
Reportagem publicada na edição 357 da revista do JornalCana (acesse a íntegra aqui)
Até o fim de 2024, o operador de colhedora da Usina São Domingos, William dos Santos, utilizava o aparelho celular como a maioria das pessoas: para checar mensagens, fazer ligações e usar as redes sociais.
De abril para cá, ele integra seleto grupo que segue usando o celular, mas o aparelho está conectado via satélite a sistema que ajuda a operacionalizar a colhedora de cana. Ao lado do celular modelo Android, afixado no canto, há um computador de bordo e um tablet.
O veículo não tem direção, é movido por piloto automático. No mais, a cabine possui uma espécie de console – como o de joguinhos – e uma pequena alavanca, além de esbanjar ar-condicionado e total visibilidade dos canaviais a serem colhidos.
“No começo fiquei meio assustado, mas depois de treino intenso de cinco dias, fiquei pronto para tocar essa máquina automatizada”, diz Santos, de 37 anos, há um ano na Usina São Domingos.
Ele faz parte de grupo de 321 funcionários do setor de Corte, Transporte, Transbordo e Apoio (CTTA) da companhia de bioenergia com unidade em Catanduva, no interior paulista.
“Esse setor integra cinco frentes que trabalham 24 horas em uma verdadeira ‘batalha’ para colher e transportar a cana em áreas com relevo e topografias desafiadoras”, comenta Luciano Garcia, coordenador do CTTA.
No domingo, 25 de maio, uma surpresa: uma das frentes bateu o recorde diário de colheita da usina ao somar 4,6 mil toneladas. “Foi um domingo de celebração geral”, lembra Garcia.
‘Batalha’ por bons resultados
O grupo de CTTA ajuda a compor a ‘batalha’ da São Domingos para gerar resultados positivos agrícolas na safra 2025/26, que trabalha com dados oscilantes em função do ciclo anterior, marcado por atropelos climáticos.
Os problemas, que afetaram a maioria das unidades de estados do Centro-Sul, vieram principalmente entre julho e agosto, quando os canaviais, que já enfrentavam estiagem severa, foram afetados por queimadas.
Por conta disso, o canavial próprio, que representa 80% do total moído pela São Domingos, tem fisiologicamente 12 meses, mas devido à queima, possui 10 meses de vida.
“Há 1,5 mil hectares de variedades precoces não colhidas porque foram queimadas entre junho e setembro”, destaca Gustavo Roberto Federici, gerente agrícola da companhia.
Diante disso, a estimativa é de que a usina processe 2,680 milhões de toneladas na safra 25/26. “Mas há janela de compra para chegar a 2,730 milhões de toneladas”, observa.
No mais, o TCH médio tem expectativa de ficar em 80,5, enquanto na safra 2024/25 ficou em 81,5 toneladas de cana por hectare.
Já o ATR previsto é de 139,63 quilos por tonelada.
A queda de TCH, segundo Federici, também reflete maior plantio, o que reduz a oferta de cana no ciclo em andamento.
A taxa média anual de renovação de cana da São Domingos é de 16%, enquanto a idade média dos canaviais é de 3,2 anos.
As ‘armas’ da São Domingos para obter resultados agrícolas de excelência
Companhia de controle familiar e independente, a Usina São Domingos detém ‘armas’ bem afiadas em sua meta de obter resultados de excelência na safra vigente.
A começar pela frota: 55% do transporte de colheita e transbordo são feitos com equipamentos próprios. A idade média dos veículos e das colhedoras fica sempre abaixo de três anos.
Outra estrutura vigorosa são as variedades cultivadas. A companhia integra programas do CTC e da Ridesa. “Sempre procuramos estar na frente”, resume o gerente agrícola Gustavo Roberto Federici.
Desafios
“Do ponto de vista de tecnologias agrícolas, de conquistas, temos vários desafios”, aponta ele. “O que mais preocupa é a questão climática, já que o clima tem roubado o que se investe no canavial.”
