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Elétricas aguardam decisões para investir

O setor elétrico brasileiro deverá passar mais um ano em compasso de espera, com a expectativa de poucos projetos saindo do papel. A tendência é que os investidores aguardem as novas diretrizes do modelo energético, que deverão ser apresentadas pelo governo em julho e executadas apenas em 2004. Além disso, algumas medidas urgentes, definidas nesse meio tempo, terão peso fundamental na decisão do empreendedor de injetar ou não dinheiro no setor. Entre as questões mais importantes estão a sobra de energia no mercado e a revisão tarifária, cujas primeiras propostas serão apresentadas amanhã pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Embora o setor passe por um momento de excesso de eletricidade no mercado, a elaboração de novos projetos é importantíssima para que País não caia no mesmo erro do passado, quando muitas obras ficaram paralisadas. “Não vejo problema no curto prazo, mas não podemos deixar de planejar o futuro”, afirma o ex-secretário de Minas e Energia Afonso Henriques.

O problema é que, desde o fim do racionamento, em fevereiro do ano passado, o apetite dos investidores por novos empreendimentos, principalmente na geração, está menor, pois não há mercado comprador. Da escassez em 2001, o País mergulhou na onda de excedente de energia, que coincidiu com a liberação de 25% dos contratos iniciais entre distribuidoras e geradoras.

O consumo despencou para níveis semelhantes ao de 1999, levando para baixo o faturamento das empresas. “Houve uma frustração de receitas, que persiste até hoje”, afirma o diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), Roberto Pereira d Araújo. Para ele, se a entrada no racionamento foi difícil, a saída foi muito pior.

Hoje, o País tem energia e não tem comprador. Nem mesmo a geração barata das empresas estatais, como Furnas, Chesf, Eletronorte e Cesp, tem encontrado mercado. A maioria dos 25% de energia que foi descontratada neste ano ficou sem comprador e poderá representar enormes prejuízos às empresas. Em conseqüência, a expectativa de investimento dessas companhias – principal objetivo do governo petista – estará comprometida.

Pool – O Ministério de Minas e Energia já sinalizou que pretende solucionar o problema com a criação de um pool que compraria a energia gerada pelas usinas. No mercado, os investidores aguardam o delineamento da proposta, que deverá ser apresentada entre março e abril, para avaliar a eficiência da medida. Mas já há preocupação de inadimplência nesse modelo de empresa. Isso porque o pool absorveria toda a sobra de eletricidade no mercado. O questionamento é quem pagaria toda essa energia produzida.

Outro problema que vem se agravando e, conseqüentemente, prejudica o objetivo de investimento no setor, é a situação financeira das companhias cada vez mais grave, em especial das distribuidoras. Com alto endividamento em dólar, receitas em reais e queda no consumo, essas empresas sofrem para honrar seus compromissos. Além da Cemar, que já está sob intervenção da Aneel, a Eletropaulo, do grupo AES, corre o risco de voltar para as mãos do Estado. Isso porque sua controladora não consegue pagar dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Revisão – Nesse cenário, algumas resoluções tendem a movimentar o segmento, como é o caso da revisão tarifária periódica, cujos primeiros resultados serão divulgados amanhã para consulta pública. A medida tem o objetivo de reposicionar as tarifas das distribuidoras de energia, seja para cima ou para baixo. E é na primeira hipótese que as empresas se agarram para tentar melhorar sua situação no mercado.

Mas, como o custo da energia para o consumidor, principalmente o residencial, já está alto demais comparado ao seu padrão de vida, um novo aumento da ordem de 30% e 40% como o mercado vem cogitando nos últimos dias poderia significar elevação da inadimplência e dos roubos de energia – os famosos “gatos”. “Um aumento de 30% da tarifa pode não se traduzir em aumento de receita na mesma proporção”, afirma Pereira d Araújo. Segundo ele, o consumo que antes do racionamento era de 170 quilowatts/hora (kWh) por mês hoje está em 130 kWh por mês. “Isso não é só conservação de energia, mas reflexo da elevação da tarifa”.

O presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE), Cláudio Sales, no entanto, afirma que as tarifas precisam ser corrigidas na sua estrutura. Segundo ele, além dos impostos, há subsídio que beneficia algumas classes de consumo em detrimento da residencial. “Quanto à revisão tarifária, se não for feita de forma coerente, poderá dizimar o setor elétrico brasileiro”.

Refinanciamento – Outra opção para salvar essas companhias seria a ajuda do governo. A solução no caso da Eletropaulo, por exemplo, seria o refinanciamento do empréstimo que a empresa tem com o BNDES por um prazo mais longo, que lhe permita retomar o equilíbrio financeiro. “É preciso analisar caso a caso para detectar os problemas”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib), José Augusto Marques.

Para Sales, a sobrevida saudável do setor elétrico brasileiro está atrelada ao acerto da área regulatória de maneira definitiva. No mercado, é consenso que a prioridade agora é clarear o rumo do segmento e fazer as mudanças necessárias. “Mais importante que o tempo é a qualidade das medidas, que precisam ser objetivas”, afirma o vice-presidente da Duke Energy, Paulo Born. Para ele, o modelo está carente de correções e a melhor alternativa para a criação de novas regras é um processo de discussão com os representantes do setor.

Mas, segundo Marques, não é admissível que as obras de usinas importantes fiquem paralisadas. Ele afirma, por exemplo, que boa parte das hidrelétricas licitadas entre 2001 e 2002 está praticamente parada. Uma solução, diz ele, poderia ser a participação minoritária da Eletrobrás nesses empreendimentos, o que permitiria o andamento das obras. Na sua opinião, o setor elétrico vive um momento de desarranjo total, em que ninguém consegue calcular sequer a taxa de retorno dos investimentos.

(O Estado de S. Paulo)

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