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Depois de dez anos, Chirac volta enfraquecido ao Brasil

O presidente Jacques Chirac que chega ao Brasil na quintafeira nada tem a ver com o chefe de Estado francês que esteve no país em 1996, no auge de seu poder político. Hoje, no fim de seu segundo mandato (que termina em 2007), seu poder vem sofrendo um forte desgaste e o presidente bate recordes de impopularidade na história da 5ª República, criada pelo general Charles de Gaulle em 1958. Segundo a pesquisa de opinião mais recente, apenas 19% dos franceses ainda confiam no presidente, que perdeu as condições para disputar um terceiro mandato presidencial (o que a lei francesa permite) e fracassou na tentativa de fazer o sucessor, o primeiro-ministro Dominique de Villepin, depois de três trombadas políticas que podem significar o fim de sua carreira.

O último ano de seu mandato presidencial foi minado pela onda de violência de novembro nos subúrbios franceses, pela crise em torno do projeto do Contrato do Primeiro Emprego (CPE), no inicio do ano, e agora pela suspeita de que seu primeiro-ministro teria sido o inspirador de uma denúncia falsa envolvendo seu principal rival, Nicolas Sarkozy – ministro do Interior e pré-candidato à sucessão -, num caso de comissões ocultas e contas bancárias no exterior. Soma-se a isso a derrota do governo no referendo sobre a Constituição européia e o fraco balanço de sua gestão após 11 anos na presidência.

Jacques Chirac está sendo obrigado a engolir uma candidatura que não desejou e chegou a combater no interior de seu partido, a União da Maioria Presidencial (UMP), cujo controle ele perdeu para o ministro Sarkozy.

Quanto ao anfitrião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nacionalização do gás e do petróleo na Bolívia, com conseqüências negativas para a Petrobrás, atingiu fortemente o reconhecimento, na Europa, de sua liderança na América Latina, fazendo-o acumular mais um revés diplomático. Jornais europeus como o diário econômico francês Les Echos se referem ao presidente Lula como o grande irmão sem império. O mesmo jornal lembra que os diplomatas de Brasília têm tendência a considerar a liderança de seu país como natural.

O presidente Lula, desde 2003, posa de grande líder disposto a confederar a América do Sul, integrando a região a partir de círculos concêntricos, cujo epicentro seria Brasília, assinala Les Echos, acrescentando que o Brasil é muito grande e forte para não surgir como suspeito aos olhos de seus vizinhos.

Suas veleidades chocam o nacionalismo em voga em vários países da região.

IMPORTÂNCIA REDUZIDA

O que se pode esperar dessa visita relâmpago de um presidente enfraquecido politicamente a um outro ferido diplomaticamente ? Quase nada, afirmam alguns assessores do próprio Chirac, que chegaram a aconselhar o cancelamento da viagem, mas só obtiveram a redução de sua importância, mesmo que ela ainda seja apresentada pela França e Brasil como uma viagem de Estado.

A dias da visita, foram concluídas poucas negociações de acordos e existe o risco de que os acordos previstos não passem de simples protocolos de intenção em diversas áreas: inovação tecnológica, intercâmbio de funcionários diplomáticos, cooperação na área de biocombustível e cooperação na área nuclear civil, ainda dependendo de uma decisão sobre a construção da usina Angra 3.

A meta dessa viagem é o Chile, onde Chirac ainda não pôs os pés desde que assumiu a presidência na França, em 17 de maio de 1995.

PROGRAMA

Em Brasília, o programa de Chirac, praticamente protocolar, dura apenas um dia – tempo de o presidente francês comparecer ao Supremo Tribunal Federal, almoçar e conversar com o presidente Lula no Palácio da Alvorada, discursar no Congresso e participar de uma recepção à noite no Itamaraty.

Na manhã do dia 26 ele segue para Santiago.

A parte mais interessante da passagem do chefe de Estado francês por Brasília será sua conversa política com o presidente brasileiro, quando serão abordados os temas mais polêmicos do momento. Um deles é a crise em torno do programa nuclear iraniano. Outro é a decisão do presidente boliviano, Evo Morales, de nacionalizar o gás e o petróleo: as duas empresas internacionais mais prejudicadas por essa decisão foram a Petrobrás e a francesa Total. Também deverá ser discutida a questão dos subsídios agrícolas, que breca toda negociação na área da Organização Mundial do Comércio.

Nesse setor, a França e o Brasil não abrem mão de suas posições , surgindo como os países mais intransigentes, apesar de suas excelentes relações políticas.

Outro tema em que o Brasil poderá insistir será o de sua aspiração, apoiada pela França de Chirac, a ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas – uma antiga reivindicação que o País continua perseguindo, sem ter conseguido, até agora, contornar os obstáculos nesse caminho. Isso apesar de o Brasil comandar as tropas de paz das Nações Unidas no Haiti, em parte por insistência do próprio Chirac.

Os dois presidentes deverão finalmente abordar o projeto anunciado por Chirac e apoiado por Lula de criação de uma taxa sobre as tarifas aéreas com o objetivo de combater a miséria no mundo. A cobrança dessa taxa, na França, começa no próximo mês, mas a iniciativa corre o risco de ser acompanhada por um número muito reduzido de países.

Líder acumula série de fracassos

Artigo

Gilles

Lapouge*

Há duas atividades que o presidente Jacques Chirac aprecia acima de todas as coisas: em primeiro lugar, sua visita anual ao Salão da Agricultura, porque ele adora as vacas e acaricia suas ancas com ardor. Em segundo, ele adora viajar para o exterior – por exemplo, agora, para o Brasil e o Chile.

