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Economia em descompasso

A economia brasileira enfrenta momento de forte heterogeneidade quanto à capacidade de expansão. Na indústria, apenas quatro segmentos – extrativo-mineral, material elétrico, computadores e refino de petróleo e álcool – representaram quase 70% do crescimento da produção industrial do primeiro semestre, segundo o IBGE. Esta expansão, no mesmo período de 2005, foi de 2%. Esta comparação sugere que está muito distante a expectativa, de janeiro, de que este ano o crescimento da indústria seria de 6%.

Heterogeneidade na expansão econômica não é caso isolado da economia brasileira. De modo geral, economias industriais competitivas, inclusive a norte-americana (basta lembrar a indústria automobilística), enfrentam esse problema. Porém, no exemplo brasileiro, o descompasso entre os setores ficou muito significativo, como mostra o que ocorreu com a expectativa de saldo na balança comercial; em janeiro estava previsto saldo de US$ 38 bilhões. Desde junho a expectativa avançou para cerca de US$ 41 bilhões, na previsão do mercado, porque a balança de petróleo registra saldo de US$ 2,5 bilhões.

É suficiente para o Brasil que apenas o setor extrativo-mineral tenha o que comemorar no ano de 2006? Os dados da produção industrial de junho, segundo o IBGE, mostraram queda de 1,7% em relação a maio. Era curioso porque analistas econômicos e o próprio governo não demonstravam sinais de desânimo, em contraste com as expectativas dos empresários. A rigor, é possível que ambos, consultores e governo de um lado e empresas de outro, estejam certos. Depende para qual lado ou setor da economia se está olhando.

Entre os 14 estados ou regiões pesquisados pelo IBGE, dez deles apresentaram queda de produção entre maio e junho. O efeito “dias de Copa do Mundo” tem importância, mas não explica movimento tão incisivo. A queda de 5,4% na produção do Amazonas era um aviso sobre o setor eletrônico.

O declínio de 2,3% da indústria paulista teve implicações nacionais. O recuo na economia de toda a região Sul avisava do estado geral do setor moveleiro e calçadista, além do efeito multiplicador da crise no setor do agronegócio. Por outro lado, o salto do Espírito Santo exibia a pujança do petróleo.

O nível de emprego reflete melhor do que qualquer outro índice este descompasso entre os setores. Os números da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostraram que o emprego aumentou apenas 0,03% em julho e 0,02% em junho, sempre em relação ao mês anterior. Com um detalhe: dos 76 mil empregos criados na indústria paulista, 72 mil deles foram postos de trabalho abertos no setor sucroalcooleiro.

Os dados nacionais acompanharam esta tendência. Os números de junho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicavam queda de 0,17% no emprego e recuo de 1,77% nas horas trabalhadas, em relação a maio. O economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco, definiu como “moderado” o crescimento do segundo trimestre, com desempenho “morno” do setor industrial. Mas insistiu em que os setores afetados pelo câmbio e que têm perfil de pequenas e médias empresas têm mais problemas porque “perderam espaço nos mercados externo e interno”. E concluiu: o setor com grandes empresas, como refino de petróleo e álcool e minérios, “está indo muito bem”.

Esta é a questão: há um “fenômeno pontual” na economia brasileira que está roubando o foco dos problemas maiores, câmbio, juros altos e baixa capacidade de investimento do Estado. Como o câmbio derruba segmentos intensivos em mão-de- obra, o dinamismo no mercado interno se concentra em exportadores de commodities, autênticos enclaves de felicidade movidos por boas compras chinesas.

Este crescimento desigual e combinado, que já vitimou outro ciclo de expansão da economia brasileira, terá um preço alto. Vários empresários, até mesmo de setores que estão em período de vacas gordas, já notaram o risco deste roubo de foco sobre o que é realmente o problema. Resta saber se as autoridades econômicas dividem esta preocupação com os empresários.

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