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Da competitividade para a sustentabilidade

O etanol é usado no Brasil como substituto da gasolina desde 1925. A partir de 1975 o seu uso se intensificou, com metas estabelecidas para sua adição à gasolina no limite máximo admitido pela frota existente e o desenvolvimento de carros capazes de utilizá-lo puro. Essas políticas se mostraram muito acertadas ao longo do tempo. Os ganhos ambientais locais e globais são conhecidos. A economia com substituição de gasolina, a preços do mercado mundial, atingiu US$ 208 bilhões até o final de 2007 – mais do que as reservas atuais de divisas. Geraram-se emprego e desenvolvimento de forma descentralizada, fora dos grandes centros urbanos, contribuindo para aliviar a demanda por investimentos em infra-estrutura urbana. O Brasil já conseguiu a proeza de substituir 43% de sua gasolina com combustível renovável.

Nestes últimos 30 anos, o desafio foi o de conquistar a competitividade. Investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento de novas variedades de cana e técnicas industriais permitiram ganhos médios de produtividade de 3,7% ao ano. Nesse período a crítica recorrente era a de que o etanol não era competitivo com a gasolina, mas muitas vezes os critérios de avaliação foram econômicos e não empresariais para mostrar que, do ponto de vista social, era uma alternativa viável. A competitividade empresarial viria com o tempo, pela curva de aprendizagem. Este momento chegou e hoje ninguém mais questiona o fato de que a experiência com etanol de cana no Brasil mostrou que é possível produzir combustível limpo, renovável, de biomassa, a um custo bem inferior aos preços atuais de mercado da gasolina. Hoje o custo médio de produção de etanol é de US$ 1,6 por galão, enquanto a gasolina no mercado livre mundial é cotada a US$ 2,8 por galão – o petróleo a US$ 115 por barril é igual a US$ 2,74 por galão.

Agora o desafio é conquistar a sustentabilidade nos seus três pilares: ambiental, social e econômico. Uma batalha contra o etanol está sendo travada nos meios de comunicação em reportagens enviesadas e em relatórios controvertidos feitos por instituições de renome como ONU e FMI. A acusação tem sido relacionada ao tratamento dado ao trabalhador rural e ao uso da terra.

É verdade que o trabalhador agrícola da cana é o mais bem pago e o cultivo da cana ocupa apenas 7,8 milhões de hectares (ha) no Brasil, dos quais 4,4 milhões de ha para álcool. Isso é muito menos do que os 24,5 milhões de ha ocupados com soja, os 12 milhões de ha com milho, e os 211 milhões de ha com pastagens. É verdade também que a cana está avançando lentamente sobre pastagens muitas vezes degradadas. Mas esses argumentos não são suficientes e nossos interlocutores estão cansados de mapas mostrando que o cultivo da cana está a 2,5 mil km da região amazônica. Discutem-se hoje os impactos diretos e indiretos do uso do solo. Será que a pastagem substituída pela cana não está, indiretamente, levando a fronteira agrícola e as pastagens para a Amazônia? É para este tipo de argumento que precisamos estar preparados. A resposta é “não”, mas precisa ser explicada e comprovada caso a caso.

A taxa nacional de ocupação da pecuária, de 0,8 cabeça por ha, ainda é muito baixa, mas está subindo — em São Paulo ultrapassa 1,2 cabeça por ha. Um aumento de 50% na taxa de ocupação será suficiente para liberar mais de 70 milhões de ha de pastagens, quase 16 vezes a área atual ocupada com cana para álcool. Em alguns casos, utiliza-se parte do bagaço excedente para alimentação animal, exatamente no período mais crítico, de seca, que coincide com a moagem da cana, com capacidade de engorda superior, caso o solo estivesse ocupado com pastagem.

As acusações contra o etanol de cana produzido segundo o modelo brasileiro denotam ignorância ou má-fé. E mesmo a acusação generalizada contra os biocombustíveis como responsáveis pelo aumento no preço dos alimentos precisa ser melhor analisada. Dos 13,2 bilhões de ha de terras no mundo, 1,5 bilhão de ha são ocupados pela agricultura e 3,5 bilhões com pastagens para a produção de carne, leite e lã. O cultivo de biomassa para biocombustíveis ocupa apenas 0,025 bilhão de ha em todo o mundo; no Brasil, apenas 0,0044 bilhão de ha.

Outra medida é o fato de que os biocombustíveis representam uma parcela muito pequena da energia total de biomassa consumida. Em 2007, todo o etanol e biodiesel produzidos no mundo representaram apenas 1,7 ExaJoule (EJ) de energia útil, de um total de 45 EJ consumidos, dos quais 36 EJ para cocção e aquecimento (1 ExaJoule é igual a 1.018 Joules, ou aproximadamente 164 milhões de barris, ou 22,7 milhões de toneladas métricas, de petróleo equivalente, ou cerca de uma semana do atual consumo norte-americano de petróleo). Embora pouco no contexto geral da biomassa, e representando menos de 1% do consumo global de combustíveis, nos últimos três anos os biocombustíveis supriram 30% do aumento na demanda mundial de combustíveis, certamente contribuindo para reduzir a pressão sobre seus preços.

Isso não quer dizer que o etanol de milho ou de trigo produzido nos EUA e na Europa não esteja impactando o preço destas commodities. Está, sim, mas está longe de ser o único fator. Investimentos especulativos, do mercado financeiro para o de commodities, condições climáticas adversas em regiões produtoras importantes como China, Índia e Austrália, e o aumento na demanda por alimentos na China e na Índia representam fatores muito mais relevantes.

Nesse sentido, é muito equilibrada e bem elaborada a abordagem proposta pelo Consenso de Biocombustíveis Sustentáveis. Este consenso foi elaborado no final de março por um grupo independente de 17 pesquisadores de 12 países, reunidos em Bellagio, na Itália, nas instalações do Centro de Bellagio da Fundação Rockefeller, num esforço realizado por inspiração do professor John Mathews, da Macquarie University, da Austrália. O documento de seis páginas apresenta um diagnóstico e desmistifica uma série de bobagens, apresentando recomendações a formuladores de políticas na área de energia, para a produção e o uso de biocombustíveis de forma sustentável. Esta passa a ser a questão central.

Na área de biocombustíveis no Brasil, e no mundo, em particular, agora que são reconhecidos como alternativa eficaz e global para substituição de energia fóssil, e daí todos os ataques de que têm sido alvo, o desafio passa da conquista da competitividade, já alcançada, para a conquista, ou comprovação, da sua sustentabilidade.

*Plinio Mário Nastari, Ph.D. em economia agrícola e presidente da Datagro, é um dos autores do Consenso de Biocombustíveis Sustentáveis

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