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Em Cuba não há herdeiros novos

Nos últimos 47 anos, pela primeira vez, os cubanos tiveram que tocar a vida sem a onipresença de El Comandante em todos os aspectos do cotidiano. Foi a única diferença. Depois do anúncio de que Fidel Castro sofrera uma grave cirurgia de emergência, a TV estatal se limitou a dizer que sua situação era “estável”, repetindo monotonamente que o país estava “tranqüilo”. Nem a festa apressada que os cubanos exilados fizeram na Flórida era novidade.

Como ocorre sempre em Cuba, ruidosas manifestações de rua foram feitas para apoiar o governo. A gravidade dos fatos, no entanto, foi revelada por frase atribuída ao próprio Fidel de que seu quadro clínico era um “segredo de Estado”. Por outro lado, se tudo era tão estável e a tranqüilidade e apoio eram totais, para que fazer manifestações de rua para assegurar isto?

A “sucessão prevista” aconteceu na direção de Raúl Castro que sempre representou a função de segundo homem do regime. A rigor, seria muito difícil qualquer outra possibilidade, porque nesses momentos “os aparelhos de segurança do Estado estão em alerta máximo e não há condição para mudanças radicais”. Raúl é considerado como um pragmático econômico, mantido o centralismo político, adepto confesso do atual regime chinês. Raul Castro, que já era comandante do Exército, em 1997, assumiu o segundo posto na hierarquia do Comitê Central. Vale lembrar que em 1989, quando foi executado o general Arnaldo Uchoa, então comandante do Exército, por tráfico de drogas, Raúl foi o promotor neste julgamento.

Os termos da transição do poder no regime cubano foram descritos pelo mesmo Raúl Castro há três meses: “O partido comunista continuará como o eixo do poder político”. No início dos anos 90, Raúl deu novas funções aos militares cubanos, engajando-os em atividades econômicas. Há dois anos, o setor de turismo, a maior fonte de receita da ilha, passou para a supervisão direta de Raúl, que distribuiu militares em todo o setor.

O processo de transição do poder em Cuba, mantida a essência do regime, será marcada pela expansão da economia nos últimos anos. A alta do preço do açúcar no mercado internacional, o maior produto de exportação do país, ao lado do aumento do turismo, gerou bom fluxo de moeda forte. Mas Cuba só avançou com a ajuda do petróleo venezuelano, o motor do crescimento de 8% nos dois últimos anos no PIB cubano. Esse petróleo revigorou o transporte e a agropecuária.

O aspecto mais consistente deste boom está no turismo. O PIB cubano é sustentado em 5% pela agricultura, 26% pela indústria e 69% pelo setor de turismo. Dois terços da força de trabalho cubana está neste setor. Não sem motivo, Raúl o assumiu faz dois anos.

Curiosamente, os EUA ficaram sem escolha neste processo de transferência de poder em Cuba. No ano passado, com os sinais de debilidade física de Fidel, a pressão americana aumentou e o Departamento de Estado criou o Escritório de Transição Cubana. Porém, a Casa Branca já avisou que não vê possibilidade de “abrir negociações” com Raúl, que representa plena continuidade do regime. Na prática, Washington manterá a espera da solução natural porque, enfim, Raúl Castro tem 75 anos. Além dos planos de frear o êxodo para Miami, sobrou a promessa de fartos investimentos na ilha pós Fidel, que é de difícil execução real, como reconhece o próprio Departamento de Estado.

Não há, óbvio, testamento político conhecido de Fidel Castro. Quando Raúl alcançou o segundo posto no Comitê Central, no auge da crise pós fim da URSS, a pretensão dos líderes da nova geração, como o chanceler Felipe Pérez Roque ou o chefe do Conselho de Ministros, Carlos Lage, de suceder Fidel em vida, apenas desapareceu.

Felipe González chamou o poder de Raúl de “ensaio geral”. Pode ser um engano, porque a longevidade totalitária no poder sempre implica em temer muito a escolha sensata de herdeiros. Por isso, tais regimes não sobrevivem ao desaparecimento dos guias, que por serem geniais dispensam a democracia. Esta saudável regra da História é a maior esperança dos cubanos.

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