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Cientistas do Rio de Janeiro apresentam um biodiesel ecologicamente correto, derivado de esgoto sanitário

Marty McFly precisava viajar no tempo para salvar o destino do planeta, mas não conseguia plutônio para movimentar seu De Lorean. O que fazer? Abastecer com lixo, claro. O delírio do filme De Volta para o Futuro vira realidade nos laboratórios da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da UFRJ: óleo diesel feito a partir de esgoto sanitário. A técnica foi patenteada e entregue à Gerar Tecnologia, uma empresa nascida na própria universidade. No começo de 2004, uma usina experimental deve entrar em ação no Rio de Janeiro, numa estação de tratamento da companhia estadual de saneamento (Cedae). Em vez de De Lorean, o combustível de lixo deve mover picapes e caminhões do governo. “O convênio está pronto, só falta assinar”, diz Luciano Basto, sócio da Gerar.

Do esgoto ao diesel, passam-se duas horas. O esgoto sem tratamento é decantado num tanque, o que faz a gordura boiar. Uma rede recolhe o que fica na superfície. Esse produto, chamado de escuma, é filtrado. Mais tarde a escuma passa pelo processo de esterificação: num ambiente favorável, com substâncias catalisadoras e temperatura controlada, adiciona-se álcool. Esse álcool rouba o lugar que a água ocupa na composição química da gordura. Cada litro de gordura rende 840 mililitros de um líquido com cor de óleo diesel e cheiro de óleo diesel – mas que ainda não é diesel. “Diesel não é algo concreto, é qualquer coisa que atenda a uma série de parâmetros. Tanto faz se pegamos como ponto de partida óleo de milho, gordura ou petróleo. O que muda é o trabalho para se chegar às características do combustível oficial”, diz Luciano. “A transformação do diesel feito de esgoto é mais cara, mas a matéria-prima custa muito menos”, diz Andréa Borges, outra sócia do projeto.

Segundo Luciano Basto, o comportamento é parecido com o do derivado de petróleo. “Não é preciso mudar a regulagem do motor. O consumidor jamais será refém do biodiesel.” Normalmente, o biodiesel tem 5% menos poder calorífico, logo tende a fornecer menor potência. Mas o nível de cetano, que tem relação com o torque, aumenta em 20%. “É um combustível que explode mais rapidamente”, diz o pesquisador, “mas ainda é cedo para falar sobre os resultados de desempenho”.

O biodiesel traz boas notícias para os pulmões. Ele é isento de enxofre, substância que impede o uso de catalisadores, como os usados no exterior. (Por outro lado, a falta de enxofre compromete a lubrificação do motor.) Mais benefícios: o biodiesel não ajuda a piorar o meio ambiente, pois não tem natureza mineral. É um caso parecido com o do álcool: o monóxido de carbono produzido na queima será consumido pela plantação de vegetais necessária à produção do combustível. Como se diz, ele encerra a cadeia de carbono. O glicerol, um dos subprodutos da reação, serve para fazer plástico biodegradável – sem falar nos benefícios da despoluição de rios e lagoas.

“O ponto negativo é o índice de NOx, que tende a aumentar. A American Petroleum Exchange (bolsa americana para comércio de petróleo) testou quatro famílias de motores. O índice subiu 4% em um, 13% em outro e teve mudança em dois. Se aumentar 13%, podemos diluir 9% no diesel e ainda assim atender às normas antipoluição do Proconve”, afirma Basto.

Os números da teoria devem ganhar cores realistas em 2004. Por um ano, caminhões da companhia de limpeza urbana do estado do Rio de Janeiro (Comlurb) farão um teste de longa duração. Dois carros rodarão com 5% de biodiesel derivado de soja e outros dois com 5% de biodiesel derivado de óleo de fritura misturado ao diesel. Como parâmetro, outros cinco caminhões só usarão diesel comum. Todos revezarão o trajeto, para serem submetidos às mesmas condições de esforço. O combustível viria da usina que a Cedae deve montar. “O Rio produz mensalmente 2 milhões de litros de esgoto, o que nos permite fazer 200 mil litros por mês de biodiesel”, diz Andréa. “Com essa técnica, é possível substituir 2% do diesel consumido no país.”

O futuro do biodiesel de esgoto depende de definições na lei. Ele não paga imposto e, desse jeito, custa 70 centavos por litro. Se for taxado, ficará mais caro que o combustível tradicional. “A comercialização passa por um problema fiscal no qual a gente não quer se envolver”, diz Basto. Por isso, faz questão de encarar o diesel como resíduo de uma usina de tratamento de esgoto, e não como finalidade principal.

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