Diante disso, a companhia tem apostado em tecnologias de corretivos de solos, nutrição equilibrada e utilização de manejos fisiológicos, que permitem com que a cana tenha condição melhor e sofra menos impactos com a seca.
Exemplos:
Pré-seca: estratégia que consiste em manter as folhas verdes para que a planta preserve os processos fisiológicos afetados diante de estresse, será adotada em 10 mil hectares da companhia neste ano de 2025.
“O investimento leva em conta que haverá nova seca e a tecnologia deixa a cana mais bem preparada, sentindo menos os efeitos do período de déficit hídrico”, diz Federici.
Não há como fazer chover, mas a aposta é de que agronomicamente se conseguirá melhorias de manejo para que a planta passe melhor pelo período de estresse hídrico.
Falhas: para evitá-las, a companhia cultiva e preconiza sulcações mais profundas com números de gemas de 15 a 18 gemas, e não de 10 a 13, como é comum.
Consultorias: a companhia trabalha com 7 consultores, cada um em uma área agrícola, da mecanização, herbicidas, pragas e doenças, variedades, nutrição entre outras. “Eles trazem o que há de melhor no mercado e o Conselho e diretoria têm apoiado incondicionalmente.”
Correção de solos: utilização de doses 1,5 vezes maior que o praticado.
Adubação: utilização de fórmulas equilibradas com macro e micronutrientes.
Defensivo: utilização das melhores e mais seletivas moléculas existentes no mercado.
Cana nova: a usina se prepara para o primeiro corte da cana cultivada em 2024, sabe que a produtividade será menor, “mas o objetivo é seguir junto com os consultores para seguir crescendo.”
Vinhaça localizada: De toda vinhaça empregada nos canaviais, 95% têm enriquecimento onde é aplicada de forma localizada, o que é um diferencial. Essa estratégia reduz a quantidade de operações.
Drones: há duas frentes de drones internalizadas, com equipamentos de última geração, DJI Agras T50 e DJI Agras T25, responsáveis pela maturação da cana e catação de ervas daninhas.
Busca de mais TCH: “minha percepção, como agrônomo, é a de que somos resistentes a mudanças e a algumas tecnologias, o que não ocorre, por exemplo, com o pessoal de grãos, que acreditou na pesquisa e investiu em tecnologias e várias aplicações alavancando a produtividade”, diz Federici. Esse aporte leva 10 anos para dar resultado e deu.
“No caso da cana, estamos há 25 anos com 75 de TCH. É preciso sair dessa caixinha e buscar produtividade por meio de tecnologias, aumentos de moagem por crescimento de área não é possível, precisamos verticalizar a produtividade”
A São Domingos está em um processo de implementação de um ERP padrão de mercado, que permitirá integrações de todos os processos e tecnologias disponíveis, garantindo confiabilidade e governança nos processos.
Leandro da Silva, analista de automação; Gustavo Federici, gerente agrícola; Luciano Garcia, coordenador do CTTA e Edi Budeua, coordenador de planejamento e controle
Os ganhos da AxiAgro
Em se tratando de tecnologias, a São Domingos empreende módulos de plataforma nascida dentro da companhia.
Trata-se da AxiAgro, solução de tecnologia e inteligência para extrair a máxima performance das operações agrícolas (equipamentos e equipes).
Desenvolvida a partir de 2018, a plataforma entrou de vez nas operações agrícolas da São Domingos na safra 2019/20.
Hoje, a companhia utiliza oito módulos da plataforma, implantados em toda a frota, especialmente colhedoras e transbordos. Eles apuram informações e atuam em tempo real visando garantir a operação dentro dos padrões planejados, tais como:
- Reconhecimento de fazenda por quadra e talhão
- Leitura de parâmetros e implementos via Rede Can (p.ex. RPM, Carga de Motor, Acionamento de piloto Automático, Hidráulico, Corte de Base / Esteira / Elevador)
- Controla velocidade, tempos de paradas, manobras e outros apontamentos automáticos
- Sensor de trabalho efetivo. Neste caso é apontada a leitura de pressão no corte de base e volume no bojo
- AxiWays: espécie de Waze da usina, que gera rotas para as frentes e fazendas, garantindo segurança para condutores
- Câmera de fadiga: implantada no interior da colhedora, integrada ao aplicativo AxiAgro, também gera segurança e produtividade
“Com o AxiAgro, saímos de um cenário em que não se controlava nada para tudo online”, resume o gerente agrícola Gustavo Roberto Federici.
