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Crise, safra, usina em Goiás. Diretor do Grupo Nardini conta tudo

Em entrevista exclusiva ao Portal JornalCana, o executivo Ricardo Nardini, um dos três diretores da Agroindustrial Nardini Ltda., revela detalhes sobre como vai a safra 2015/16 em meio à crise econômica do país, comenta sobre cogeração, lucro e sobre a unidade em Aporé (GO), greenfield do grupo que está com os investimentos suspensos.

 

A entrevista foi concedida na manhã da terça-feira (18/08) na sede da Nardini, na Fazenda Vista Alegre, em Vista Alegre do Alto (SP), em um vale com cultivos agrícolas que vão de laranja, limão, manga, além de outros, além, evidente, de cana-de-açúcar.

Portal JornalCana – Diante o cenário econômico instável no Brasil, que afeta ainda mais o já penalizado setor sucroenergético, como a Nardini Agroindustrial ajusta, por exemplo, a gestão de comercialização de açúcar?

Ricardo Nardini – Trabalhamos com equipe própria, com análise de risco. Fazemos sempre hedge um pouco a frente. No mercado interno, temos contratos com dois compradores até agosto de 2016. Esses contratos representam 20% da produção de açúcar branco da Nardini. Da safra, 80% do açúcar estão hedgeados. E jogamos sempre um pouco para a entressafra.

Manter produto para comercializar na entressafra é política do Grupo?

Ricardo Nardini – Sim. Tanto no açúcar quanto no etanol.

Qual deve ser a produção de açúcar da safra 15/16?

Ricardo Nardini – Deveremos chegar a 6 milhões de sacas. A projeção, no começo da safra, era fazer um pouco menos. Mas conseguimos comprar um pouco de cana a mais, de produtores vizinhos, e ampliamos a capacidade de moagem. Inicialmente, a previsão era moer 3,5 milhões de toneladas de cana na 15/16. Agora, talvez cheguemos a 4 milhões de toneladas.

Nardini, diretor da companhia: moagem de até 4 milhões de toneladas
Nardini, diretor da companhia: moagem de até 4 milhões de toneladas

Por conta desse aumento de moagem, será preciso estender a safra?

Ricardo Nardini – Não. Iremos acabar a safra até 12 de novembro. Temos uma flexibilidade muito boa na indústria, tanto em moenda quanto em processo. Podemos jogar nossa produção 60% para açúcar e 60% para etanol. Se fizermos isso, dá para fazer 85% de etanol anidro ou 100% hidratado. Mas conseguimos essa flexibilidade. É isso que tem dado um oxigênio a mais para a Nardini.

Qual é a meta de produção de etanol na 15/16?

Ricardo Nardini – 120 milhões de litros. Desse montante, 80 milhões de litros serão anidro e os demais 40 milhões serão hidratado. Foi uma opção nossa, porque no começo de safra o hidratado remunerava um pouco mais, forçamos a produção dele e entramos mais no mercado.

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A Nardini também irá armazenar etanol para comercializar na entressafra?

Ricardo Nardini – Sim. Acreditamos nessa aposta, mesmo sem a liberação até agora, pelo BNDES, do financiamento para estocagem de etanol justamente para a entressafra. Deveremos segurar 60 milhões de litros para a entressafra. 

E faz esse investimento em estocagem por conta própria?

Ricardo Nardini – Sim. Nosso financeiro e nosso comercial não estão atrelados. Logicamente o financeiro precisa de fluxo de caixa, conforme já planejado. Trabalhamos os contratos mais no anidro, deixando o hidratado, e mesmo parte do açúcar, para trabalhar no mercado.

O hidratado hoje remunera o produtor?

Ricardo Nardini – Não. Com impostos, recebe-se pelo litro R$ 1,30.  Deveria estar pelo menos em R$ 1,40.

Localizada em Vista Alegre do Alto (SP), a Nardini opera 60% de cana própria
Localizada em Vista Alegre do Alto (SP), a Nardini opera 60% de cana própria

Quanto custa o litro produzido?

Ricardo Nardini – Entre R$ 1,15 e R$ 1,20. Como o anidro remunera um pouco mais, apostamos mais na produção dele, deixando o hidratado para as oportunidades.

Com a alta no consumo do hidratado, caiu a venda de gasolina, que leva 27% de anidro. Isso não trouxe problemas para vender anidro?

Ricardo Nardini – Há contratos com as distribuidoras. Elas são obrigadas a adquirir o anidro contratado. Quase toda a nossa produção de anidro está contratada, excerto parte para o mercado spot.

Como é a política produtiva de açúcar da Nardini?

Ricardo Nardini – Gostamos muito de fazer o açúcar branco, que representa 70% de nossa produção de açúcar. O açúcar VHP gostamos de fazer nas duas pontas: no começo e no fim da safra. No começo de safra, é por conta de ajustes, quando a cana não está tão boa.

