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Chip de R$ 60 transforma carro a gasolina em flex; veja riscos

Donos de carros a gasolina descobriram um jeito barato, mas irregular e perigoso, para transformar seus veículos em bicombustíveis: a instalação de um chip. Por um mínimo de R$ 60, é possível comprar um kit “Super Flex”, que promete fazer o veículo rodar movido a álcool, gasolina ou com a mistura dos dois combustíveis.

Propagandas dos carros “bicombustíveis genéricos” podem ser vistas em inúmeros sites, sendo que a única exigência para a transformação é que o carro tenha injeção eletrônica.

Somente nesses veículos é possível implantar o chip, que “engana” o sistema original de injeção eletrônica do carro e faz com o que possa rodar também a álcool, o que, no entanto, traz prejuízos ao veículo. Nos kits mais caros, substitui-se toda a injeção eletrônica como método de conversão.

A maior parte dos interessados pelos falsos flex é formada por donos de carros de modelos mais antigos que não estão dispostos a comprar um carro bicombustível.

Entre as vantagens que são anunciadas pelos vendedores do chip estão “a economia de combustível”, “o fato de não perder a originalidade do veículo” e a “fácil remoção e instalação”.

No entanto, engenheiros alertam que o flex genérico pode trazer mais danos que vantagens em um curto espaço de tempo. Segundo Fernando Damasceno, consultor do SAE-SP (Society of Automotive Engineers), entre três e seis meses os carros transformados já podem ter de trocar a bomba de combustível. “A maior parte das perdas é irreversível.

Foi o que aconteceu com a auxiliar administrativa Erika Bassi, de Guarulhos (Grande São Paulo). Três meses depois de instalar o chip, a bomba de combustível do Fiesta modelo 98 queimou. Ao optar pelo chip, ela disse que estava interessada no quanto poderia economizar com o álcool. Ela disse que soube da novidade por meio de um anúncio na rua e que, na época, desconhecia que se tratava de uma manobra ilegal. Hoje, se diz arrependida: “Só tive dores de cabeça.”

Além do problema na bomba, ela disse ter sido obrigada por duas vezes a mandar reprogramar o módulo de injeção. Em um ano, o carro foi para manutenção três vezes e Erika não pôde utilizar o carro por um mês inteiro. “Eles não davam retorno. Nem falando de processo eles se assustaram.”

Rafael Schechtman, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infra-Estrutura), alerta que o uso do chip pode reduzir a vida útil do veículo pela metade. Isso porque os carros a gasolina não têm revestimentos adequados para o contato com o álcool, o que não acontece com os carros bicombustíveis que já estão preparados para prevenir a corrosão de metais.

Mais gastos

A Folha Online entrou em contato com um anunciante de um site, dizendo-se interessada em adquirir o chip. O vendedor, que se identificou como sendo de São José dos Campos, disse que o valor do kit, sem a instalação, sairia por cerca de R$ 320 e que talvez fosse necessário comprar também um adaptador de bico de injetor, que custaria um adicional de R$ 40.

A instalação, segundo ele, deveria ser feita por um mecânico de confiança ou em oficinas credenciadas à empresa em São Paulo, o que resultaria em uma despesa total de até R$ 600.

Segundo o vendedor, a compra do chip não traria problemas em eventuais vistorias. “É uma conversão que todo mundo está fazendo”, disse.

A resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) número 25/98, por outro lado, determina que a mudança de combustível em veículos torna obrigatória a inspeção por organismo creditado pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial).

O vendedor também garantiu que o produto não estraga o carro, mas que poderia haver um desgaste maior da bomba de combustível. Ele sugeriu, então, a compra de um refil da bomba de combustível em caso de problemas.

Além dos problemas para o próprio carro, os falsos bicombustíveis também poluem mais. Os chips não recebem certificação do Inmetro. O carro funciona com queima de combustível fora das especificações estabelecidas pelo fabricante quanto à emissão de poluentes.

Damasceno calcula que o volume de gás carbônico e de dióxido de carbono liberados na atmosfera dobram com os carros com dispositivo. “Quem põe esse chip não tem nenhuma responsabilidade com o meio ambiente”.

Schechtman diz que o “jeitinho” para transformar o carro em bicombustível não chega a ser novidade. Muitos motoristas simplesmente abastecem com álcool carros a gasolina para economizar, procedimento apelidado de “rabo de galo”.

Álcool caro

Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), desde que foram lançados em março de 2003, já foram comercializados 1,2 milhão de veículos “flex”. No ano passado, 71% dos carros vendidos no mercado interno possuíam a tecnologia.

No entanto, o alto preço do álcool pode tornar a conversão improvisada em uma mudança desnecessária.

De acordo com a pesquisa do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq-USP (campus Piracicaba), baseada em dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo) coletados na semana passada, encher o tanque de combustível com álcool só é mais vantajoso atualmente em 11 Estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins).

Isso porque só nesses Estados, o litro médio do álcool custa no máximo de 60% a 70% do valor da gasolina, sendo, dessa forma, vantajoso ao motorista.

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