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Energia em busca de alternativas renováveis

Pergunta: É possível haver equilíbrio em um quadro de alta do petróleo, custos pouco atrativos de fontes alternativas e a busca de uma matriz energética mais limpa por conta da pressão ambiental?

A matriz energética mundial tem como principal característica depender de insumos fósseis que respondem por cerca de 80% de toda a energia consumida a cada ano. Como os combustíveis fósseis estão entre as principais fontes de emissão de gases do efeito-estufa, o combate ao aquecimento global passa pelo aumento da participação de fontes renováveis na matriz energética. Trata-se de um enorme desafio, sobretudo porque o consumo de energia deve continuar a aumentar, especialmente nos países em vias de desenvolvimento, que têm níveis de consumo de energia per capita muito menores do que os países desenvolvidos.

Esse desafio de conciliar crescimento com meio ambiente é especialmente sensível para o setor de transportes, que atende a quase totalidade de sua demanda energética por meio do uso de derivados de petróleo.

Tecnicamente os biocombustíveis estão aptos a ser utilizados em veículos com motores de combustão interna e podem usufruir da infraestrutura de distribuição existente, no curto e médio prazo, constituindo-se na principal alternativa para que a expansão do consumo energético desse setor ocorra em bases ambientalmente sustentáveis. Entretanto, com exceção do etanol da cana-de-açúcar brasileira, a produção de biocombustíveis não apresenta produtividade e competitividade.

Como consequência, exige grandes extensões de terra em um contexto onde muitos países não possuem disponibilidade desse recurso natural. Isto explica porque os biocombustíveis representam hoje menos de 3% do suprimento energético do setor de transportes em escala mundial, em comparação a quase 50% no Brasil, o que tem levado à realização de grandes esforços no campo da pesquisa para o desenvolvimento de biocombustíveis lignocelulósicos e de veículos elétricos.

O Brasil apresenta condições de expandir sua produção de etanol com base no paradigma tecnológico atual

No âmbito do setor elétrico, as fontes renováveis vêm crescendo de forma significativa, mas ainda insuficiente para modificar de forma substancial a matriz mundial. Exemplos dessa expansão são a energia eólica, que possuía uma potência instalada de 6 GW, em 1996, e ao final de 2011 passou a uma capacidade instalada de 238 GW, e a geração fotovoltaica, que entre 2000 e 2011 expandiu sua oferta de 1,5 GW para 67 GW. Como nos países desenvolvidos e na maioria dos emergentes, o custo das fontes renováveis tende a ser superior ao custo de fontes convencionais e não renováveis de base fóssil, os investimentos em projetos de energia renovável costumam estar associados a políticas públicas de promoção que incluem instrumentos como criação de reservas de mercados e tarifas subsidiadas.

Em muitos países, os gastos com as fontes renováveis mais caras justificam-se não apenas pela necessidade de redução das emissões de gases do efeito-estufa, mas, sobretudo, porque se busca uma diminuição da dependência energética externa. Esse é o caso dos países da União Europeia, que são grandes importadores de combustíveis fósseis, o que deixa suas economias expostas tanto aos riscos de suprimento a partir de poucos fornecedores, o caso do gás da Rússia, como à instabilidade dos preços internacionais do petróleo.

Dessa forma, pode-se afirmar que o principal obstáculo para a ampliação das fontes renováveis em nível mundial são seus custos. Essa dificuldade acentua-se ainda mais diante da atual crise econômica mundial, quando as preocupações com o meio ambiente estão sendo relegadas a um segundo plano em razão dos custos exigidos. Por exemplo, a Espanha suspendeu os subsídios às fontes eólica e solar. E os EUA estão reduzindo os investimentos em energia eólica devido à expressiva redução recente do preço do gás natural de produção nacional.

A inserção da fonte eólica na matriz brasileira está ocorrendo sem o uso de tarifas subsidiadas

A realidade energética brasileira é nitidamente distinta da mundial. As fontes renováveis possuem uma participação de 45% na matriz energética brasileira, em contraste com a média de 13% da matriz mundial. Esse diferencial brasileiro é função basicamente de dois fatores. O primeiro é o uso em larga escala de etanol na frota de veículos leves, processo iniciado em meados da década de 1970 como uma resposta decisiva aos choques de preço do petróleo no mercado internacional. O segundo fator é a matriz elétrica brasileira em que a geração hidroelétrica representa mais de 80% de toda a oferta de energia elétrica.

Por outro lado, a realização de investimentos em fontes renováveis no Brasil é comparativamente menor em relação ao resto do mundo porque há terras férteis disponíveis para biocombustíveis e existem condições concretas para manter a matriz de geração elétrica com alta participação de renováveis.

