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Compensação de ICMS – direito do contribuinte ou crime?

A compensação do crédito de ICMS pelos contribuintes que discutem o mesmo em juízo pode, hoje em dia, ser tida como uma atividade contábil rotineira nas empresas.

Isto porque a discussão, já superada, acerca da caracterização desta conduta como crime tributário não macula o caráter legal que lhe é inerente, bem como a eficiência econômica que se obtém em razão do benefício financeiro alcançado pelo empresário que, num ambiente cujo insucesso prospera com força esmagadora, consegue respirar aliviado valendo-se do crédito ao qual faz jus para, dispondo de caixa suficiente, movimentar seus negócios, aumentar sua produção, investir ou, ainda que o seja desta forma, manter-se em funcionamento.

Neste contexto, qualquer opinião no sentido de caracterizar como crime a compensação de créditos tributários oriundos do Princípio da Não-Cumulatividade do ICMS restará completamente descabida.

Ora, tratando-se de garantia prevista pela Constituição Federal, pela qual o contribuinte tem o direito de se creditar pelas entradas de mercadorias para a compensação com o imposto cobrado na saída, é notório que o referido Princípio produz efeitos imediatos na ordem jurídica, não sendo possível sofrer qualquer restrição substancial pela legislação infraconstitucional, nem tão pouco por ato arbitrário do Fisco, como vem sendo verificado em algumas ocasiões.

Se, por um lado, o entendimento “pró-contribuinte” acima, encontra-se amparado por renomados juristas do jaez de Geraldo Ataliba, Roque Carrazza, Ives Gandra da Silva Martins, entre outros, bem como por sólidas jurisprudências emitidas pelos Tribunais pátrios, por outro, sustenta a Fiscalização, ante o anseio arrecadatório que lhe conduz, ser ilegal o creditamento efetuado pelo contribuinte nestes termos, tipificando dada conduta como crime contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, inciso II, da Lei nº8.137/90.

Ocorre que, ao analisar o dispositivo em questão, são encontradas características que excluem o tipo penal alegado pelos agentes fiscais. Com efeito, a aludida legislação preceitua:

“Art. 1º. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

(…)

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal”.

O que pode ser notado na norma tributária em questão, é que a infração nela descrita completa uma conduta típica, dotada de caracteres formais que, se não ocorridos como elucidados eliminam a possibilidade de violação à ordem jurídica.

Assim, antes de qualquer coisa, deve-se atentar ao verbo que corresponde ao núcleo da conduta proibida no referido artigo. Trata-se do verbo fraudar, conceituado como o engano dolosamente provocado, o malicioso induzimento a erro ou aproveitamento de preexistente erro alheio, para o fim de injusta locupletação. Ou seja, fraudar é utilizar-se de expediente enganoso para criar a outrem uma falsa representação da realidade.

Ademais, para a caracterização do tipo penal argüido, não é qualquer fraude que importa. O crime aqui está descrito de forma vinculada, de forma que deve haver a inserção de elementos inexatos ou omissão de operação nos livros e documentos fiscais da empresa.

Uma vez ausente da conduta adotada pelo contribuinte a situação acima descrita, visto que este se valeu de seu legítimo direito para compensar o montante que lhe é devido, não há que se falar em ato criminoso, afinal, se assim fosse, qualquer atitude embasada em entendimento jurídico discordante daquele adotado pelo agente fiscal seria considerada criminosa e estaria transformado em crime o descumprimento de qualquer regra tributária, tomando-se por referencial o entendimento do Fisco, o que seria não apenas juridicamente, mas moralmente, inadmissível.

Destarte, forçoso concluir que o crime previsto na legislação sustentada pelo Fisco não deve, em hipótese alguma, ser aplicado ao contribuinte que licitamente creditou-se do montante discutido em juízo em razão do Princípio da Não-Cumulatividade, seja pela ausência de fraude contra a fiscalização tributária, seja pela ausência da suscitada inexatidão dos elementos inseridos no livro fiscal, dado que os mesmo são feitos de forma aberta, límpida e cristalina, amparados no mais lídimo direito, subespécie de um direito ainda maior, qual seja, o direito em discordar das arbitrariedades do Governo, uma conquista árdua da sociedade, e que deve perdurar na base de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

* Marcos De Santis

Advogado Trainee da Equipe Lombardi

Lombardi Adv. Empresarial

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