 

Cogeração 

Como estão os produtos de valor agregado da Nardini, como a eletricidade excedente?

Ricardo Nardini – Somos um dos grupos pioneiros do setor sucroenergético a entrar em cogeração para venda de excedentes. Desde 1994 vendemos eletricidade [para a CPFL] e na época não remunerava. Fazíamos contratos anuais e, nessa época, praticamente se pagava para vender. Começamos fazendo contrato de 0,5 megawatt (MW) para aprender. Depois demos um passo maior no ano do apagão, em 2001. Saímos de uma exportação de 0,5 e 1 MW para 8 MW a 10 MW. Em 2008 fizemos outro projeto, com investimento que chegou a 15 MW e hoje estamos com 30 MW para exportação.

A Nardini vende toda essa eletricidade cogerada em contratos?

Ricardo Nardini – Por política nossa, sempre deixamos 30% para venda no spot.  Os demais 70% são contratados.

Tem dado certo? 

Ricardo Nardini – Sim. Pelo menos até o ano passado foi bem [com o MWh comercializado a R$ 800, contra R$ 137 na última semana]. O governo não deveria ter dado essa canetada, e cortado de R$ 800 para R$ 300 [valor médio pago até meados de maio/2015]. Nunca vi mercado spot ter preço máximo. Isso é típico de uma economia que não é livre.

Com 400 mil toneladas a mais na safra em andamento, a Nardini terá matéria-prima para produzir mais eletricidade. 

Ricardo Nardini – Sim, mas no ano passado, com preços remuneradores, comprávamos cavaco de madeira e até casca de amendoim para ampliar a oferta de matéria-prima. E já estamos na terceira safra com recolhimento de palha. Por dia, recolhemos 150 toneladas.

O serviço de recolhimento e de enfardamento da palha é terceirizado?

Ricardo Nardini – Não. Não gostamos muito de terceirização

Por que?

Ricardo Nardini – É política nossa. Temos uma oficina com mais de 200 funcionários. Toda a frota, todo o CTT da Nardini, são próprios. Não temos fornecedores que entregam cana na usina. Nós é que vamos buscar. Temos toda essa estrutura e temos de aproveita-la.

Voltando à cogeração: se a economia do país der uma melhorada, e o consumo de eletricidade for retomado em 2016 ou 2017, a Nardini pretende investir mais em produção de eletricidade excedente? 

Ricardo Nardini – Nós estamos preparados para produzir eletricidade por mais dias. Quer dizer: termina a safra e temos como produzir por mais dias com caldeira de alta pressão e turbina de compensação. Podemos também começar a cogerar antes de iniciar a safra, como já fizemos em 2014. Mas tudo tem que ser dentro de preço remunerador.

Qual é um valor que remunera?

Ricardo Nardini – Os R$ 300 por MWh pagos até meados deste ano no spot já remuneram.

E com relação a investimentos para ampliar a cogeração?

Ricardo Nardini – Por enquanto não podemos pensar nisso. No momento em que atravessamos crises: crise no setor sucroenergético, crise na política, crise na economia, crise de credibilidade, crise de esperança, temos de tomar muito cuidado para não avançar mais do que pode. E a ordem nossa, por enquanto, é sobreviver. Não pensamos em avançar, apesar de vir o crescimento natural da Nardini em moagem. Nesse ano, quase 4 milhões de toneladas e, em 2016, bem possível que cheguemos a 4,3 milhões de toneladas.

 

Produtividade agrícola

Essas 300 mil toneladas projetadas a mais para a safra 16/17 são fruto de expansão canavieira?

Ricardo Nardini – De expansão e de renovação de canaviais. Esse ano tivemos um recorde de plantio: quase 9 mil hectares.

Como é o perfil da cana processada pela Nardini?

Ricardo Nardini – 60% de cana própria e 40% de parceiros. Mas não parceiros spot. São parceiros que fecham com a gente pelo menos um ciclo da cana. Abrimos mão do parceiro que em um ano vende para a gente, e no outro vende para outro. Isso não dá segurança.

Como vai a produtividade agrícola da safra 15/16?

Ricardo Nardini – Está bem melhor do que em 2014, quando fechamos em 84 toneladas por hectare, e esse ano deveremos fechar perto de 90 tch. Mas está abaixo de nosso histórico, que fica entre 95 a 100 tch.

E o ATR?

Ricardo Nardini – Está baixo. Estamos acumulados em 126 quilos por tonelada. Está 8 quilos a menos que nessa mesma época do ano passado. Isso reflete no custo. Como ganhamos na moagem, reduzimos o custo fixo. Isso ajudou, como também ajudou o trabalho de contenção de despesas. Com isso, o custo desse ano deve ficar um pouco abaixo em relação a 2014, em torno de 3%.

Qual o quadro de funcionários?

Ricardo Nardini – 3,6 mil colaboradores. É preciso lembrar que não temos terceirização.

O florescimento tem preocupado?

