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Cresce pressão contra subsídios agrícolas

A pressão para que União Européia, EUA, Japão e outros países desenvolvidos aceitem maior redução nos subsídios agrícolas que distorcem o comércio internacional cresceu ontem no segundo dia da reunião de ministros dos 146 países da Organização Mundial de Comércio (OMC). “A maior ameaça ao sistema de comércio multilateral vem de dentro; a OMC corre o risco da irrelevância”, discursou, no plenário da OMC, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim. “O perigo da fragmentação está claramente aqui.”

O governo americano foi acusado, por ONGs, de tentar “comprar”, com ofertas de cotas de importação, o apoio de países em desenvolvimento como Guatemala e Costa Rica, aliados de Brasil, China e Índia no G-21 – o grupo de países em desenvolvimento formado em Cancún para pressionar pela queda de subsídios e abertura dos mercados desenvolvidos aos produtos agrícolas. Autoridades americanas negaram a oferta. Ontem, o G-21 ganhou um vigésimo-segundo integrante de peso, a Turquia, ampliando ainda mais a coalizão contra os subsídios de países ricos.

A batalha pela opinião pública parece favorecer o G-21, que tenta aprovar um documento comprometendo os países da OMC com uma negociação para reduzir fortemente os subsídios internos a produtores agrícolas, eliminar os subsídios à exportação e derrubar barreiras tarifárias. Esse documento tem sido criticado pelos países ricos por preservar altas tarifas de importação agrícola nos países em desenvolvimento e reunir, num só bloco, nações interessadas numa rápida e profunda liberalização em agricultura, como Brasil e Argentina, e outras fortemente protecionistas, como a Índia.

Além de editoriais e artigos críticos em jornais influentes, como o “The New York Times” e o britânico “The Guardian”, contra a resistência dos países ricos em reduzir distorções comerciais, Oxfam, Action Aid, Public Citizen e outras ONGs européias e americanas divulgam diariamente declarações em favor das propostas do G-21. “Saudamos especialmente a proposta de acelerar a eliminação de subsídios à exportação, que são um claro rompimento com regras justas de comércio e danosas aos consumidores”, diz a organização Consumers International, em um dos incontáveis manifestos distribuídos no Centro de Convenções em Cancún.

“Há uma boa possibilidade de que a coalizão G-21 consiga um acordo melhor do que se previa”, comenta Brink Lindsey, diretor do Centro de Estudos de Política Comercial do Cato Institute, um centro de pesquisas independente sediado em Washington. Ele diz que, embora não haja como prever o resultado das negociações, a nova atuação de ONGs em favor da abertura comercial a países em desenvolvimento, somada às pressões de grandes exportadores americanos e europeus e do movimento de opinião pública pode mudar a forma de atuação dos governos de países ricos e torná-los mais flexíveis a demandas do G-21.

“A clara divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento vista nessa reunião é algo inédito, nada usual”, comenta Lindsey. O vice-representante comercial dos EUA, Peter Allgeier, ouviu numa entrevista coletiva que a discussão em Cancún parecia se tornar uma disputa entre seu país e o Brasil. Reagiu sorridente: “A OMC tem 146 sócios, não há confronto bilateral com ninguém, e estamos atentos aos interesses brasileiros.”

Respondendo a pergunta do Valor, Allgeier afirmou que não houve oferta de cotas para países em desenvolvimento. Seus contatos com países sócios ou pretendentes a sócios dos EUA em acordos comerciais se dedicaram a buscar saídas para o impasse nas negociações da OMC, disse. “Não entramos em detalhes, eles serão discutidos depois.”

Os diplomatas do G-21 procuraram ontem fortalecer o aspecto “desenvolvimentista” da aliança feita para baixar subsídios agrícolas nas negociações da OMC. Na quarta e na manhã de ontem, o G-21 se reuniu para firmar uma estratégia de negociações, que inclui duas preocupações: dividir tarefas, para que a atenção – e as pressões – não se concentrem sobre o Brasil, criador do grupo; e evitar medidas que permitam culpar o G-21 por um eventual fracasso em Cancún. Acusações nesse sentido começaram ainda ontem, quando o governo americano distribuiu declarações de congressistas como o presidente da comissão de Finanças do Senado dos EUA, Chuck Grassley, cobrando reduções de subsídios e tarifas, “especialmente da União Européia e do Brasil”, e culpando o G-21 pelo eventual fracasso nas negociações em Cancún.

Uma das primeiras iniciativas do G-21 foi reunir-se com representantes africanos, para atraí-los, com oferta de apoio em sua demanda por acesso livre para exportações agrícolas dos países menos desenvolvidos e garantia de salvaguardas contra excesso de produtos importados nesses mercados.

“Mostramos que poderemos acomodar as preocupações que eles têm”, relatou o ministro Amorim, citando entre as concessões aos países menos desenvolvidos a possibilidade de permitir salvaguardas contra aumento de importações: “Caramba, se reconhecemos esse direito ao Peru, no acordo com o Mercosul, não vamos fazer o mesmo para Burkina Faso?” Africanos e G-21 criaram uma comissão para negociar uma atuação conjunta na OMC. “Se se confirma a aliança entre africanos e G-21, ficará claro que a agenda da OMC é mesmo voltada para o desenvolvimento”, disse Adriano Campolina, da ONG Action Aid.

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