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Bush quer disseminar uso do álcool combustível sem empurrão do governo

Seis meses atrás, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, deu um puxão de orelha no povo americano por ser “viciado em petróleo” e sugeriu ao país que buscasse no álcool, ou etanol, a cura.

Foi um momento marcante na estratégia energética concebida pela Casa Branca no ano transcorrido desde a devastação em Nova Orleans pelo furacão Katrina. Influenciado por conversas de bastidores com defensores de combustíveis alternativos, e com o presidente Lula, Bush está usando sua autoridade para que o povo americano entenda que é preciso moderar o consumo de petróleo.

Só que igualmente importante é aquilo que não está fazendo. Bush não quer forçar o uso do álcool ou exigir que os postos de gasolina estoquem o combustível. Não faz pressão por padrões mais duros de economia de gasolina e não apóia um imposto mais alto sobre a gasolina.

Se Bush está agindo ou não com rapidez suficiente para promover combustíveis alternativos é tema de debate. Opositores afirmam que, ao se furtar a grandes iniciativas federais, Bush será incapaz de atingir as metas que propõe. Já quem ajudou a formular a política da Casa Branca diz que as coisas vêm caminhando bem desde o discurso do presidente em 31 de janeiro e cita indícios de que o mercado, por si só, promoverá a migração para novos combustíveis de modo mais rápido e barato do que com diretrizes impostas pelo governo.

A Ford Motor Co., a General Motors Corp. e a DaimlerChrysler AG disseram que vão dobrar a produção de veículos bicombustíveis, ou flex, nos EUA. Outra empresa, a varejista Kroger Co., já vende combustível mesclado com etanol em sua rede de postos. Duas produtoras de álcool abriram seu capital nas bolsas, algo inédito desde os anos 80. A organização das 500 Milhas de Indianapolis disse que todos os carros que participarão da corrida no ano que vem vão rodar com uma mescla de combustíveis de origem vegetal.

“As declarações do presidente foram transformadoras”, diz Reid Detchon, diretor- executivo da Energy Future Coalition, um grupo americano que promove combustíveis alternativos. “A expressão viciados em petróleo cristalizou a questão de um jeito que o público todo entendeu, mas também deu à classe política permissão para discutir o tema.”

Segundo o governo, o etanol — com uma pequena ajuda de Washington — poderia aplacar mais de um terço da sede de gasolina do americano já em 2025 (o nível hoje é de 3%). Os benefícios: menor dependência do petróleo estrangeiro e um ambiente mais limpo, já que o álcool emite menos gases que contribuem para o efeito estufa.

É uma meta ambiciosa. As grandes petrolíferas encaram com ceticismo a viabilidade do combustível. Há pouco incentivo para que promovam a alternativa, que concorreria com seu principal produto. Hoje, dos 170.000 postos de gasolina dos EUA, somente uns 800 vendem álcool. A não ser que sejam forçados, é incerto que muitos donos de postos invistam milhares de dólares em bombas de álcool.

Alguns questionam a ênfase no etanol porque o combustível é feito nos EUA de milho, e há um limite para quanto milho pode ser usado com esse fim. A produção de álcool de matérias-primas mais baratas, como a celulose encontrada em lascas de madeira e capim, ainda está em estudo. Por causa de uma recente alta na demanda, o preço do etanol subiu ao mesmo nível da gasolina convencional em alguns lugares dos EUA, apesar de generosos subsídios do governo que datam dos anos 80. A importação de álcool mais barato — uma possiblidade que põe água na boca de potenciais exportadores brasileiros — é dificultada por uma tarifa de US$ 0,54 por galão (3,783 litros).

O orçamento do governo Bush para o exercício fiscal que começa em 1o de outubro propõe menos de US$ 500 milhões em investimento federal na pesquisa de combustíveis alternativos — menos de metade do que os americanos gastam por dia em gasolina.

Ainda que o consumo do etanol atinja as projeções mais otimistas, os EUA poderiam seguir dependendo do petróleo estrangeiro. Projeções apontam para uma forte alta do consumo total de combustíveis no país nos próximos anos se a população não começar a usá-los de modo mais eficaz.

Como tacada política, o foco do governo Bush no etanol já é acertado. O boom do álcool está ajudando dois grandes setores — automobilístico e agrícola — e causando prejuízos a praticamente ninguém. No Meio- Oeste do país, onde se produz e consome o grosso do etanol, poderia até dar um impulso aos republicanos em um ano de eleição.

O entusiasmo de Bush pelo etanol cresceu no início de novembro do ano passado, na visita ao Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva contou a Bush como o Brasil estava prestes a atingir auto-suficiência na área graças, em boa parte, ao reforço na produção de álcool, fruto da abundante safra de cana-de-açúcar do país.

Segundo autoridades brasileiras presentes a um churrasco em Brasília na ocasião, Bush teria feito várias perguntas sobre a competitividade do álcool brasileiro em relação à gasolina, e sua posição no mercado. Bush voltou da viagem animado com o potencial do etanol nos EUA, diz Allan Hubbard, principal assessor econômico da Casa Branca.

Um fato parece não ter feito nenhuma diferença nas idéias do presidente americano: o de que o governo brasileiro usou de toda sua força para erguer a indústria do álcool. O governo concedeu empréstimos a juros baixos a plantadores de cana para a construção de usinas e garantiu os preços do produto. Exigiu, ainda, que a Petrobrás vendesse o combustível em sua rede de postos.

O presidente americano ficou mais impressionado, segundo assessores, com a forte presença da General Motors e da Ford no Brasil. As duas grandes montadoras americanas já venderam centenas de milhares de carros flex no país. Suas rivais japonesas foram mais lentas na adoção do combustível.

Nas semanas seguintes à visita de Bush ao Brasil, Hubbard teve uma reunião com o presidente da Ford, Bill Ford, e falou ao telefone com o presidente da GM, Rick Wagoner, sobre a ampliação do uso do etanol nos EUA.

Ouviu, em resposta, que já havia planos de expansão da produção de carros compatíveis com álcool no país e que o custo adicional não passaria de US$ 100 por veículo.

A GM já registrou alta de até 200% na venda de veículos flex em grandes centros urbanos do Meio-Oeste, como Chicago — em relação a um ano atrás. Computado todo o país, as vendas mais do que dobraram em maio. E a Toyota Motor Corp., líder em veículos híbridos, anunciou no mês passado que cogita a produção de carros movidos a álcool para o mercado americano.

O crescente interesse americano alimentou esperanças no Brasil de que os EUA viessem a ser um grande importador no futuro.

“Num mundo de comércio livre, isso seria um bênção para o Brasil”, disse Andrew Bernard, um brasilianista da faculdade americana de Administração Dartmouth. Mas até agora tem havido pouco lobby pelo corte das tarifas de importação. Os produtores americanos já têm explorado, também, outras oções de matéria-prima além do milho para garantir que possam ser eles os fornecedores de álcool combustível a preços razoáveis no país sem precisar de importações. — Paulo Trevisani Jr., de Nova York, colaborou neste artigo.

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