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Com eficiência, o lucro se mantém

É preciso usar lentes bifocais para enxergar o que de fato ocorreu com a economia e com as empresas brasileiras no ano passado. Ao se olhar apenas pelo modesto crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de 2,3%, a impressão é que a situação andou mesmo muito mal e que o ambiente de negócios foi decepcionante. No enfoque das maiores companhias relacionadas nesta edição de Valor 1000, contudo, revela-se um surpreendente desempenho. As vendas cresceram 11,3% e a rentabilidade ficou em 16,3% – foi de 16,6% em 2004, quando a economia cresceu perto de 5%. A margem líquida (9,9%) também se manteve e o endividamento oneroso das empresas retroagiu de 50,4% para 41,7%.

Nem todos os setores levaram a melhor, é verdade – basta ver as dificuldades da agricultura e das indústrias de alimentos, petroquímicas e de papel e celulose, que registraram quedas de receita e de rentabilidade. Os acontecimentos econômicos, na verdade, tiveram influências muitas vezes contraditórias entre eles.

Houve momentos de desânimo geral, como aqueles em que parecia prevalecer apenas a dolorosa seqüência de alta das taxas básicas de juros promovida pelo Banco Central para bombardear os sinais de inflação – o que inibe investimentos. A taxa Selic, que já vinha subindo desde o último trimestre de 2004, subiu mais 2 pontos, beirando os 20% ao ano em outubro.

Efeitos desastrosos poderiam ter sido acarretados ainda pela exibição permanente, durante boa parte do período, das Comissões Parlamentares de Inquérito sobre corrupção eleitoral, que colocaram em córner o governo e sua base parlamentar – incluindo o ministro da Fazenda, principal fiador da política econômica.

O clima, certamente, fi cou mais pesado, mas a economia nem tanto. Pois, no fim do ano, a inflação oficial estava completamente domada em 5,6% – o Índice Geral de Preços (IGP-DI) da Fundação Getulio Vargas retrocedeu para 1,22%, e os preços no atacado para 0,88%. A balança comercial contrariou estimativas e continuou a crescer fortemente, com expansão de 22,6% das exportações (total de US$ 118,3 bilhões) e de 17,2% das importações (US$ 73,6 bilhões) e um saldo de US$ 45,4 bilhões, quase 35% maior que o do ano anterior. Um verdadeiro salto, mesmo com uma taxa de câmbio em franca queda (média de menos 16%, a R$ 2,37 por um dólar no fim do ano). O risco Brasil, calculado pelo Banco JP Morgan Chase, caiu abaixo de 300 pontos, até então a menor pontuação desde o início da apuração, em 1994. E na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o valor de mercado das companhias listadas subiu 29,5% em reais e 45,3% em dólares, em grande parte, com o estímulo da entrada de investidores estrangeiros.

Ao lado de nuvens carregadas, portanto, havia também um amplo céu azul. Em lugar da temida desaceleração mundial, o que ocorreu foi mais uma jornada de crescimento da demanda mundial liderada pelos Estados Unidos e pela China, com reflexos positivos sobre quantidades e preços de várias commodities exportadas pelo Brasil. Manteve-se também a oferta internacional de recursos, o que, em parte, patrocinaria a valorização do real – um fator extra, por sinal, na derrubada da inflação.

Mudanças no perfil da renda e do consumo da população ajudaram a compor o quadro. De um lado, já vinha aumentando a oferta de emprego – o emprego formal medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aumentou 5,1%, chegando a 8,2% no caso da construção civil. E a taxa de desemprego aberto recuou de 10,2% para 9,2% em janeiro de 2006. De outro, cresceu em cerca de 3% a renda média real das pessoas ocupadas. Para completar, houve ainda uma oferta bastante generosa de crédito para pessoas físicas – em especial, os chamados empréstimos consignados e o crédito ao consumo. Segundo o BC, o montante de recursos emprestados para pessoas físicas com recursos livres registrou evolução de 37,7%.

QUEM SE DEU MELHOR

Os setores que mais se beneficiaram desse cenário foram os de mineração, petróleo e gás e açúcar e álcool – em grande medida, pela combinação do crescimento internacional e alta das cotações do petróleo.

Os setores que mais se beneficiaram do cenário positivo foram mineração, petróleo e gás eaçúcar e álcool A mineração, em particular, festejou mais um ano de expansão da atividade siderúrgica global encabeçada pela China, que exige quantidades crescentes de minério de ferro. Aumentaram os volumes e os preços, resultando um crescimento de receita líquida do setor da ordem de 31,9% – nitidamente, uma aceleração, uma vez que o crescimento, em 2004, havia sido de 26,9%. A geração de valor (Ebitda sobre vendas) cresceu de 39,2% em 2004 para 43,6% em 2005. A margem líquida alcançou 49,2%.

