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Ciência, mercados e políticas agrícolas

Foi esse o tema do Agricultural Outlook Forum 2005, do Departamento de Agricultura dos EUA, evento que congrega produtores e técnicos do mundo todo e aponta as tendências do ano agrícola americano.

Os EUA são o maior produtor e exportador mundial de produtos do agronegócio, com elevada especialização em commodities clássicas. No evento deste ano ficou claro que o Brasil é o único país capaz de ameaçar a hegemonia secular dos EUA nessa área, citado com enorme destaque nos painéis de soja, carnes, algodão, açúcar e outros.

O primeiro fato que chama a atenção de quem vai ao evento é o contraste entre o temor reverencial ao desempenho brasileiro e as percepções equivocadas que aqui proliferam, afirmando ser o agronegócio um setor pouco dinâmico, de baixo nível tecnológico, que condena o País a uma pauta exportadora típica de economias subdesenvolvidas. Tratase de uma percepção errônea, que apenas denota a nossa baixa estima e o pessimismo crônicos.

Primeiro, porque o fórum aponta que a demanda mundial por commodities tende a crescer de forma explosiva nas próximas décadas, puxada pelo dinamismo das economias emergentes, principalmente na Ásia. Segundo, porque quem afirma que commodities são produtos típicos de países pobres não conhece o padrão de comércio do agronegócio. Nossos grandes concorrentes são EUA, França, Holanda, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e emergentes como México, Tailândia, Malásia e Chile.

Os países mais pobres têm ficado à margem da produção e do mercado simplesmente porque ainda não conseguiram completar a primeira lição do desenvolvimento agropecuário, que é o investimento em ciência e tecnologia. O Outlook foi aberto com a aula magistral de Norman Ernest Borlaug, pai da revolução verde e Prêmio Nobel da Paz em 1970.

Aos 90 anos, o professor Borlaug emocionou uma platéia de 1.500 pessoas com a sua defesa intransigente da ciência e tecnologia como armas para construir a paz e reduzir a fome e a pobreza mundial. Extremamente lúcido, o professor descreveu, com paixão, a sua fantástica experiência nos cinco cantos do planeta, destacando o papel do melhoramento genético, da irrigação, da correção e fertilização dos solos e da mecanização. Ele chamou a atenção para a experiência brasileira de correção dos solos ácidos do cerrado, plantio direto e melhoramento de soja, eucalipto, algodão, gramíneas africanas e gado zebu indiano.

Falou da necessidade de investimentos em infra-estrutura no Hemisfério Sul, particularmente na África, e de desenvolvimento da biotecnologia, o maior desafio do século 21. E afirmou que a agricultura de alta tecnologia e rendimento é a melhor maneira de proteger a fauna e a flora. Citando o caso brasileiro, Borlaug reafirmou que o manejo sustentável do cerrado por meio de maciços investimentos em ciência e tecnologia é único caminho para preservar a Amazônia.

Na área dos mercados, 2005 tende a ser um ano com boas e más notícias. A irrevogável lei da oferta e da procura novamente se faz presente para mostrar que os mercados agrícolas têm comportamento de montanha russa e que não há altas de preços que durem para sempre. Salvo novas surpresas vindas de São Pedro, neste ano as vítimas serão soja, milho, trigo, arroz e algodão.

Outros produtos como açúcar, café, carnes e lácteos, porém, apontam boas perspectivas. É sempre bom lembrar que a agricultura é maior do que a soja e que o agronegócio é maior do que a agricultura! O Outlook deste ano colocou enorme destaque sobre os novos temas do agronegócio mundial: nutrição, sanidade, qualidade, conservação ambiental, rastreabilidade, certificação, biocombustíveis, biotecnologia, instituições e direitos de propriedade.

O Brasil deveria prestar menos atenção à falsa dicotomia entre agronegócio e agricultura familiar, espelhada nos dois ministérios que hoje competem pelos parcos recursos da sociedade, e concentrar esforços na busca de soluções para esses novos temas. Países continentais como os EUA ou o Brasil precisam concentrar recursos no combate à ferrugem da soja, vaca louca, aftosa, gripe aviária, greening e morte súbita dos citros, etc. Ocorre que a globalização ampliou consideravelmente os riscos sanitários e o mercado tem sido implacável com a displicência humana.

Em 2004, um único caso de vaca louca fez as exportações dos EUA caírem 80%, com perdas de US$ 4,8 bilhões. Na trilogia de temas do encontro, política agrícola é o assunto em que os americanos decepcionam o mundo. A palestra do novo secretário de Agricultura, Mike Johanns, marca o início da revisão de orçamento e instrumentos de suporte da Lei Agrícola dos EUA, a ser revista até 2008.

De um lado, o Executivo quer cortar o estratosférico déficit americano. Do outro, os poderosos lobbies agrícolas farão pressão sobre o Congresso para preservar esse modelo de política altamente concentrador de renda.

Na sessão sobre negociações internacionais, procurei deixar claro que a ambição da Rodada de Doha da OMC está calcada na capacidade de os EUA reduzirem os seus indecentes subsídios – que neste ano subirão de US$ 10 bilhões para US$ 24 bilhões por conta dos menores preços -, combinada com o desacoplamento destes vis-à-vis os níveis correntes de produção e preços. Os americanos têm sido hábeis na maquiagem de seus subsídios agrícolas, alegando que estes não seriam distorcivos para o comércio. O painel do algodão expôs à opinião pública mundial o lado distorcivo deles, que atingem cifras lunares – os pagamentos médios ao produtor atingem US$ 24 mil em grãos e oleaginosas e inacreditáveis US$ 195 mil em algodão.

Se os EUA não apresentarem propostas arrojadas de redução de subsídios em Genebra, não apenas a Rodada de Doha pode estar condenada ao fracasso como a própria OMC terá de conviver com a explosão de novas disputas, a começar pela soja, em que murmúrios a favor de um contencioso já são ouvidos em nossas fronteiras agrícolas.

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