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É preciso evitar os erros do passado

Qualquer uso de energia piora o meio ambiente. É por isso que pessoas como eu, que acreditam e defendem a eficiência energética, entendem que as decisões no campo da política energética deveriam privilegiar sempre a alternativa mais eficiente. Isso garante, no final das contas, que vamos debitar à natureza a menor quantidade de energia possível e normalmente conseguir um melhor resultado econômico.

A constatação pode ser óbvia, mas acaba sendo um exercício difícil e frustrante quando é verificada na prática diária. Ainda, no final dos anos 80, li que as siderúrgicas de Tókio exportavam energia para o sistema elétrico japonês. Com a cabeça feita pelos preconceitos do setor elétrico brasileiro – onde eletricidade só podia ser gerada em grandes hidrelétricas – achei aquilo muito esquisito, mas não me pareceu uma coisa destituída de lógica. Afinal, parte importante da energia usada no país era constituída pelo carvão usado nas siderúrgicas e eu me perguntava o que acontecia com todo o calor produzido no processo.

Um pouco de pesquisa me fez constatar que a CSN – Companhia Siderúrgica Nacional – não só podia gerar energia elétrica para atender suas necessidades e exportar excedentes, mas era capaz também de produzi-la com baixos custos, considerando que o combustível era um resíduo de processo e, portanto, poluidor. Sendo co-geradora, a usina podia ainda produzir o vapor, aproveitando este mesmo processo como um sub-produto.

E mais: a CSN fica no centro de carga do sistema e poderia assumir algumas funções da principal termelétrica da região, a Santa Cruz, que naqueles anos já era uma peça de museu operando com baixíssima eficiência. Em síntese, uma análise muito superficial mostrava que desenvolver o potencial elétrico da CSN reduziria os riscos do sistema hidrelétrico, diminuiria a necessidade dos investimentos de centenas de quilômetros de linhas de transmissão para transportar mais de 300 MW, aliviaria o caixa do setor elétrico e, ainda por cima, aumentaria a estabilidade do sistema elétrico.

Contente com a minha “descoberta”, comecei a ver de que forma aquele potencial poderia estar entre usinas consideradas nos planos futuros. Foi perda de tempo, pois percebi que, além das siderúrgicas, se ignoravam muitas outras oportunidades reais de transformar desperdício em energia útil. Entre essas oportunidades estavam a capacidade de gerar energia elétrica com resíduos de cana-de-açúcar e o desenvolvimento dos potenciais de co-geração.

Um registro interessante é que o último Plano Decenal de 1999 (ELETROBRÁS 2000/09) dedica um capítulo a este tema da Geração Distribuída e constata ser esta a energia de menor custo. Nas conclusões, no entanto, o documento ignora solenemente a possibilidade. E foram estas conclusões que serviram de base para especificar as 49 termelétricas de triste memória do PPT – Programa Prioritário de Termoeletricidade, inclusive com centrais de ciclo aberto de baixa eficiência.

Apesar da confusão reinante nos últimos anos no que tange a expansão da oferta de energia, a CSN – maior carga da região sudeste – acabou instalando uma parte do seu potencial de co-geração em tempo de ajudar a reduzir a profundidade da crise em 2001. Notícias da CPFL dão conta de que suas compras de energia do setor canavieiro do interior de São Paulo saltaram de 180 GWh (1999) para 1300 GWh (2003). Outros exemplos poderiam ser citados. Por isso, o assunto merece uma reflexão.

Recentemente se tentou estabelecer um “mercado”, o MAE – Mercado Atacadista de Energia -, que não funcionou. Paralelamente, no entanto, a possibilidade de acesso ao sistema elétrico, o aumento da informação dos consumidores sobre energia e a separação das funções de distribui-la e de comercializá-la ajudaram a criar um mercado real, ainda que frágil e confuso, que luta com uma estrutura de preços ilógica.

Em plena crise, quando o MAE indicava o valor da energia como sendo de 600 R$/ MWh, leilões mostraram que consumidores abririam mão de consumir por preços bem menores e, em dois meses, o preço tinha baixado para quase um sexto do valor inicial, calculado pelos “inteligentes” modelos matemáticos que até então nunca tinham sofrido um teste de mercado.

Desta forma, se é verdade que algum tipo de plano central será necessário para definir a ordem de algumas grandes unidades, é preciso deixar à inteligência das decisões isoladas e anônimas algum grau de liberdade para procurarem seu espaço no complexo universo das soluções. Afinal, a Geração Distribuída é uma das bandeiras do programa do governo. Então, por que não hasteá-la para tornar o setor elétrico brasileiro mais eficiente?

O engenheiro Jayme Buarque de Hollanda é diretor geral do INEE – Instituto Nacional de Eficiência Energética – e diretor do Fórum de Cogeração e Geração Distribuída.

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