toca no que realmente importa a médio prazo”, diz João de Almeida Sampaio, presidente da Sociedade Rural Brasileira. “A realidade é de enorme carência na infra-estrutura, ao lado de uma violenta crise na renda da maioria dos produtores.”

Essa crise de renda foi evidenciada por uma estimativa recente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg). Os técnicos da entidade estimam que o prejuízo dos produtores brasileiros no ano agrícola deve atingir 30,6 bilhões de reais — número endossado pelo ministro Roberto Rodrigues. O cálculo leva em conta a diferença entre a receita e o custo de produção estimados para cinco culturas: soja, arroz, feijão, algodão e milho. O levantamento com as 400 maiores empresas do agronegócio neste anuário também confirma o cenário de dificuldades. Partindo de uma base bem mais abrangente — as 400 companhias respondem por metade de todo o agronegócio brasileiro –, observa-se uma queda de 2,2% no faturamento real de 2005. Apenas as empresas da Região Sudeste obtiveram taxa de crescimento positiva, embora modesta — em todas as demais regiões as receitas caíram. A situação é particularmente crítica no Centro-Oeste, que fica a mais de 2 000 quilômetros de distância dos portos e, portanto, está mais exposto às deficiências da infra-estrutura. Por lá, o preço da terra — um dos principais termômetros do agronegócio — encontra-se em queda livre.

No município de Rio Verde, por exemplo, o maior em produção de soja do estado de Goiás, muitos agricultores estão se desfazendo de fazendas. Na maioria dos casos, são áreas que foram adquiridas quando os preços da terra — e da soja — estavam em alta. Agora, sem dinheiro para pagar dívidas contraídas nos últimos anos, esses agricultores têm de negociar suas propriedades por valores bem mais baixos. “O problema é que ninguém quer comprar. O mercado de terras está parado”, diz Jacqueline Bierhals, analista do mercado de terras da FNP Consultoria. “Para quem pensa no longo prazo, o momento é bom para adquirir propriedades.” Segundo levantamento da FNP, 1 hectare de terra agrícola em Rio Verde custava em média 8 400 reais em abril de 2003. Um ano depois esse valor chegou a 12 900 reais. Mas, no primeiro bimestre de 2006, o preço do hectare no município caiu para 6 200 reais — menos da metade do valor registrado no pico. Situação semelhante se observa em outras cidades produtoras de soja do país, especialmente após a incidência de uma doença, a ferrugem asiática, nas plantações.

Embora com menor intensidade, as áreas destinadas às pastagens também estão sentindo os efeitos da crise. A cotação da arroba do boi vem caindo, enquanto os custos crescem. A ocorrência de febre aftosa no rebanho brasileiro é um dos motivos da redução dos preços. “Muita gente está mudando de atividade, trocando as pastagens por cana-de-açúcar ou reflorestamento”, diz Jacqueline. O relatório da FNP mostra que, em abril de 2003, 1 hectare de terra para pastagens no município de Tangará da Serra, em Mato Grosso, custava cerca de 2 700 reais. Em dezembro de 2004, esse valor tinha quase dobrado, para 5 300 reais. Mas, no início de 2006, o hectare no município caiu para 3 600 reais. Como decorrência das dificuldades vividas pelos produtores — seja de soja, de carne, seja de outras atividades –, boa parte da cadeia do agronegócio acaba afetada. A última edição do Agrishow, uma das principais feiras de negócios do setor rural, teve resultado decepcionante. A feira, realizada em Ribeirão Preto em maio de 2006, registrou queda de 30% nas vendas totais — os negócios com máquinas e equipamentos foram particularmente afetados.

Um retrato equilibrado da situação do agronegócio brasileiro, no entanto, não se resume ao cenário de crise em segmentos como o do complexo da soja. Paralelamente a essa e outras atividades que vivem dificuldades, há uma gama de produtos que têm passado ao largo dos problemas — o que não deixa de ser uma evidência da amplitude e da força do agronegócio brasileiro. Um dos principais destaques é o setor de cana-de-açúcar. A elevação do preço internacional do petróleo e as suspeitas de que a fase de cotações baixas no preço do barril já tenha passado estão produzindo enorme interesse em torno dos chamados biocombustíveis. Dentre eles, o álcool combustível destaca-se hoje como a principal aposta. No levantamento deste anuário com as 400 maiores empresas, as companhias do setor de álcool registr aram crescimento de 23% no faturamento em relação ao ano anterior. “Investidores do mundo todo estão de olho no potencial desse mercado”, diz João Carlos de Figueiredo Ferraz, presidente do grupo Crystalsev, uma das maiores comercializadoras de açúcar e álcool do país. “Toda semana chega alguém para prospectar oportunidades aqui no Brasil.” O interesse pode ser medido também pelo preço das terras usadas para o plantio da cana. Em muitas regiões, as cotações mais que dobraram nos últimos dois anos — exatamente o oposto do que se vê no setor de soja. Também a área plantada está em expansão, numa evidência de que a atividade está ocupando um espaço que era dedicado a outras atividades. Segundo a mais recente previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção de cana deve aumentar 5% na próxima safra — ante queda na mesma proporção para a soja (veja quadro acima). O café é outra cultura que surge como boa promessa para a próxima safra, graças aos preços em alta no mercado internacional. São mostras de que o grau de robustez e sofisticação alcançado pelo agronegócio brasileiro é capaz de garantir a cada ano uma safra de boas notícias em algum lugar do campo brasileiro — por mais séria que seja a crise que atinge o restante do setor.

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