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Energia limpa e barata

Caroços de açaí, restos de madeira, sobras de agricultura e óleo vegetal. Itens que, num primeiro momento, teriam como destino a lata do lixo podem, na verdade, ser uma solução eficaz, barata e ambientalmente correta para comunidades distantes que não têm acesso à eletricidade. Projeto desenvolvido pela Universidade Federal do Pará (UFPA) leva energia limpa e renovável ao município de Breves (PA), comunidade ribeirinha da Ilha de Marajó, a 160km de Belém. Tudo por meio de uma plataforma flutuante equipada com uma estação geradora de energia a partir da queima da biomassa(1) — totalmente constituída de elementos abundantes na região.

A iniciativa beneficia cerca de 90 famílias, além de abastecer duas pequenas serrarias e uma fábrica de cabo de vassouras. A questão do emprego e da renda dos habitantes também não foi esquecida pelos criadores da plataforma flutuante de energia, totalmente construída na UFPA e rebocada até o município pelo Rio Pará. “A estação conta com uma unidade de extração de óleo vegetal para agregar valor, trabalho e renda às atividades da população ribeirinha”, diz o professor Gonçalo Rendeiro, coordenador do Grupo de Energia, Biomassa e Meio Ambiente (EBMA). De acordo com o cientista, a estrutura tem uma unidade completa de geração de energia por meio do ciclo a vapor, ou ciclo termodinâmico de Rankine (veja arte).

A unidade de geração funciona a partir da queima da biomassa na fornalha da caldeira, gerando calor ao longo de todo o dia. Esse calor, em contato com a água presente na plataforma, faz com que surja vapor d’água, que, em pressão e temperatura elevadas, movimenta as pás da turbina. “A rotação ! dessa turbina aciona o gerador presente na estação, que proporciona energia necessária para o processo e energia excedente, que abastece a comunidade”, explica Rendeiro.

O professor destaca ainda que, com a estação flutuante, os ribeirinhos deixaram de usar pequenos geradores movidos a óleo diesel — fator que traz benefícios econômicos à comunidade, que não precisa mais gastar com a compra do diesel, e evita problemas ambientais mais sérios. De acordo com Rendeiro, o enxofre presente na composição desse combustível pode dar origem a chuvas ácidas.

A plataforma flutuante é desdobramento de um projeto que teve seus primeiros resultados práticos em 2007, quando o grupo de pesquisadores da UFPA inaugurou uma unidade geradora fixa com 200kW de potência. A grande vantagem da versão flutuante é ela poder ser construída totalmente na universidade e depois levada a qualquer lugar. “Temos mais uma unidade de 200kW e outra de 50kW. Todas elas atendem comunidades distantes. Noss! o objetivo, porém, é construir mais três unidades flutuantes de 50kW, além de estações maiores, de 200kW”, revela o coordenador da pesquisa.

Potencial

A maior parte da geração de energia elétrica por meio da queima de biomassa no Brasil é feita pelas indústrias sucroalcooleiras, com ampla utilização do bagaço da cana-de-açúcar. De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), trata-se de uma opção barata, que pode ser disponibilizada em prazos relativamente curtos, além de possuir tecnologia dominada e equipamentos fabricados no país. “O contínuo aprimoramento tecnológico, em especial no setor sucroenergético, vem tornando esse tipo de energia cada vez mais sustentável. O avanço das pesquisas para a utilização da palha da cana-de-açúcar sinaliza um aumento da eficiência energética das unidades industriais, que certamente contribuirá para uma maior disponibilização de excedente de energia para comercialização”, ! afirma Roberto Meira Júnior, coordenador de Fontes Alternativas do MME.

O potencial de oferta identificado, que poderia ser viabilizado a partir da utilização da cana-de-açúcar, conforme o Plano Decenal de Expansão de Energia (2008-2017), abrange os estados das regiões Centro-Sul e Norte-Nordeste. De acordo com o plano, a previsão é que a participação desse tipo de fonte na matriz elétrica nacional aumentará do patamar de 0,9% (maio de 2008) para 2,7% (dezembro de 2017). “A União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) estima que, se fosse possível aproveitar toda a biomassa de cana no país, seria possível a geração de energia da ordem de 10 mil megawatts médios até a safra 2017/18, o que equivale a uma usina do porte de Itaipu”, sustenta Meira Júnior.

Para o coordenador da campanha de energia renovável do Greenpeace, Ricardo Baitelo, a expectativa é que o Brasil gere grande parte de sua energia a partir de fontes renováveis, até a metade deste século. “Isso para conter as emissões de gases na atmosfera e reduzir os impactos sociais e ambientais causados pela construção das hidrelétricas. Sabemos que o Brasil é um país rico em insumos naturais e, por esse motivo, altamente capaz de aumentar a produção de energia por intermédio da biomassa”, enfatiza.

1 – Material orgânico

A biomassa é definida como matéria orgânica de origem animal ou vegetal que pode ser utilizada na produção de energia. Da mesma maneira que a energia hidráulica e outras fontes renováveis, a energia proveniente da biomassa é uma forma indireta de energia solar, pois resulta da conversão da energia solar em energia química por meio da fotossíntese, base dos processos biológicos dos seres vivos. Estima-se a existência de 2 trilhões de toneladas de biomassa no globo terrestre, cerca de 400 toneladas per capita, o que, em termos energéticos, corresponde a oito vezes o consumo mundial de energia primária.

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