Ricardo Nardini – O florescimento pode afetar um pouco mais de agora para frente. Até então, colhemos a cana florescida, sem grandes impactos. Agora pode impactar mais. Mas não iremos deixar cana florescida para 2016. Iremos colher 100% da cana.

Qual o faturamento previsto da Nardini para essa safra 15/16?

Ricardo Nardini – O faturamento líquido deverá ficar entre R$ 480 milhões e R$ 500 milhões.

 

Tendências para 2016

Como o sr. avalia o setor sucroenergético para 2016? Temos o consumo ampliado de hidratado por conta do preço competitivo diante a gasolina

Ricardo Nardini – O consumo cresceu não só pelo preço, mas por conta do efeito Minas Gerais, em que o ICMS foi reduzido de 19% para 14%. Para o produtor, o preço médio do etanol está menor que em 2014. Em nosso caso, imagino que esteja 3% abaixo do preço de 2014.

Mas como, se houve aumento de consumo?

Ricardo Nardini – Houve venda forçada de hidratado pelas usinas, para fazer caixa. Não tem outra explicação, porque há margem para subir o preço diante do da gasolina.

O que o sr. acha da proposta do sindicato da indústria sucroenergética de Minas, de fazer a venda direta de etanol da usina para os postos? 

Ricardo Nardini – Precisamos nos preparar para isso. Pode ser uma saída, porque tiramos um intermediário que, sem muito esforço, fica sempre com o resultado.

O setor sucroenergético deve melhorar em 2016 e 2017?

Ricardo Nardini – O setor, como qualquer outro da economia, não pode ficar dependendo do governo. Mas também não pode ser prejudicado pelo governo. Se o nosso setor fosse livre, não tivesse as canetadas do governo, acredito que não estaria na atual situação. Mas a gasolina teria de ser livre [do governo] também. Ficamos vários anos com o preço subsidiado da gasolina e isso nos asfixiou. O nosso etanol tem teto, mas não tem piso. Que raio de economia é essa? Que depende uma canetada do governo. E essa canetada, se olharmos friamente, mexe com o mercado de açúcar. Porque essa caneta altera o dólar, e isso afeta a venda de açúcar.

Comente mais, por favor.

Ricardo Nardini – É uma judiação o que acontece com o setor sucroenergético. Temos 300 usinas no país. Se fosse uma meia dúzia que tivesse com problemas, pode-se alegar problemas de gestão, de clima. Mas não. Nos últimos anos 60 fecharam, outro tanto está em recuperação judicial e outras estão entrando em recuperação. O problema não é o setor. Não é localizado.

 

Filial em Aporé

Gostaria que o sr. comentasse sobre a unidade em Aporé, em Goiás

Ricardo Nardini – Não digo que foi um erro, mas que foi um acerto a gente ter parado o projeto [da nova unidade em Aporé].

Quanto da usina está pronta?

Ricardo Nardini – Uns 60%. Os investimentos feitos passam de R$ 100 milhões, entre canavial e indústria.

Quando o projeto começou?

Ricardo Nardini – Começamos a mexer com licenças em 2008. Tivemos o EIA-Rima, todas as outorgas. Hoje procuramos manter o canavial. Temos 10 mil hectares plantados. Da indústria, o que está embaixo da terra está tudo praticamente pronto. Temos a destilaria montada. A subestação e o linhão de transmissão estão montados. Toda parte de pré-fermentação está lá.

O projeto foi eliminado?

Ricardo Nardini – Não, não foi abordado. Foi interrompido há uns três anos. A cana é fornecida para duas usinas. E amortizamos, com a venda da cana, parte do investimento.

Por que vocês foram para Goiás?

Ricardo Nardini – Porque estávamos com uma produção em Vista Alegre de 2 milhões de toneladas de cana, e a gente achava que não tinha mais espaço para crescer. E por outro lado nós nos enganamos com isso, porque conseguimos cresces em Vista Alegre, precisamos de investimento aqui e a política, quando fomos para Goiás, é que nada poderia prejudicar Vista Alegre. Investimos. E Aporé, e vai chegar o momento, que será um belo projeto. Não acredito que o setor sucroenergético acabe. E lá é uma região nova, não estamos tão longe do estado de São Paulo. Lá o foco é etanol e energia, sendo o açúcar em segundo plano. Chegará a hora certa. E temos uma vantagem, porque a hora que virar o mercado em um ano nós colocamos a unidade para funcionar. Se você for soltar um greenfield hoje, por mais capitalizado que esteja não faz por menos de quatro anos. Só a parte de licença irá absorver entre um ano e meio e dois anos.

E se um grupo bater à sua porta e quiser comprar o empreendimento em Goiás?

Ricardo Nardini – Não está à venda, mas estamos no mercado. Como já bateram para comprar a Nardini. Não está à venda, mas põe preço. Atravessamos um período em que toda semana tinha um interessado pela unidade de Vista Alegre. Não tivemos interesse.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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