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Com o etanol, o Brasil tem tudo para ser líder mundial na transição para a indústria de baixo carbono

Avaliação é de Adalberto Maluf, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE)

Com o etanol, o Brasil tem tudo para ser líder mundial na transição para a indústria de baixo carbono

Com o etanol, os demais biocombustíveis e as fontes renováveis de energia, o Brasil tem todas as condições para ocupar a liderança mundial na transição para a indústria de baixo carbono.

A avaliação é Adalberto Felicio Maluf Filho, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), também diretor de sustentabilidade, marketing e de novos negócios da chinesa BYD, fabricante de veículos elétricos.

Apesar de focado no setor de veículos elétricos, Maluf, que é formado em Relações Internacionais pela USP, é um grande defensor do etanol.

Nesta entrevista, ele comenta sobre o que acontecerá com o biocombustível ante o avanço dos elétricos e sobre tecnologias como a de célula de combustível a etanol.

JornalCana – Que os veículos elétricos chegaram para ficar no Brasil é só questão de tempo. Em sua opinião, em quanto tempo os elétricos puros e os híbridos serão maioria na frota circulante do país?

Adalberto Maluf – Muitas projeções internacionais colocam o ano de 2026 como importante marco, onde a venda de veículos híbridos (com motores a combustão e elétrico), híbridos plug-in (dois motores e cabo de carregamento) e 100% elétricos deverão superar as vendas de veículos a combustão.

No caso brasileiro, provavelmente teremos um prazo um pouco maior, próximo de 2030. Isso pelo potencial dos veículos híbridos flex, que é uma grande vocação e o Brasil tem um super potencial de se consolidar como um líder na industrialização dos híbridos flex e no uso dos motores com o aumento da porcentagem de etanol.

Mas independente do contexto local, a partir de 2030, 2035 e 2040 certamente a maior parte de veículos no mundo deverá ter algum tipo de hibridização ou eletricidade em suas composições.

JornalCana – O que impede a rapidez nesse crescimento: a capacidade de renda do brasileiro, a falta de rede de eletropostos? Em sua avaliação, como os agentes (públicos e privados) fazem a gestão dessa situação (renda e estrutura de pontos) e como deveriam fazer para agilizar?

Adalberto Maluf – O que impede um crescimento mais significativo do mercado de veículos elétricos no Brasil é a ausência de uma política nacional para fomentar o setor.

E não só uma política industrial, que aproxime o setor produtivo da academia, dos governos regionais, mas também políticas fiscais. Até hoje o veículo elétrico paga mais Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) do que um modelo a combustão.

Infelizmente a gente não conseguiu criar um plano de incentivos para fazer a transição dessa indústria, em especial no caso das novas tecnologias com veículos 100% elétricos.

O Brasil tem um potencial enorme com os híbridos flex. O etanol é o biocombustível mais bem sucedido em nível mundial, biocombustível sustentável, renovável, que gera emprego e renda, além de reduzir a emissão de poluentes.

Então o Brasil tem de trabalhar o etanol com o híbrido flex para fazer a transição de nossa indústria e, quem sabe, na inserção das nossas cadeias produtivas globais.

JornalCana – Quando se fala em veículos elétricos, o foco segue mais para a pessoa física. Como o sr. avalia o avanço desses modelos junto à iniciativa privada (frotas de veículos e de caminhões) e à pública (ônibus etc)?

 Adalberto Maluf – O que primeiro se eletrificou em níveis mundiais foram as frotas públicas, em especial os ônibus do transporte público em função de que eles, apesar de representarem menos de 1% das frotas das grandes cidades, chegam a acumular 40% da emissão de poluentes.

Por isso a redução na transição do diesel e a consequente transformação para ônibus elétricos foi um grande foco mundial, primeiro na China, depois na Europa e Estados Unidos.

E o que se viu na sequência foi o crescimento da logística verde: caminhões de logística urbana e furgões. Esses e os ônibus integram duas áreas nas quais os prefeitos e governantes têm a caneta e podem regular políticas públicas de incentivo. É o caso brasileiro, onde o furgão elétrico tem isenção de IPVA e isso ajuda muito a viabilizar.

