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E se a Rodada Doha fracassar?

Sem dúvida, vale a pena insistir um pouco mais no sucesso da negociação multilateral iniciada em Doha pela Organização Mundial de Comércio (OMC), em 2001. Lembremos que a Rodada Uruguai, que resultou na criação da própria OMC, se arrastou por mais de sete anos. Porém o cenário mais provável é que, ao menos em um curto ou médio prazo, a Rodada Doha não se conclua de forma positiva, o que torna necessário pensar em outras alternativas para a expansão de nosso comércio exterior.

Em termos econômicos, por possibilitar ganhos maiores aos países que dela participam, a liberalização multilateral do comércio é em teoria sempre preferível a acordos bilaterais, ou mesmo regionais. Contudo, o possível insucesso da Rodada Doha não se deve tanto a fatores econômicos, mas sim a questões culturais e políticas. Europa e Estados Unidos vivem situações peculiares que os impedem de levar adiante uma liberalização mais ousada de seu setor agrícola.

A França ainda não decidiu quem será seu novo presidente, o que torna ainda mais difícil avançar nessa tema tradicionalmente sensível na política desse país, maior receptor de subsídios da União Européia (UE). Nada indica que, após as eleições, isso irá mudar na França ou nos demais membros da UE, o que não é nada animador considerando-se que, em 2008, será feita a revisão da Política Agrícola Comum do bloco. Embora se comece a questionar o protecionismo agrícola, pesquisas indicam que a maioria da população européia segue defendendo os subsídios no setor. Parece não prevalecer o argumento de que a manutenção desses incentivos é prejudicial a essa mesma maioria da população, que poderia importar produtos agrícolas a preços mais baixos. Mesmo vivendo na cidade e sendo prejudicado como consumidor, o europeu aceita financiar o campo para manter suas bucólicas paisagens e estilos de vida preservados. Essa é uma questão cultural arraigada e difícil de superar.

Os Estados Unidos, por sua vez, contam com um presidente republicano enfraquecido, cujo mandato para negociar livremente acordos comerciais (Trade Promotion Authority, também conhecida como fast track) está expirando em 30 de junho, e com um Congresso de maioria democrata, simpático ao discurso protecionista. Essa conjunção de fatores leva a que o aparente esforço pelo sucesso de Doha empreendido por George W. Bush ocorra em paralelo à tramitação no Congresso de um projeto de lei agrícola (farm bill) que não prevê reduções significativas dos subsídios existentes.

As discussões recentes sobre o etanol também refletem essa realidade em que fatores políticos e lobbies internos não podem deixar de ser levados em conta. Ao mesmo tempo em que incorpora ao seu discurso elogios à adoção de combustíveis alternativos, a UE procura implementar barreiras à importação do etanol, alegando preocupar-se com os danos causados ao ambiente nos países exportadores. O mesmo se aplica aos Estados Unidos que, apesar do recente entusiasmo do presidente Bush pelo assunto, protegem a produção americana de etanol baseada no milho, taxando as importações do produto – não havendo no horizonte próximo perspectivas de que essa situação mude.

O Brasil tem muito a perder caso a Rodada Doha venha a fracassar. Isso porque o peso e a competitividade de nosso agronegócio tornam o país um dos principais interessados na liberalização do comércio de produtos agrícolas, que deveria ser o maior objetivo de uma rodada que já foi apelidada de “Rodada do Desenvolvimento”. No entanto, os indícios de que Doha pode dar errado devem nos levar rapidamente a pensar em um plano B, como a celebração de acordos bilaterais ou regionais. Ao apostarmos todas as nossas fichas em Doha, corremos sério risco de perder tudo.

(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 12)(Eduardo Felipe P. Matias – Doutor em Direito Internacional pela USP, Coordenador Geral da Escola Internacional de Direito Anhembi Morumbi, sócio de L.O.Baptista Advogados, Prêmio Jabuti de 2006 com o livro A Humanidade e suas Fronteiras – do Estado soberano à sociedade global.)

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