Existe no Brasil um grande potencial para explorar fontes renováveis com custos muito competitivos em termos internacionais. Na verdade, quando se busca no Brasil a produção de energia ao menor custo, a escolha recai sobre uma alternativa renovável. Dentre os países de maior porte, trata-se de um caso único. A análise dos recursos brasileiros a serem explorados comercialmente por mérito de menor custos indica a manutenção de uma oferta de energia com grande participação de renováveis, com o mesmo mix adotado nas últimas décadas: utilização de derivados energéticos da cana e exploração do potencial hidroelétrico do país. Há apenas uma novidade: a geração de energia eólica, também uma fonte renovável, que vem se tornando competitiva em termos de preços.

Menos de 1,5% da área agricultável brasileira está ocupada com o cultivo de cana destinado à produção de etanol, que tem rendimento de aproximadamente 7.000 litros por hectare e permite reduzir em cerca de 90% as emissões de gases do efeito-estufa em comparação com a gasolina. Portanto, enquanto alguns países desenvolvidos estão investindo volumes crescentes na pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis lignocelulósicos como alternativa para o setor de transporte, ainda sem resultados concretos, o Brasil apresenta condições de expandir sua produção de etanol com base no paradigma tecnológico atual.

O custo de produção do etanol brasileiro é ainda competitivo. A escalada de preços verificada em 2011-2012 foi função de safras ruins e, principalmente, do desequilíbrio de mercado originado na ausência de investimentos na expansão da produção de etanol em uma escala condizente com o crescimento da demanda nos últimos anos. Desta forma, é imperativa a criação de um ambiente de negócios propício à atração de investimentos que possibilite a ampliação da participação do etanol na matriz energética do setor de transportes brasileiro.

Ainda no âmbito do setor sucroenergético, devem ser destacadas as perspectivas de produção de eletricidade a partir da biomassa residual do processo produtivo de etanol e de açúcar. Com base nas estimativas de o Brasil processar mais de 1 bilhão de toneladas de cana em 2020, estima-se um potencial superior a 14 GWmed, equivalente à capacidade instalada de uma e meia Itaipu.

No que se refere à hidroeletricidade, apenas 34% do potencial hídrico brasileiro foi até agora utilizado. Existe assim um enorme potencial remanescente a ser explorado com custos muito competitivos, conforme foi constatado pelos resultados dos leilões das usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, que comercializaram energia a um preço em torno de R$ 80,00 por MWh, valor que é hoje um dos menores do mundo. Destaca-se que esses valores são preços reais, de mercado, sem subsídios.

Entretanto, como 70% do potencial hídrico remanescente está localizado na Região Amazônica, a questão ambiental vem constituindo-se em um fator restritivo, podendo inviabilizar a exploração desse potencial, levando o Brasil a ter que contratar centrais termoelétricas, mais caras e mais poluidoras. Dessa maneira, a construção de usinas hidroelétricas na Região Amazônica deve ocorrer em linha com a legislação e normas ambientais, buscando a minimização dos impactos ao meio ambiente e com as devidas compensações ambientais, econômicas e sociais.

Essas compensações são uma forma de preservação do meio ambiente e de fazer com que a hidroeletricidade atue como vetor de desenvolvimento para essas regiões carentes de educação, saúde e saneamento.

Um forte argumento a favor da utilização do potencial hidroelétrico é que a avaliação ambiental deve ter um caráter estratégico, sendo realizada na fase do planejamento por meio da comparação dos impactos ambientais das diferentes alternativas de investimento, pois essa metodologia permite que de fato sejam implementados os projetos com menores impactos ambientais.

Essa visão estratégica difere da metodologia de avaliação atual, onde se analisa cada empreendimento em específico e geram-se distorções resultando em morosos processos de licenciamento de projetos hidroelétricos, em contraste com os processos de licenciamento de projetos térmicos, que são rápidos e ágeis, e, no entanto, aprovam projetos que são emissores de grandes quantidades de gases do efeito-estufa e de poluentes locais como material particulado, SOx e NOx.

Outra importante alternativa complementar para o setor elétrico brasileiro é a energia eólica que possui um potencial superior a 300 GW, estimados com base em novas tecnologias que já consideram torres com cem metros de altura. Em 2001, o Brasil praticamente não detinha energia eólica em sua matriz. E para 2016 já foram contratados aproximadamente 8 GW. Ao contrário do verificado em países como Alemanha, Espanha e Portugal, a inserção da fonte eólica na matriz brasileira está ocorrendo sem o uso de tarifas subsidiadas. Os últimos leilões de contratação de energia eólica resultaram em preços extremamente competitivos, em torno de R$ 100,00 por MWh, sendo decisiva para esses resultados a regularidade dos ventos brasileiros que permite a obtenção de fatores de capacidade bem superiores à média mundial, a rápida formação de um parque industrial com a participação dos principais players internacionais e a atuação decisiva do BNDES como fonte central de financiamento a juros baixos.