É verdade que no mundo sempre prestamos atenção nos veículos para pessoas físicas, nos leves, na medida que estes estão em maior circulação.

Os elétricos tiveram um salto mundial em 2021, quando saíram de 4% para 9%. Em mercados mais maduros, como China e Alemanha, eles já caminham para 20, 25% do mercado. É uma transição.

Até 2020, o mundo vendeu quase 40% de todos os ônibus elétricos. Vemos que na próxima leva [de venda de elétricos] os veículos leves, os caminhões e os de logística serão os que mais irão crescer.

JornalCana – Motores a combustão: gestores de fabricantes (Volks entre outras) relatam que a existência dessa frota no Brasil deverá perdurar no país. Qual sua opinião?

Adalberto Maluf – Certamente os motores a combustão terão vida longa. Falamos de países grandes como o Brasil, com diferentes realidades e mesmo que o mundo faça a transição para e eletromobilidade, ainda teremos espaço para os motores a combustão.

Mas em um futuro próximo o combustível fóssil estará cada vez mais caro e escasso. Então não faz muito sentido queimar o petróleo e os diferentes combustíveis em motores com tão baixa eficiência.

Caminhamos para ter um mundo com cada vez mais eficiência no sentido de buscar a redução de emissão de poluentes. Mas acredito que, em especial no Brasil, e em outros lugares onde o biocombustível cresceu, os veículos a combustão terão espaço.

Mas nas grandes cidades, em termos mundiais, provavelmente só veremos veículos elétricos. Seja porque de uma lado existe política ambientalista, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e por outro por conta de medidas dos governos para aumentar a qualidade de vida, reduzir ruído e ampliar a segurança.

Veremos um processo de aumento da régua da emissão e da segurança dos veículos a combustão, ao mesmo tempo em que os elétricos ganharão escala, enquanto os preços da bateria e dos demais componentes continuam a cair. Isso deverá viabilizar os elétricos na maior parte do mundo a partir de 2026 ou 2027.

JornalCana – O sr. tem-se posicionado a favor do etanol. Há espaço para ele com o avanço e consolidação da eletrificação? Por quê?

Adalberto Maluf – Sou um grande entusiasta do etanol. Ele é hoje o biocombustível mais bem sucedido em nível mundial. Sustentável, renovável, gera muito emprego e renda no Brasil, e o país tem que aproveitar a nossa liderança no etanol para fazê-lo durante a transição para esta nova indústria, para a inserção das partes brasileiras nas cadeias produtivas globais.

Temos vários países que também poderiam se beneficiar do uso do etanol, dos motores flex, como a Colômbia, África do Sul e a Índia, e o Brasil certamente é um dos melhores posicionados para fazer essa transição.

Hoje o etanol representa menos de 20% do consumo de combustível líquido do país. É preciso aumentar esta porcentagem porque, além de ser sustentável, o etanol gera emprego e renda.

Por isso a necessidade dessa transição ao nosso parque produtivo, com os híbridos flex primeiro, depois com os híbridos flex plug-in, e, à medida que o mercado for crescendo, com baterias maiores, tenha-se opções de se usar dentro das cidades o elétrico e o etanol para veículos elétricos e, nos pesados, o elétrico puro na medida que o nosso principal compromisso é reduzir o consumo de diesel.

JornalCana – Tecnologias como célula de combustível a etanol (geradora de hidrogênio e, na sequência, eletricidade) estão em desenvolvimento em instituições com aporte de fabricantes de veículos. Mas a previsão é de que essa novidade chegue ao mercado a partir de 2027. Não é muito tempo?

Adalberto Maluf – A rota tecnológica do etanol como fonte geradora de hidrogênio é uma rota importante onde o Brasil deve, sim, se estruturar para poder criar estes mercados.

Porém o que se vê a nível mundial é que sem um grande financiamento, em especial subsídios a fundo perdido de governos, é muito difícil uma nova tecnologia disruptiva ganhar espaço.

