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Diesel de alga em escala industrial

Pesquisas pioneiras que simplificam a produção de biodiesel a partir de algas colocam cientistas brasileiros e estrangeiros cada vez mais próximos da “fórmula” que tornará, em alguns anos, esses micro-organismos uma opção economicamente viável e ainda mais ecológica de fabricação de combustível. Uma equipe de cientistas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, descobriu como tornar o processo de transformação da biomassa mais simples e barato que os métodos atuais. No Brasil, uma equipe no Paraná e outra no interior de São Paulo estudam formas de resolver o que consideram o maior problema na utilização das algas no Brasil: seu cultivo em escala industrial.

Na última Conferência Anual de Química e Engenharia Verde, realizada pela Sociedade Americana de Química, a cientista Julie Zimmerman, que lidera a equipe de Yale, apresentou um avanço na transformação de algas em biocombustível. O novo processo substitui os métodos atuais, compostos por duas fases. Chamado one-pot (pote único, em inglês), ele usa o dióxido de carbono (CO2) em um estado supercrítico** e o metanol, ambos a uma temperatura de reação relativamente baixa. Essa forma de produção seria o grande diferencial do método, já que, atualmente, o primeiro passo, que consiste na extração de lipídios das algas, é feito separadamente da conversão das moléculas de gordura em biodiesel (processo conhecido como transesterificação), a segunda fase.

Abordagens anteriores com substâncias supercríticas propuseram a utilização de metanol ou etanol, mas a cientista afirma que a vantagem do dióxido de carbono é a possibilidade de trabalhar em temperaturas mais baixas e exigir um consumo menor de energia. Outro aspecto positivo está no ajuste do CO2 supercrítico para extrair apenas componentes específicos de óleos de algas, poupando tempo e recursos, o que não é possível com os solventes convencionais. “A ideia seria sermos capazes de colocar algas em um reator e obtermos biodiesel a temperaturas abaixo de 100°C, usando um sistema único. Além disso, a utilização do dióxido de carbono supercrítico como um solvente alternativo para a extração de lipídios de algas já é uma novidade”, detalha Zimmerman.

Nos experimentos, as algas são posicionadas em um recipiente em que o CO2 supercrítico dissolve e extrai lipídios, especificamente os triglicerídios. Após a extração, acontece a transesterificação, feita com um catalisador (substância que estimula uma reação química, sem ser consumida por ela). Os pesquisadores estão experimentando vários tipos de catalisadores comercialmente disponíveis e insolúveis na mistura. “Queremos desenvolver o processo ao ponto que possa ser usado em uma unidade de produção de biodiesel, mas é ainda um longo caminho até estarmos próximos desse estágio. Nós ainda precisamos otimizar o sistema e descobrir os detalhes que vão informar o projeto de processo adequado”, diz a norte-americana

Churrascaria O pesquisador do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) Anderson Sakuma considera o estudo importante, mas afirma que a produção de biocombustível já faz parte do cotidiano técnico brasileiro. “O maior problema no Brasil não é a produção do óleo, mas a biomassa de que precisamos para que o óleo seja extraído. Precisamos das microalgas, mas de onde tirar? Uma coisa muito complexa é o meio de cultivo. É necessário colocar produtos químicos para a alga se alimentar”, esclarece.

Como a maioria das algas faz a fotossíntese consumindo o CO2 disponibilizado no ambiente, por exemplo, Sakuma e sua equipe construíram os primeiros protótipos de um dispositivo que utiliza o resíduo atmosférico para cultivar microalgas. O curioso do projeto é que ele utiliza a chaminé de uma churrascaria no processo. A fumaça emitida é desviada para um fotobiorreator, equipamento no qual é realizado o crescimento dos organismos.

Para o pesquisador, hoje, a produção de biodiesel não é tão interessante por estar ligada à soja. De acordo com Sakuma, o aumento da produção do combustível dependeria de uma maior produção da leguminosa, o que, segundo ele, poderia acarretar no crescimento do desmatamento de áreas verdes (leia Para saber mais). “A microalga produz muito mais óleo e é extremamente viável”, garante.

Outra iniciativa para o aproveitamento de resíduos para o cultivo de algas voltadas à produção do biodiesel vem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O professor Reinaldo Gaspar Bastos desenvolve um dos trabalhos mais próximos da obtenção de biodiesel a partir de microalgas e cianobactérias em larga escala. Para isso, seu grupo de pesquisa utiliza águas residuais de efluentes industriais tratados para a produção da biomassa.

Como estão localizadas no interior de São Paulo, na cidade de Araras, essas águas são originárias da indústria da cana-de-açúcar, produtora de etanol e açúcar. “É o resíduo de um biocombustível que pode gerar outro. Pode ser que esse tipo de cultivo também gere uma redução de custo, já que não é necessário preparar um meio para produzir a biomassa. Aproveitamos um resíduo que está disponível. Ainda estamos em uma escala de laboratório. Devemos passar para a escala piloto de 1 mil litros no próximo semestre”, adianta Bastos. O projeto tem financiamento de empresas do setor privado e deverá ser finalizado em 2013. A ideia é que o processo seja escalonado para uma usina e, depois da produção do etanol, a biomassa seja cultivada a parte.

** NEM LÍQUIDO NEM GÁS

Na UFSCar, os pesquisadores usam resíduos industriais na fabricação do biocombustível

Um fluido é considerado supercrítico quando a pressão e a temperatura são elevadas até que alcancem um nível acima do ponto crítico (condição específica de temperatura e de pressão acima da qual não se pode mais diferenciar as fases da matéria). Desse modo, já não se trata de um líquido ou de um gás, mas de uma substância que tem propriedades entre os dois estados. O CO2 supercrítico é usado em vários processos industriais, incluindo a descafeinação de café e a produção de medicamentos.

Saiba mais

Boa substituta para a soja

Experiência de biodiesel de algas nos Estados Unidos: busca por técnica mais simples

De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), os estados de Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul e São Paulo concentram 82% da produção do biocombustível. A oferta de matéria-prima nesses locais colaborou para tornar a produção centralizada no país. Somente nos quatro estados, a produção de soja — uma das principais fontes para o biodiesel — supera a casa de 40 milhões de toneladas.

Para a produção em larga escala de grãos, são necessárias plantações em grandes áreas agrícolas. Mas as microalgas demandam uma área pequena para seu cultivo e podem produzir uma quantidade de biocombustível maior. O cultivo de algas ocuparia cerca de 1% da área usada hoje pela soja para produzir a mesma quantidade de biodiesel por ano. Isso porque, enquanto a soja tem uma escala de produtividade de aproximadamente 600l de biocombustível por hectare, pesquisa realizada pelo Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) indica que microalgas encontradas no litoral brasileiro têm potencial energético para produzir 90 mil litros de biocombustível no mesmo espaço.

Além disso, as algas podem ser cultivadas em solo pobre, em águas de esgoto doméstico e com a água salobra do semiárido brasileiro, para onde a água do mar também pode ser canalizada. Do ponto de vista ambiental, o biodiesel de microalgas libera menos gás carbônico na atmosfera do que os combustíveis fósseis, além de combater o efeito estufa e o superaquecimento.

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