“Antes, os apontamentos das atividades em fichas e digitações gerava um bolo de fichas com delay de 3 a 4 dias até o lançamento no sistema, com fechamento do custo em 10 dias, que hoje é fechado no máximo em dois dias”, afirma Edi Claudio Budeu, coordenador de planejamento e controle.
Como é tudo online, sabe-se quantas toneladas e qual a origem das canas que chegam na indústria. “A reposta para tomada de decisão é mais rápida, é à vista”, resume Federici.
Para atender às demandas de transporte, também é tudo online. “Isso porque há algoritmo que dispara os caminhões em função das demandas via a solução GAtec”, comenta Luciano Garcia, coordenador do CTTA.
“Antes era preciso rodar nas cinco frentes para entender como estava a colheita”, diz Leandro Augusto Pinheiro da Silva, analista de automação agrícola.
O gerente agrícola atesta que a plataforma também trouxe ganhos para os colaboradores. “Quem trabalha, trabalha melhor”, diz.
“O digitador virou analista, que avalia situações, conserta situações. A plataforma não gerou desemprego, mas empoderamento dos profissionais.”
Usina São Domingos evolui com Governança e Controles
Um dos pontos altos da Usina São Domingos é sua trajetória em direção a elevados padrões de governança e controles, destaca Demétrio Soares, Diretor Administrativo e Financeiro da companhia.
“Foi me dado um grande desafio pela família acionista de liderar projeto de governança, adotando padrões pouco usuais para uma empresa familiar, mas mirando segurança para
os stakeholders, em especial os acionistas, bancos e investidores, visão de longo prazo, estrutura de capital e tudo isso mantendo o DNA de família e bem−estar das pessoas, um time de colaboradores incrivelmente comprometidos.”
Confira os destaques apontados por Demétrio:
_ Processo de reestruturação operacional com foco em eficiência e custos otimizados (produzir cana de qualidade e estar no primeiro quartil de custos)
_ Elevação do padrão de liquidez através de melhoria da estrutura de capital (operações de mercado de capital)
_ Mudança da estrutura societária com adoção de holdings patrimoniais, dando maior segurança e mitigando riscos sucessórios
_ Adoção de controles internos mais eficientes, modelo de gestão de riscos (política de hedge) mais adequados e política de transparência nas informações.
_ Investimento em implantação / integração de ERP conferindo integridade aos processos e informações oficiais (parceria com a TOTVS Global / PIMS e AxiAgro)
_ Política de Investimento plurianual em modernização da indústria visando crescimento, confiabilidade e automação.
_ Reforço das políticas de saúde, segurança e meio ambiente.
_ Plano de pessoas (retenção, treinamento e qualificação e formação de lideranças)
“Além disso assumimos compromissos com o mercado no que tange a metas financeiras e operacionais, o que se traduziu em confiança demonstrada na comercialização integral dos títulos emitidos pela companhia (1ª Emissão de CRA e 1ª Emissão de Debentures com prazo de sete anos para vencimento), tendo como investidores casas profissionais com recorrência de compras.”
“Seguindo o planejamento buscamos para os próximos anos, os 3,4 MM de toneladas de cana, no mix próximo de 70% açúcar, com um dos melhores canaviais da região, uma indústria revitalizada e automatizada, uma dívida equilibrada a um custo de capital muito adequado, um padrão de governança e transparência dignos das empresas listadas em bolsa, e tudo isso com o jeito São Domingos de ser e tratar as pessoas “, reforça Demétrio.