No estrangeiro, tudo lhe sorri. Ele tem atitude: alto, elegante, desenvolto, simpático, encantador, adora apertar todas as mãos que se estendem, sejam elas mãos chinesas, senegalesas, neozelandesas ou taitianas. Uma segunda vantagem é que Chirac abandona assim os ornamentos aveludados do Palácio do Eliseu e as intrigas que ali fervilham.

Um terceiro ponto de sua viagem ao exterior é que Chirac adora se convencer de que é um homem de esquerda. Quando está longe de Paris, ele dá vazão a sua alegria: defende o Terceiro Mundo, apieda-se da miséria de camponeses longínquos.

Ele quer curar pessoas atingidas pela aids, propõe a taxação das passagens aéreas para tirar a África e a Ásia do século 19. Para se divertir um pouco, ele adora colocar bombinhas sob o traseiro dos americanos, o que funciona sempre.

Nas semanas que antecederam a guerra no Iraque, quando desafiou Bush, sua glória mundial atingiu o apogeu. E quando se trata de uma visita a um país que ele ama sinceramente – como é o caso, com toda certeza, do Brasil -, ele exulta.

Esse é o esquema habitual.

Neste ano, contudo, a viagem ao Brasil não se apresenta sob auspícios tão favoráveis. É fato que Chirac leva consigo, como faz há 40 anos, aquela atitude sedutora de bom moço que inflama os corações simples.

Infelizmente, seu corpo já dá sinais de fadiga. Com 74 anos, ele sofreu um acidente vascular cerebral há alguns meses. Nada grave. Exames recentes mostraram uma recuperação perfeita. O fato é que a formidável mecânica que é o corpo de Chirac recebeu um aviso.

Mas há coisas mais graves.

O presidente também suportou vários colapsos políticos. Ele poderia retomar a fórmula brutal da rainha da Inglaterra, que confessou há alguns anos que estava vivendo um annus horribilis. O ano de Chirac é igualmente horrível: eleito presidente em 2002 com uma maioria esmagadora (porque os socialisvotaram nele por medo de ver o fascista Jean-Marie Le Pen ganhar), Chirac, desde aquele dia, só dilapidou os trunfos que tinha. Ele acumulou fracassos sobre ridículos. Primeiro erro: na tentativa de compelir o povo francês a aprovar por referendo a nova Constituição da União Européia, o presidente transformou esse referendo num plebiscito. E a Constituição foi rejeitada, o que jogou a Europa na confusão.

Segundo erro: ele se livrou de seu bravo primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, que não era nenhum iluminado, mas modesto, laborioso e obediente, e o substituiu por um personagem exuberante, Dominique de Villepin. E Villepin não perdeu tempo. Em poucos meses, deu duas mancadas monumentais: a primeira foi propor um novo contrato de trabalho, mais flexível. A idéia em si não era má, mas ele a explicou mal, com sua habitual soberba. E fez toda a França, estudantil e operária, ir à rua. O deslumbrante Villepin foi à lona e teve de retirar seu projeto de reforma.

Mal ele se recompôs do fiasco, estoura sob seu nariz o caso sinistro do banco Clearstream, tão complicado que ninguém entende direito. Mesmo assim, um escândalo. Corrupção, mentiras, armadilhas… E Villepin, cada vez mais inflexível e pretensioso, fazendo o papel do vilão, levou a crer que tentou, com esse escândalo, desacreditar seu inimigo, o número 2 de seu governo e ministro do Interior, Nicolas Sarkozy. O resultado foi que, na semana passada, a popularidade de Villepin havia caído para 26%.

Mas onde está Chirac nisso tudo? No olho do furacão. Afinal, foi ele, com sua inépcia, suas obsessões, sua falta de visão, que forjou a máquina infernal em que o governo corre o risco de ser triturado. Todo mundo sabia que Villepin e Sarkozy, ambos interessados em disputar a presidência em 2007, se odeiam mortalmente.

Chirac, certamente para se convencer de que é maquiavélico, não imaginou nada melhor que atrelar os dois inimigos na mesma parelha, Villepin como primeiro-ministro e Sarkozy como ministro do Interior. Foi seu terceiro erro. Desde a formação desse governo, os tiros vieram de todos os lados.

Quarto erro: Chirac observou a queda vertiginosa de Villepin sem esboçar a menor reação. E só ele, Chirac, teria o poder de debelar o incêndio, simplesmente derrubando seu primeiro-ministro e dando-lhe um sucessor. Ele não fez o menor gesto nesse sentido.

Aí está um belo mistério: como explicar que esse animal político astuto e experimentado que é Chirac se deixe arrastar pelas circunstâncias sem fazer nada para impedir a queda? No passado, o poderoso Chirac já se mostrou presa fácil da influência das criaturas que chamou para seu lado. Foi assim com um outro primeiro-ministro, Alain Juppé, que acumulou inépcias e acabou afundando.

Ninguém imagina como Villepin poderá se livrar da desgraça. Diante dessa catástrofe anunciada, Chirac parece atônito, paralisado. Acordará a tempo? Os danos já são grandes.

Mas resta uma chance de milagre. Esse milagre seria que a carruagem meio desmantelada do governo consiga se arrastar até 9 de junho, isto é, o começo da Copa do Mundo. E que Zinedine Zidane, o capitão da equipe francesa, conduza seu time a algumas vitórias pelo menos.

Quem diria, o destino do governo francês dependendo do futebol. Oremos por Zidane. TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

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