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Com a Argentina, uma briga quase secular por causa do açúcar

As divergências brasileiras e argentinas em torno do açúcar estão a ponto de completar um século. Em 1906, os então presidentes Manuel Ferraz de Campos Salles, do Brasil, e Julio Roca, da Argentina, reuniram-se para discutir uma redução do protecionismo argentino sobre o açúcar. A reunião terminou sem soluções. Os 97 anos decorridos não trouxeram muitos avanços na questão.

Com a implementação do Mercosul, a integração proporcionada pelo acordo fez com que todos os produtos que circulam dentro do bloco comercial do Cone Sul pudessem ter livre comércio. Todos, menos um. O açúcar, mais uma vez.

Na contra-mão da globalização, os usineiros argentinos – reunidos no poderoso “Centro Azucarero” (Centro de Usineiros) se recusam a eliminar a proteção que usufruem desde o fim do século 19. Desde o surgimento do Mercosul, usam o argumento de que “o açúcar brasileiro é subsidiado pelo do Proálcool” (programa do governo brasileiro para incentivar o uso do álcool no País).

“Só aceitaremos o açúcar brasileiro quando o Proálcool for desmantelado”, afirmam os usineiros. Eles alegam ainda que, se o comércio do produto fosse livre, a economia de pelo menos três províncias do norte do país (Tucumán, Salta e Jujuy) entraria em colapso, acarretando a eliminação de 50 mil empregos diretos e de 150 mil empregos indiretos. No entanto, os poucos críticos argentinos do setor afirmam que os usineiros estão tecnicamente defasados e aproveitam seu elevado poder de lobby no Congresso Nacional para continuar protegidos e não modernizar a produção.

Graças a esta poderosa influência, conseguiram impedir o veto presidencial à lei de proteção do açúcar. No Senado, o veto foi rechaçado por unanimidade. Na Câmara de Deputados, o governo conseguiu o apoio de apenas dois parlamentares. Além disso, nas paupérrimas províncias do norte da Argentina, os usineiros têm linha direta com os governadores e, em muitos casos, eles próprios são governadores, senadores e deputados. Atualmente, o açúcar brasileiro precisa pagar uma tarifa oficial de 20% para entrar na Argentina. Mas o “direito móvel” (que se paga de forma adicional) é de cerca de 35%. Desta forma, o total pago real é de 55%, o que torna a proteção do açúcar argentino superior inclusive à tarifa consolidada pela Argentina na Organização Mundial do Comércio (OMC), de 35%.

No entanto, as indústrias alimentícias argentinas tentam se esquivar desta medida. Lideradas pela Arcor, a multinacional argentina que é a maior fabricante mundial de caramelos, diversas empresas deveriam importar 24 mil toneladas de açúcar refinado até o ano que vem. Já teriam entrado na Argentina 2 mil toneladas de açúcar brasileiro. As empresas recorrem a uma legislação ainda não regulamentada de que a tarifa a ser aplicada teria de ser a consolidada da OMC, de 35%. Os industriais tentam conseguir o respaldo do Secretário da Agricultura, Miguel Campos, que está com o relatório sobre essa legislação na sua mesa.

Ditadura – Durante a última Ditadura Militar (1976-83), a maioria dos usineiros apoiou a repressão, a tortura e o assassinato dos opositores políticos, muitos deles, sindicalistas das usinas. Só na província de Tucumán, a ditadura assassinou três mil pessoas, entre elas, idosos e mulheres.

Na província de Jujuy, em 1976, no vilarejo ao lado do engenho Ledesma, o regime militar realizou um “apagão” de várias horas à noite, período em que foram seqüestrados 300 trabalhadores e as respectivas famílias. Destas, 30 pessoas ainda continuam “desaparecidas”.

O próprio presidente do “Centro Azucarero”, Jorge Zorreguieta, foi ministro da Agricultura do ex-ditador Jorge Rafael Videla. Zorreguieta, cuja filha casou-se com o príncipe herdeiro da Holanda (ele não pôde comparecer ao casamento, proibido pelo Parlamento holandês por causa das acusações de violação dos Direitos Humanos), afirma que o açúcar brasileiro é subsidiado pelo Proálcool e que os sistemas de produção dos dois países “são muito diferentes, e por isso, não há condições para a integração”.

O líder dos usineiros argentinos também rejeita a possibilidade de que parte da produção de açúcar do país seja absorvida pelo Proálcool no Brasil. “Ficaríamos dependentes dos humores do mercado brasileiro”, argumenta.

A Argentina teve um embrião de Proálcool, o “Alconafta” criado pela Ditadura Militar, mas desativado em meados dos anos 80. Esta foi a terceira proposta – desde 1997 – feita pelo governo brasileiro ao governo argentino e seus usineiros para tentar resolver o impasse do açúcar.

Os usineiros argentinos rejeitam as críticas de que os estabelecimentos estão antiquados – após tantas décadas sem necessidade de competir com o produto estrangeiro – e afirmam que a produtividade aumentou.

Segundo o Centro de Usineiros, a superfície cultivada caiu de 292.192 hectares em 1990 para 241.100 em 1999. Mas a produtividade no mesmo período aumentou, já que a tonelada de cana por hectare subiu em média de 42,85 para 66,77 toneladas. No ano passado, a Argentina produziu 1,55 milhão de toneladas de açúcar, o equivalente a um décimo da produção brasileira.

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