Saiba mais sobre a tecnologia desenvolvida na São Domingos
Originalmente desenvolvida na Usina São Domingos e que, atualmente, está operando em 15 usinas e empresas agrícolas no Brasil e na Argentina, a AxiAgro é uma plataforma de apontamento, telemetria e inteligência artificial para otimização da logística e operações agrícolas mecanizadas.
A plataforma é composta de tecnologias exclusivas, como aplicativo Android, computador de bordo inteligente, câmera de identificação de fadiga e o AxiWays, um rotograma que otimiza os trajetos e amplia a segurança na condução dos veículos nas áreas agrícolas.
E, para conectar as tecnologias e transformar os dados em ações operacionais e estratégicas, a AxiAgro integra um ambiente virtual exclusivo para o cliente na AWS (Amazon), desenvolve interfaces de CIA (Central de Informações e Alertas) e BI (Business Intelligence) e implanta redes de comunicação de dados de celular, Starlink, wi-fi, wi-fi mesh e outros protocolos padrão. Interessante que essas redes são para tráfego de dados gerais do cliente, não apenas da AxiAgro.
O trabalho da plataforma começa com o aplicativo em celular Android como interface com o operador da máquina ou veículo, o que traz diversos benefícios de convergência, pois possui comunicação nativa com as redes de dados das operadoras, wi-fi e bluetooth, além de permitir o uso de outros aplicativos no próprio celular, como sistemas de registro de ponto, RH, rádio digital, manutenção, dentre outros.
Como funcionalidades básicas, o aplicativo permite fazer o registro de ponto – seja via REP ou biometria facial -, o apontamento de trabalho, de operações e atividades daquele equipamento.
O aplicativo permite, também, trazer uma telemetria básica. Como, por exemplo: geolocalização e velocidade da operação. E isso de forma automática, ou seja, a máquina movimentou, o celular identifica e exige apontamento, ou o aplicativo aponta automaticamente.
Permite apontar as paradas, fazer checklists de manutenção, chamadas de operação e de manutenção, integrando os apontamentos de manutenção como chamadas e Ordens de Serviço direto no sistema de manutenção próprio da empresa.
Computador de bordo
Já o computador de bordo da Axiagro é, de fato inteligente, porque possui memória e processamento local, além de um sistema de navegação de drone, com inclinômetro e geolocalização com precisão de 30 cm, em substituição ao GPS convencional.
Consegue ler a rede CAN e capturar centenas de dados operacionais do veículo ou da máquina, como, por exemplo, RPM, carga de motor, se alguns implementos estão ou não acionados, inclusive o piloto automático.
Essa tecnologia permite que, independentemente de a máquina estar em área com ou sem conectividade da dados, os padrões operacionais que foram baixados no computador de bordo deverão ser seguidos e os desvios serão alertados aos operadores, e não apenas por alertas sonoros, mas por voz, como no Waze.
A plataforma proporciona que os parâmetros operacionais sejam customizados especificamente para cada máquina, tipo de operação e talhão, atuando no conceito de agricultura de precisão.
“A missão da AxiAgro é entender o cliente, sua realidade e sua inteligência operacional, integrar essa inteligência a tecnologias validadas e entregar resultados sustentáveis. O papel de toda essa plataforma é desdobrar a inteligência, que possui a equipe de gestão das usinas e produtores, para a rotina da operação, educando, empoderando e facilitando a vida dos operadores”, enfatiza Josias Messias, CEO da Pró-Usinas.
Quem é a Usina São Domingos
Implantada em 1952, a Usina São Domingos é a primeira companhia de bioenergia da região de Catanduva, que hoje tem pelo menos outras três usinas próximas.
Fundadores: José Pedro da Motta Filho, Seraphim Sanchez, Vicente Sanchez, Gabriel Sanchez e Faustino Sanchez.
A companhia foi criada sob a denominação de Sanchez, Motta Ltda. Em 1955, a razão social foi alterada para Sanchez & Cia Ltda.
Em 1961, transformou-se em sociedade anônima, passando, então, a ser denominada de Usina São Domingos – Açúcar e Álcool S/A.
A São domingos é a mais tradicional usina da região, com