O setor primário precisa atender a demanda de curto prazo. Ele tem ações em bolsa, precisa ter lucro e tudo no curto prazo.

Então um desenvolvimento como este precisaria de uma liderança muito mais forte do governo brasileiro. Não só aproximando a indústria da academia e do setor produtivo como um todo, mas estimulando a compra de produtos, dando escala para se reduzir o preço dos insumos.

Eu acredito que o etanol irá ocupar espaço. Quem sabe ele possa ser uma fonte geradora de hidrogênio, mas ele pode ser viável com seu uso no motor, para gerar energia, e como etanol de segunda geração.

Temos um rol muito grande de produções tecnológicas que certamente irão vir.

Mas eu não acredito que no curto prazo o etanol tenha, como melhor solução, todo o investimento para célula de combustível, para gerar hidrogênio. Até porque se fala em chegar ao mercado a partir de 2027, 2028, e daqui até lá já falamos em uma grande revolução tecnológica.

Hoje a tecnologia muda muito rápido, e há muitos investimentos mundiais para acumuladores de energias, como as soluções eletroquímicas, em especial a bateria de lítio, além de outras que possam surgir. É importante o Brasil continuar a pesquisar este setor [etanol para produzir hidrogênio], mas não sei se podemos apostar todas as nossas fichas como se isso fosse a solução mágica para a eletromobilidade mundial.

JornalCana – A Associação Brasileira do Veículo Elétrico apoia qual rota tecnológica para eletrificação?

Adalberto Maluf – A Associação não escolhe uma rota tecnológica. Acreditamos que várias tecnologias deverão crescer e coexistir todas juntas.

Mas cada vez mais acreditamos no potencial, no crescimento dos biocombustíveis, em especial no etanol no Brasil. Isso para ampliar e suprir a frota de veículos leves.

A nível mundial, o que se vê é a eletrificação trabalhar muito para substituir o diesel. Hoje, mais de 40% dos ônibus do mundo são elétricos, e já vemos uma corrida para eletrificar os caminhões e os furgões.

A meu ver, o Brasil deve, sim, apostar no etanol até para ampliar seu uso no veículo leve e também, cada vez mais, nos híbridos flex.

Acredito que, em poucos anos, quase todos os veículos flex serão híbridos porque buscaremos cada vez mais a inserção de novas tecnologias para reduzir emissões e dar eficiência aos motores a combustão. Então nada mais natural que os híbridos flex cresçam bastante em sua amplitude e tragam junto o aumento do consumo de etanol.

JornalCana – Para finalizar, qual sua avaliação sobre as fontes renováveis de energia?

Adalberto Maluf – O crescimento das fontes eólica, solar, de biomassa, é um caminho sem volta a nível mundial.

O Brasil está muito bem-posicionado para ser um grande líder dessa transição com os híbridos flex, com a ampliação do uso da energia solar para abastecer os híbridos flex plug-in, que devem vir no curto prazo.

Então para que a gente mantenha o Brasil como importante centro da indústria de transformação mundial, ele que já foi sexto mercado de veículos leves – hoje é o nono -, ainda somos o quarto mercado de veículos pesados, é preciso que tenhamos cada vez mais políticas complementares e unificadoras. É o caso do RenovaBio, do programa Combustíveis do Futuro. E precisamos também de uma plataforma, de um plano nacional da eletromobilidade que possa ampliar o uso do biocombustível em complementaridade ao adensamento da cadeia produtiva do lítio. Isso porque o Brasil tem uma grande reserva e todos os minérios estratégicos para essa revolução.

O Brasil já é hoje o país que mais gera empregos em biocombustíveis em nível mundial. Somos líderes em energias renováveis na nossa matriz e, por isso, temos condições de sermos líderes nessa transição para a indústria do futuro que virá na indústria de baixo carbono.

Delcy Mac Cruz

Esta matéria faz parte da edição de maio do JornalCana. Para ler, clique AQUI!