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Controle biológico diferencia cana do Brasil

Conhecido por sua expertise no setor sucroalcooleiro, o Brasil lidera também o maior programa de controle biológico do mundo em canaviais. Praticamente toda usina de grande e médio portes do país é hoje autossuficiente na produção da cotésia – uma minúscula mas poderosa vespa, considerada o predador natural da broca-da-cana, a maior praga da lavoura.

De acordo com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), braço de pesquisa das usinas, há hoje no país cerca de 80 laboratórios, entre os próprios e os independentes, que produzem um exército de 60 bilhões de vespas liberadas anualmente nos canaviais, cobrindo uma área de 2,5 milhões de hectares, ou 36% da área total plantada com cana.

O controle biológico tem pelo menos duas vantagens: evita a contaminação do ambiente, já que dispensa a utilização de agrotóxicos, e reduz em quase três vezes os custos em relação ao emprego de produtos químicos.

“Não existe um canto do Brasil que não tenha o problema da broca onde há cana-de-açúcar”, diz Enrico Arrigoni, engenheiro agrônomo e fitopatologista do CTC. “E a cotésia (Cotésia flavipes) é o único inimigo natural da broca (Diatrea saccharilis)”.

A produção em laboratório desses insetos começou na década de 70, quando a infestação ocorria, em média, em 11% dos canaviais. “Pode parecer pouco, mas esse percentual representava um prejuízo grande ao produtor”, diz Arrigoni. “Para cada 10% de infestação, perde-se 8% na produção total de cana, 2,5% na de açúcar e 2% na de álcool”.

Diante desse quadro, o setor resolveu contra-atacar. E à medida em que os investimentos em laboratórios de controle biológico cresciam, os ataques da broca recuaram. Hoje, a média de infestação está bem abaixo da taxa histórica – varia entre 2,5% e 3%.

Silvia Costanti/Valor

Soltas no canavial, elas têm 72 horas para encontrar a presa antes de morrer

Em Barra Bonita, no interior de São Paulo, a biofábrica de cotésias da Cosan, a maior empresa sucroalcooleira do mundo, produz mensalmente 40 milhões de vespas e 800 mil brocas – sim, é preciso criar a praga para que ela sirva de hospedeiro à cotésia.

Em uma sala iluminada, 13 funcionárias parasitam quatro mil lagartas por dia. O processo funciona assim: as lagartas de broca são “oferecidas” à cotésia, que quando pousam sobre elas inoculam 50 ovos de cada vez. Depois, essas lagartas são guardadas em caixinhas transparentes até que os ovos se transformem em novas vespinhas e abandonem a carcaça da lagarta.

Assim que nascem, as cotésias são soltas rapidamente no canavial para começar a busca frenética pelas brocas. Elas têm de ser rápidas: vivem apenas 72 horas. Esses minúsculos insetos encontram a sua presa graças aos feromônios exalados pela broca, que se protege em galerias que ela mesma constroi dentro da cana, tal como um formigueiro.

E aí está a diferença entre um defensivo agrícola e a cotésia: só elas são capazes de entrar no caule da cana, através dos orifícios abertos pela broca, e avançar nos tortuosos caminhos das galerias.

“Só as cotésias conseguem chegar lá dentro”, afirma Sebastião Santos Ribeiro, supervisor de desenvolvimento agronômico do polo de Jau da Cosan, responsável por quatro unidades.

A Cosan adotou o controle biológico em 1977 e conta hoje com cinco laboratórios de produção dessas vespas. Só o polo de Piracicaba, onde tem cinco usinas, não possui a instalação. Segundo o grupo, devido à baixa incidência de brocas na região. “Quando é necessário, compramos os insetos de produtores privados”, diz a empresa, em nota.

Segundo o CTC, apesar de a praga ocorrer em todo o território brasileiro, as regiões mais quentes tendem a sofrer mais com os ataques da praga, já que a cana cresce de forma mais devagar e se torna suscetível aos ataques. O oeste paulista é um exemplo clássico de infestação de broca. Outra explicação para a maior incidência é a localização perto de pastagens. “O pasto abriga o hospedeiro”, afirma Arrigoni.

Em 2010, o laboratório instalado na Usina São João, processadora de 3,7 milhões de toneladas de cana, multiplicou 60 milhões de cotésias, um volume suficiente para cobrir 12,5 mil hectares de canavial. É um negócio e tanto. De acordo com a empresa, o custo de livrar o canavial das pragas por meio de controle biológico é de R$ 45 por hectare, contra R$ 148 por hectare se fossem aplicados inseticidas.

O monitoramento dos canaviais começa na fase de desenvolvimento da planta. A cada 15 dias, funcionários são enviados a campo para detectar a presença da broca e outras pragas subterrâneas, como fungos. Se são encontradas pelo menos cinco brocas no período de uma hora, é hora de liberar as vespas.

O sinal mais aparente de ataque é o “coração morto” da planta – a haste da cana fica seca como palha. Outra evidência são os furinhos que a lagarta faz para entrar e se alimentar da cana. Por fim, corta-se a haste ao meio para localizar a broca. Todas as lagartas encontradas são recolhidas e levadas para o laboratório, que inicia o ciclo de reprodução de brocas que servirão de hospedeiros para as futuras vespas, que serão soltas depois no canavial. A produção de cotésias não para.

Vídeo sobre o tema disponível em www.valoronline.com.br

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