O setor sucroalcooleiro, de seu lado, pôde tirar proveito de cada um dos principais acontecimentos econômicos de 2005. Na alta constante do preço dos derivados de petróleo, por exemplo, foi duplamente beneficiado. Primeiro, pela grande preferência dos consumidores pelos veículos bicombustíveis, que arbitraram em favor do álcool, mais barato. Depois, pelo aumento da adição de álcool à gasolina – uma mistura que deve ser adotada por várias grandes economias, como a japonesa, pela mesma razão de preço e por razões ambientais. Para se ter idéia do efeito provocado pelos novos carros de tipo flex, basta observar que, enquanto o consumo de gasolina aumentou 2,9%, o combustível derivado de cana avançou 8,3% no período. Assim, a receita líquida deu uma nova empinada de 26,5%, elevando a rentabilidade do patrimônio líquido de 3,8% para 7,4%.

Já o setor de petróleo e gás, que representa 20% do faturamento líquido consolidado de Valor 1000, foi movido, ao mesmo tempo, pelo aumento da produção brasileira, pelas exportações e pelos preços. A Petrobras, é verdade, só reajustou os preços da gasolina e do diesel uma vez, em outubro, assim mesmo em apenas 10% e 12%, respectivamente – bem abaixo das altas internacionais. Mas, no final, não apenas a estatal registrou lucro de R$ 23,4 bilhões, 32,1% acima do ano anterior, como todo o setor pôde saborear uma rentabilidade patrimonial de 26,3% obtida e uma receita líquida de R$ 229 bilhões, 18,6% superior à do ano anterior.

QUEM PERDEU MAIS

Foi, sem dúvida, na agricultura e pecuária que o PIB brasileiro teve o seu pior desempenho, com um crescimento de apenas 0,77% – o pior resultado desde 1998. Tratou-se de uma mórbida combinação de seca (ou quebra de safras), aumento de custos (influência do preço do petróleo nos fertilizantes, defensivos e transportes) e valorização cambial (menor receita em reais nas exportações). Em vários produtos houve ainda queda de cotações, o que representou uma diminuição extra do faturamento. O resumo da situação é que o setor Agricultura teve uma queda de receita de quase 13%, com rentabilidade (11,4%) e margem líquida (3%) bem mais estreitas que em 2004.

O setor de alimentos também sofreu. Primeiro, porque o mercado interno, mesmo com melhora de renda, não continuou crescendo como em 2004. Depois, mesmo com fortes vendas externas, a valorização do real frustrou o faturamento em moeda local. O resultado foi uma queda de 3,4% na receita e um recuo na rentabilidade patrimonial (de 16,2% para 14,8%), embora as empresas tivessem tido a oportunidade de cortar o endividamento oneroso de 91,4% para 80,6%.

Também não teve bom desempenho o setor químico e petroquímico. Foi um ano muito conturbado porque, de um lado, as cotações das principais matérias-primas (especialmente a nafta) subiram muito com os preços do petróleo. De outro, os preços de alguns dos produtos mais importantes (eteno, benzeno e as resinas termoplásticas) ou ficaram estáveis, ou caíram em razão dos elevados estoques acumulados pela China. Como o mercado doméstico esteve igualmente morno, o faturamento líquido do setor caiu 0,9%, com encolhimento simultâneo de rentabilidade e margem.

MELHORES PERSPECTIVAS

Para 2006, todas as previsões de crescimento da economia são bem mais otimistas. As expectativas de evolução do PIB giram entre 3,5% e 4%. Atuam a favor o clima gerado por uma redução constante das taxas básicas de juros, que podem chegar a 14% em dezembro, e melhoras ainda mais flagrantes nos indicadores de emprego e renda. Os fundamentos da economia brasileira, de outro lado, continuavam excelentes atéo terceiro trimestre, quando já havia quase certeza de que a inflação ficaria abaixo da meta de 4,5% fixada pelo Conselho Monetário Nacional e que o compromisso de superávit fiscal seria cumprido, apesar do aumento de gastos de ano eleitoral.

Agricultura teve queda de receita, com margem e lucro sobre o patrimônio mais estreitos De sua parte, com a lucratividade obtida nos últimos anos, as empresas fortaleceram sua estrutura de capitais e empurraram para 41,7% do patrimônio o nível de endividamento oneroso – chegou a 82,1% em 2002. A queda foi propiciada também pelo efeito da valorização do real sobre a dívida em dólares e pela inibição à contratação de novos empréstimos em razão do aumento da taxa Selic.

Há, portanto, uma importante melhora qualitativa, visão compartilhada por investidores internacionais. Mas há também muito por fazer, com vários pontos da agenda em aberto – é hora de pensar nisso para saber qual país se quer no curto e no longo prazo.

* Marcio Torres é professor de finanças do MBA Executivo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e, como gerente de crédito, responsável pela área de estudos de empresas e de avaliação de risco de grandes empresas da Serasa.

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