As perspectivas da matriz energética brasileira precisam contemplar o fato de que o Brasil, nos próximos anos, se transformará em um grande produtor de hidrocarbonetos devido às reservas dos campos do pré-sal. Para dimensionamento desse potencial, estima-se que no horizonte de dez anos a produção brasileira de petróleo atingirá o patamar de 6,4 milhões de barris de petróleo por dia em contraste com os 2 milhões atuais. Nesse sentido, é comum existirem questionamentos relativos ao impacto que a produção de energéticos fósseis nos campos do pré-sal poderá ter sobre os investimentos em projetos de fontes renováveis de energia.

Os estudos que vêm sendo desenvolvidos pelo GESEL-UFRJ indicam que a política energética brasileira não deve estar fundamentada em uma dicotomia entre o aumento da oferta de petróleo e gás e os investimentos em fontes renováveis de energia. O planejamento deve ter um caráter integrado, inclusive considerando políticas de gerenciamento da demanda, de forma a garantir a segurança do suprimento energético com preços competitivos e minimização dos impactos ambientais da produção e do consumo de energia.

Nesse contexto, nota-se, por exemplo, a importância da oferta crescente de gás natural como insumo complementar à expansão do parque hidroelétrico que, por restrições ambientais, está crescendo sem a construção de novas usinas com grandes reservatórios. Essa relação de complementaridade se dá porque esse gás pode ser utilizado em usinas termoelétricas a serem operadas durante o período seco do ano, que vai de abril/maio até novembro, de forma a complementar a geração hídrica, em conjunto com centrais eólicas e de bioeletricidade.

Concomitantemente, a crescente produção de petróleo deve ser utilizada para garantia do auto-suprimento brasileiro, mas sem que essa maior oferta oriunda dos campos do pré-sal ocasione a formulação de políticas que estimulem a demanda por derivados de petróleo. Além da importância do etanol para o abastecimento da frota de veículos leves, a utilização de biodiesel, e até mesmo de produtos da alcoolquímica, devem ser estimulados quando os mesmo se apresentarem minimamente competitivos em relação aos derivados de petróleo. Dessa forma, o eventual excesso de produção de petróleo deve ser destinado à exportação para atração de divisas em um contexto onde o preço do petróleo tende a permanecer em patamares elevados.

A prioridade da política energética brasileira para as fontes renováveis é uma oportunidade da economia brasileira ganhar mais competitividade no mercado internacional. Esta assertiva tem como base a necessidade de redução das emissões de gases do efeito-estufa. O abatimento de emissões possui um elevado custo nos países desenvolvidos, enquanto as fontes renováveis brasileiras permitem que o custo de abatimento no Brasil seja muito reduzido. Essa particularidade é verificada pela própria matriz brasileira atual, onde fontes como os derivados da cana, energia eólica e hidroeletricidade possuem custos competitivos frente às alternativas fósseis. Como ilustração, projeta-se um custo da tonelada de CO2 superior a US$ 30,00, em 2020, nos países da União Europeia, contrastando com a realidade brasileira onde esse custo é praticamente nulo para tecnologias das energias renováveis.

É importante assinalar que para manter ou mesmo ampliar no longo prazo essa vantagem competitiva brasileira no setor energético, é preciso destinar recursos para pesquisa e desenvolvimento em tecnologias que ainda não são competitivas e que, em alguns casos, não são maduras nem estão disponíveis comercialmente. Essa necessidade advem da constatação de que não basta ter o recurso energético disponível, sendo também preciso o domínio da rota tecnológica.

O exemplo clássico é o etanol brasileiro no qual, apesar das características naturais do país propícias ao cultivo da cana, a competitividade foi função de amplos ganhos de eficiência tanto na parte agrícola, como na parte industrial – que permitiram sair de um patamar de 4.200 litros de etanol por hectare cultivado de cana, em 1980, para os atuais 7.000 litros. Nesse sentido, devem ser realizados investimentos de pesquisa especialmente em fontes que o Brasil possui grandes potencialidades, como a energia solar e biocombustíveis lignocelulósicos, com vistas a, no longo prazo, ser possível produzi-los em larga escala de forma competitiva.

Portanto, a título de conclusão, o Brasil possui condições de manter uma expressiva participação de fontes renováveis em sua matriz energética de forma competitiva porque possui um grande potencial a ser explorado e tecnologias dominadas, sobretudo no que se refere à produção de etanol e de hidroeletricidade. Portanto, as diretrizes de exploração dos recursos do pré-sal devem ser compatíveis com a busca da manutenção de uma matriz energética com reduzida intensidade em carbono, especialmente porque isso tende a ser um diferencial competitivo da economia brasileira. Por outro lado, os gastos com fontes que ainda não estão maduras devem ser direcionados essencialmente a programas de pesquisa e desenvolvimento, porque a prioridade da política energética brasileira deve estar centrada nas fontes alternativas com a garantia da segurança do suprimento a custos competitivos, de forma a não comprometer o consistente ciclo de desenvolvimento econômico e social brasileiro.

Nivalde José de Castro é professor da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia (Gesel) da UFRJ. Roberto Brandão e Guilherme de A. Dantas são pesquisadores-sênior do Gesel/IE/UFRJ

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