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Crise financeira: Guinada do mercado estrangula cooperativas

Ainda carentes de capital de giro e estruturadas sobre investimentos feitos com recursos a juros subsidiados pelo Tesouro Nacional, as cooperativas agropecuárias do país projetam queda no faturamento e nas margens de lucro neste ano por causa dos efeitos da crise financeira global. Os sinais de contaminação da economia real pela crise iniciada nos Estados Unidos também devem restringir os planos de investimentos dessas sociedades nos próximos anos.

A penúria financeira vivida pelos produtores cooperados, que sofrem a escassez de crédito rural desde o início da atual safra, em junho, deixou as cooperativas sem alternativas para obter novos empréstimos em tempos de baixa liquidez. A maior parte dos investimentos de 2008, estimados em R$ 12 bilhões no início deste ano, será adiada para 2009.

A situação tende a piorar em caso de redução na demanda mundial por alimentos em países em desenvolvimento, como China e Índia, ou na hipótese de desvalorização acentuada do dólar ante o real. “Os investimentos vão parar. Vínhamos numa recuperação boa, mas seremos afetados pela crise”, diz ao Valor o presidente da Organização das Cooperativas de São Paulo (Ocesp), Edivaldo Del Grande, durante feira da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em Portugal. “As cooperativas são um colchão para os produtores e, mesmo mais sólidas pelo aprendizado de crises anteriores, ainda sofrem com falta de crédito”, afirmou ele.

Embora com financiamento já aprovado pelo BNDES, a catarinense Coopercentral Aurora, que reúne 17 cooperativas da região oeste do Estado, suspendeu a construção de uma nova unidade de R$ 300 milhões para abater 300 mil frangos por dia em Canoinhas (SC). “Vamos concluir a fábrica de lácteos, mas estamos com medo da repercussão dessa crise”, afirma o vice-presidente da controladora Cooperalfa, Dilvo Casagranda. “Os estoques estão elevados, a margem de lucro vai cair e o faturamento deve ficar igual a 2007”, diz ele.

A paulista Coacavo, de Votuporanga, também adiou para o próximo ano a ampliação de R$ 2,5 milhões na fábrica de rações e suspendeu projeto de R$ 70 milhões, em parceria com usinas sucroalcooleiras e Ferroban, que previa a construção de um ramal ferroviário, moega e silos para armazenagem de álcool e açúcar. “Agora, é pé no freio, projeto na gaveta e muita cautela”, afirma o diretor comercial Osvaldo Carvalho. A cooperativa estima recuo de 25% no faturamento porque os 2,7 mil produtores associados deixaram de comprar fertilizantes para reduzir os custos de produção.

O cenário poderia ser diferente se as cooperativas nacionais tivessem adotado exemplos do próprio cooperativismo. À falta de um grande banco cooperativo, como o holandês Rabobank ou o francês Crédit Agricole, e de iniciativas para ganhar espaço nos segmentos de insumos e de distribuição, é grande a dependência dos recursos das exigibilidades bancárias, parcialmente subsidiados pelo Tesouro e cada vez mais escassos e disputados no mercado.

Braço financeiro das cooperativas e sétimo maior banco de Portugal, o Crédito Agrícola negocia com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) uma consultoria na tentativa de unificar o sistema de crédito brasileiro, hoje dividido entre os concorrentes Bancoob e Bansicredi.

“Precisamos de uma ação forte no crédito rural e ninguém melhor do que as cooperativas para atender a isso”, afirma o presidente da OCB, Márcio Lopes de Freitas. Um avanço do sistema brasileiro poderia alavancar as empresas do setor. O Crédito Agrícola dá uma pista: gerencia, em parceria com o governo português, um fundo de “private equity” de 15 milhões de euros para financiar participações acionárias em empresas de capital fechado. “O cooperativismo tem cultura de longo prazo e resiliência a oferecer. Mas é preciso sofisticar serviços e produtos”, diz o presidente da CA Consult, Jorge Paulo Baião.

Além da sofisticação no crédito, o cooperativismo precisa formar e renovar lideranças. “O Sescoop já jogou papel importante, mas estamos fragilizados nisso”, admite Del Grande, da Ocesp. Há casos em que dirigentes comandam com mão-de-ferro, e desde o nascimento, sociedades líderes na área.

Igualmente necessário será avançar na ponta do fornecimento de insumos. Para isso, a cooperativa indiana IFCCO é um exemplo. Produz 3,7 milhões de toneladas de adubos com joint ventures e fábricas próprias. Tem como clientes 38 mil cooperativas associadas na Ásia, África e Oriente Médio – em 1967, eram apenas 57 afiliadas.

Em épocas de dificuldades para comprar esses insumos, já que 70% são importados, esse tipo de cooperativismo poderia solucionar o problema. “As cooperativas devem considerar os riscos, mas há muitas oportunidades para mudar os mercados e inovar com eficiência. Só nos falta capital para criar valor ao consumidor”, diz o presidente da ACI, o italiano Ivano Barberini.

Embora tenham dificuldades estruturais, as cooperativas brasileiras apostam na “confiança mútua” com seus produtores associados como principal “lastro” para superar a atual crise financeira. “A questão central hoje é a crise de confiança, um elo que não se estabelece no mercado”, diz o presidente da Cooxupé, Carlos Paulino.

Ele lembra que sua sociedade conta com 83% de agricultores familiares, com produção de até 500 sacas de café. “Eles dependem de nós e vice-versa. Por isso, a cooperativa tem o antídoto contra a crise”. Ex-dirigente da histórica Cooperativa Agrícola de Cotia (que quebrou há mais de dez anos) e atual diretor da ACI, Américo Utumi é um entusiasmado defensor da alternativa cooperativista. “Aqui, o produtor sabe que tem garantia de crédito e rentabilidade”. Para ele, ainda que uma cooperativa de crédito cobre as mesmas taxas de juros de um banco privado, sempre haverá o benefício ao produtor de estabelecer um “benchmark” para suas operações.

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